Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 14.06.1980

Barra

Não vire limonada

O Teatro das Laranjeiras (no Instituto Nacional dos Surdos – e com estacionamento amplo!) parece estar orientado no sentido de dar uma boa cobertura para as crianças do bairro. Há nesse teatro novo e que a maioria dos cariocas ainda não conhece duas peças infantis em cartaz: O Limão que Virou Limonada, texto e direção de Paulo Afonso de Lima, e Cresça e Apareça, de Alexandre Marques, comentada aqui no sábado passado. Seria importante que essa orientação fosse mantida, permitindo assim novos espaços para os grupos teatrais. Mas, para que isso aconteça, é fundamental que os mais beneficiados (os espectadores das redondezas) contribuam com suas presenças, o que não tem acontecido muito.

A peça de Paulo Afonso de Lima tem o objetivo de mostrar, através de uma história divertida, que o ser humano deve assumir seu destino com as próprias mãos, não deve ser apenas um passivo observador dos acontecimentos. Mas, por incrível que pareça, o tiro sai pela culatra; apesar de ser este o pensamento final da peça, essa ideia de transformação não recebe, nem no texto nem na encenação, uma ênfase suficiente para derrubar da cabeça do espectador a posição submissa manifestada pelo vendedor de limões no início da peça. Frases que fazem a apologia do sacrifício (o limão deve ser sacrificado numa limonada porque, senão “o que seria das crianças?”) levam a plateia a conclusões perigosas: você deve abrir mão dos seus interesses (mesmo os mais fundamentais) para servir aos outros: “Existe coisa mais bacana que servir a humanidade?”. E essa ideia é reforçada pela repetição (“A verdadeira felicidade está na certeza de, um dia poder ser útil a alguém”). Dessa forma, quando o autor pretende concluir que tudo isso foi dito pelos seus personagens apenas para mostrar que esse pensamento é errado, que a vida não deve assim, ele já não consegue. A ênfase dada às ideias reacionárias do vendedor de limões não fica destruída por aquele rápido final. O autor acaba correndo risco de fazer o espectador levar para casa exatamente as ideias contrárias às ideias que ele, autor, defende e está pregando.

Mas, apesar disso, as crianças ficam inteiramente ligadas ao espetáculo, já que a trama mantém um interesse crescente para o espectador infantil e, principalmente, porque Paulo Afonso de Lima, ao dirigir a peça, imprimiu uma velocidade muito grande às cenas e dirigiu bem o elenco (bastante firme e uniforme, apesar da visível pouca experiência de seus integrantes). Mas para aí a contribuição de Lima, talvez porque acreditasse muito no seu próprio texto, não se preocupou em conceber imagens cênicas fortes e a armação das cenas carece de imaginação. O palco está sempre muito vazio e os cenários, figurinos e adereços, criados também pelo autor, não conseguem obter uma força visual que preencha os espaços. O Teatro das Laranjeiras tem um sério problema de iluminação e várias vezes os atores ficaram no escuro.

Quando o espectador for ao Teatro das Laranjeiras, converse com seu filho após a peça para que fique claro seu filho após a peça para que fique claro que o mundo é transformável; e para que não fique, na cabeça de seu filho, o que é dito logo no início para o limão que não quer morrer: “Conforme-se. Cada um nasce para ser o que é”.