Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 09.06.1979
Um lápis entre a vida e a morte
O Lápis Mágico, de Luiz Sorel, em cartaz no Teatro SESC da Tijuca, é um espetáculo que tem sua força na originalidade da proposta, tanto no que se refere ao texto quanto à encenação. Lembrando um pouco O Mago das Cores, a peça é a história de um lápis de carvão que deseja ser um lápis de cor. Aproveitando a ausência de seu dono – o pintor – o lápis vai até a caixa de lápis de cor e pega as cores. A partir daí começa a criar desenhos coloridos que acabam ganhando vida, como o Sol, a Lua, D. Quixote, Dulcinéia, O Moinho de Vento. O texto traz algumas colocações interessantes, como as duas posições tomadas pelo lápis perante a borracha.
Primeiramente, a borracha é o inimigo, pois é sempre negativa e só sabe apagar. Depois, quando conhece um inimigo maior, o lápis consegue olhar a borracha com outros olhos e ver que ela também tem qualidades e pode ser sua aliada. Funciona muito, também, a luta do lápis com margem colocada como o símbolo da repressão, a criatividade e à vida. E o texto fecha com o conflito final: sendo lápis, quanto mais ele criar, mas ficará gasto, mais se aproximará da morte. O lápis fica em dúvida: “Se eu continuar criando, eu acabo. Se eu não criar, continuo vivo. O que é que eu faço? Devo ficar parado e viver ou mexer ou mexer e morrer?” Coloca-se, assim, para a criança, se importa viver de um modo banal, mas seguro, ou se é mais importante se expor, participando do processo da vida, interferindo na realidade e transformando-a. A solução final – a permanência viva do lápis mesmo depois de sua morte através de tudo o que criou para o mundo – não é muito bem solucionado pela direção (do próprio autor). Eu me pergunto se as crianças conseguem captar com clareza a solução depois de terem se identificado com o lápis e sofrido com ele seu dilema entre viver e morrer.
A força da encenação está na solução visual dada por Gilberto Vigna para cenários, figurinos e máscaras: um trabalho muito bonito e que tem um clima de fantasia e de mágico bem expressivo. Pena que a direção repita interminavelmente a mesma solução para a mudança dos cenários, o que torna o espetáculo repetitivo e um tanto monótono. Na realidade, essas mudanças poderiam dinamizar a montagem, trazendo sempre uma surpresa renovada através de soluções diversas.
A música de Maria Jacobina (que tem apresentado sempre bons trabalhos) parece não ter nada a ver com o espetáculo. Ela é de boa qualidade, mas não cria um relacionamento com a cena. Além disso, há música demais no espetáculo inteiro, há muitos fundos musicais e isso, além de criar uma certa monotonia auditiva, ainda impede que se perceba quais os momentos musicais de ênfase. Na cena Da margem, por exemplo, esse acompanhamento é definitivamente prejudicial, pois impede que o espectador entenda um texto importante. A luz de Aurélio de Simoni auxilia os climas e tem uma ótima solução para a cena da margem.
Os atores – Daisy Poli, Ana Lúcia Torre e Luiz Sorel – atuam com firmeza. Só não entendo porque a direção determinou (ou permitiu) que Daisy Poli fizesse uma linha tatibitate e falsete: isso diminui, na atriz, sua já comprovada capacidade de comunicação. E Sorel deve cuidar mais de sua voz que está saindo muito fraquinha em relação ao resto do elenco.