Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 21.02.2014

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São Paulo: Filosofia altamente recomendável para crianças

Não deixe de ver o impecável O Jovem Príncipe e a Verdade, mas não leve crianças muito pequenas

De teor altamente filosófico e poético, com texto em que mais se pergunta do se responde, em que mais se sugere do que se diz, pleno de metáforas e simbologias, a peça infantil O Jovem Príncipe e a Verdade é uma das melhores em cartaz atualmente na cidade de São Paulo.

Mas, se você prestou atenção neste meu primeiro parágrafo, então entendeu que não é para levar seus filhos de colo no espetáculo, não é? Foi o que vários pais fizeram no domingo passado, quando eu estive lá. Crianças berravam, conversavam, corriam pelos corredores da sala… (Esses casais ‘sem noção’ provavelmente ficaram animados com a boa resenha que foi publicada na semana passada sobre a peça, em uma revista de grande circulação. Ah, os adultos e suas ansiedades… Por que não esperam os filhos terem a idade adequada? Ou, então, levem seus ‘bebês’ ao teatro, mas ao perceberem que as crianças estão incomodando as outras, peguem o caminho da roça, por favor!)

Bem, mas voltemos a falar desse grande espetáculo. A simplicidade eficiente da produção é tocante. Não há cenários grandiosos. Mas como é bela a cenografia (Luís Rossi), composta basicamente de dois módulos (banquinhos?) e uma estrutura pendular (gangorra?), tudo de madeira colorida, além de alguns panos emoldurando o palco. Basta isso para que você imagine o que quiser desses pedaços de madeira. Com o auxílio certeiro da iluminação (Fran Barros) e do impecável figurino (Rosângela Ribeiro), sobretudo a linda roupa do príncipe, você acredita que esses blocos de madeira são árvores, pontes, rios, restaurantes, casas, tudo o que o texto sugerir. Essa ausência de elementos explícitos comove demais e enriquece o mundo simbólico que habita o imaginário infantil.

O elenco é impecável, o que é muito raro. Todos estão muito bem e foram otimamente escalados e bem dirigidos. Incrível é o talento de Gerson Steves, como o narrador. Incríveis são as expressões de dúvida, desamparo e surpresa de Leonardo Santiago, como o príncipe. Absolutamente incrível é o jogo de cintura de Daniel Costa, ao fazer de forma tão diversa e criativa e, ao mesmo tempo, de um jeito tão milimetricamente pensado, cada um de seus diversos personagens coadjuvantes (crocodilo, pai, chef francês, mendigo, cego, juiz etc). Amanda Banffy tem menos chances de aparecer, mas também assegura seus belos momentos como a mulher-cisne, a camponesa, a mendiga etc. Um elenco de se tirar o chapéu.

Baseando-se em livro do francês Jean-Claude Carrière, a tradutora Amanda Banffy (sim, a atriz) foi inteligente em manter os enigmas e as incertezas de uma história baseada na incansável busca pelo que seja a verdade. Na direção geral, orquestrando tudo isso, Regina Galdino se mostra cada vez mais competente e talentosa à frente de espetáculos para crianças. E, para completar, temos a música de Fernanda Maia, mais uma vez sensacional. Com dois músicos em cena (Rafa Miranda e Flávio Rubens), o que ouvimos é de um magnetismo musical bastante feliz. Não só as melodias, mas principalmente as letras compostas por Fernanda Maia são geniais. Dá gosto quando a gente ouve canções que complementam a história, dialogam com as cenas, não apenas ilustram o espetáculo de um jeito desconectado e até ‘bobo-alegre’ (como costumam ser muitas trilhas infantis).

Termino este texto reproduzindo a canção que abre o espetáculo, cantada pelo narrador Gerson Steves. (Aliás, todos os atores cantam muito bem!) Esta canção me fisgou de um jeito certeiro para dentro do espetáculo, desde o primeiro momento, um jeito que foi irreversível e definitivo, assim como deveriam ser todas as canções de abertura de espetáculos. Parabéns.

O Burro

Eu sou contador das histórias / De reis, guerreiros e heróis
Sem mim Dom Quixote era nada / Ninguém saberia que Arthur era Rei.
E Hércules nem dois trabalhos / Dos doze faria que eu sei
Por isso eu mereço meu burro / Eu exijo meu burro
Onde está? Não achei / Onde é que esconderam meu burro?
Eu quero! / Por que não me deram, não sei.

Serviço

Teatro Viradalata
Rua Apinagés, 1387. Perdizes/SP
Tel: (11) 3868-2535
Temporada: sábados e domingos – às 16 horas
Ingressos: R$ 30,00 (meia: R$ 15,00)
Até 04/04