Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 29.08.2016

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O quarto da menina (uma espécie de gangorra) é funcional, criativo e mexe com a imaginação da plateia. Fotos: Priscilla Prade

No livro mágico tudo que Tatiana deseja acontece

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O papel da cor vermelha na vida de uma menina

O musical infantil O Livro de Tatiana, de Bruno Garcia, diverte e encanta com trama movimentada e humor meio nonsense

Desejos são perigosos. Cuidado com o que você deseja.” Uma verdade como essa é o que dá liga e estofo para a agradável peça infantil O Livro de Tatiana, em cartaz até novembro em São Paulo, no excelente Teatro Porto Seguro. O autor, diretor e compositor das letras das canções é o consagrado ator Bruno Garcia, também no elenco, como o pai da protagonista. Conheci Bruno no infantil A Ver Estrelas, na década passada, espetáculo de João Falcão em que ele, Bruno, foi muito premiado por sua atuação. Aliás, tempos depois, seu texto de ‘O Livro de Tatiana’ dialoga muito com a peça de Falcão, nas partes incríveis de puro nonsense, enredo não linear, brincadeiras com palavras, metáforas e metalinguagens. Como é bom ver um autor inspirando o outro, rendendo frutos, espalhando criatividade.

No enredo, uma menina está no dia de seu aniversário de 11 anos e ganha de presente um livro vermelho. Todos os personagens dizem a ela: “Nossa, mas que livro mais vermelho!!!” No final, você vai entender a alusão e o recurso da repetição e do reforço da ideia do vermelho. Tem a ver com o crescimento da garota e sua descoberta da feminilidade – tema muito bem-vindo no teatro para crianças e aqui delicadamente explorado. O fato é que esse livro é mágico e tudo o que a menina deseja acontece. Claro, isso causará confusões, reviravoltas, aventuras até no espaço dentro de um foguete! Trama engenhosa, movimentada e inteligente, com direito até ao momento em que todos no palco assumem, metalinguisticamente, que o que estão fazendo ali é mesmo uma peça de teatro.

Fiquei esperando Bruno Garcia em um papel de maior destaque, mas o autor e diretor, em gesto talvez de desprendimento e humildade, faz um coadjuvante, o pai, que fica bastante tempo fora de cena. Achei isso legal da parte dele. Outro lance bacana da direção foi manter em cena um grupo de coadjuvantes encapuzados, todos de preto, os ‘Sombras’. É quase como se esse grupo fizesse uma outra peça paralela, algo como ‘homenzinhos invisíveis’ que constroem a trama como operários cênicos ou como uma contrarregragem criativa. Solução que tem tudo a ver com a trama, que tem viagens no tempo, flashbacks, coisas assim. Parabéns ao grupo de atores, que fica o tempo todo sem aparecer, anônimos, sem visibilidade nem vaidade. São eles: Fabio Caniatto, Lisi Andrade, Natalia Gonsales, Rafael Leidens e Warley Santana.

Os bonecos criados e confeccionados por Nado Rohrmann e Renata Franca, da Companhia de Inventos, são sensacionais. Há uma banda ao vivo em cena (a ótima Banda Harmonika). O tecladista, por exemplo, é um desses bonecos, manipulado por um dos Sombras. As três coristas (backing vocals) também são bonecas. É bem divertido esse detalhe também, fique de olho como funciona bem.

Isabella Moreira, como a protagonista Tatiana, não é boa. Pena. É o único senão em minha avaliação. Ela fala as frases rapidamente demais, sem intenção, sem força, sem demonstrar que está acreditando no que diz. Tem problemas sérios de articulação. Perdi parte de seu texto por não entender o que ela fala sem respiração correta. Nada que bons exercícios um dia não possam resolver, espero, pois ela tem carisma. Os outros são perfeitos: Dani Moreno como a mãe, Lucas Lentini com um galã teen caricato (e um Leonardo de Caprio que só pensa em fazer xixi!) e a sempre transbordante Maria Bia, como a melhor amiga da menina Tatiana. Maria Bia canta divinamente, tem uma voz espetacular na hora dos diálogos e muita presença cênica.

Acho que só falta falar do visual. A iluminação de Fran Barros é notável do começo ao fim. Há tempo não via um design de luz tão lúdico, ‘brincalhão’. Fran brinca com a luz a serviço das cenas. Incrível. Bem, e Marco Lima, na cenografia e figurinos, já é barbada comentar. A cada trabalho, ele se supera. A ‘engenhoca’ que ele criou para ser o quarto da menina (uma espécie de gangorra) é funcional, criativa e mexe com a imaginação da plateia, além de ser multifuncional. Nota dez. Seus figurinos flertam com o gótico, sem ser realistas, mas com referências ‘brega-românticas’ também, para combinar com o perfil dos personagens. Repare também na vara de pescar que transporta o livro voador. ‘O Livro de Tatiana’ é atração esperta, fique ligado.

Serviço

Teatro Porto Seguro
Al. Barão de Piracicaba, 740 – Campos Elíseos – São Paulo
Telefone (11) 3226.7300.
Temporada: Até 28 de agosto – Sábados e domingos, às 15h
Ingressos: R$ 50,00 plateia / R$30,00 balcão e frisas