Wilson Rabelo e Flávio Antônio em O Homem que Sabia Javanês, no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim

Crítica publicada no Jornal do Brasil.
por Macksen Luiz – Rio de Janeiro – 27.05.1985

 

 

 

 

Barra

Mazelas Brasileiras

A obra de Lima Barreto (1881 – 1922) se confunde, de certa forma, com a vida do escritor. Mulato, marginalizado numa sociedade cujos valores eram impositivamente europeus e coloniais, Barreto expressou em seus livros, contos e crônicas o choque social de viver num país que sempre teve dificuldades de afirmar a sua nacionalidade. O Homem que Sabia Javanês, conto escrito em 1911 que Anamaria Nunes adaptou para o teatro, é exemplar do espírito barreteano. É a história de um desempregado que ao ler no jornal que um nobre está à procura de um professor de javanês, candidata-se ao cargo, sem ter qualquer conhecimento do idioma. Com alguma sorte, pouco escrúpulo e muita manha, Castelo chega a participar de um congresso de linguística na Holanda e é nomeado cônsul em Havana. Esse Macunaíma aprendiz desvenda as mais daninhas práticas de uma sociedade na qual os efeitos e a aparência são valorizados. A ironia com que Barreto acompanha essa trajetória tão brasileira de Castelo transforma O Homem que Sabia Javanês num flagrante inteligente da vida nacional.

A adaptação teatral ressalta os aspectos “malandros” do personagem e o provincianismo de uma sociedade sem uma ética sobre a qual se estruturar. Ana Maria Nunes explicita essa falta de identidade brasileira que, ao contrário do que se possa pensar, persiste até hoje. Anamaria faz essa aproximação com o Brasil atual, buscando referências nas atitudes dos políticos, nos desmandos administrativos e na ausência de respeito ao cidadão. Mas não cai na armadilha de amesquinhar a trama, apenas escreveu prólogo que informa essa persistência no caráter nacional. O diretor Eduardo Wotzik, por seu lado, não perde de vista o público ao qual pretende atingir: o estudante. Há um cuidado em informar a plateia sobre a perspectiva de ver o país. Wotzik, assim como a adaptadora, deixa claro que a sua concepção do conto ressalta o caráter brasileiro do ponto de vista da sua própria falta de autoestima. E apesar de buscar o público estudantil, a montagem de O homem que sabia javanês não corteja a facilidade e o falso didatismo. Ágil, vigoroso em algumas cenas (como a das frutas do final) e extremamente atraente e direto, O homem que sabia javanês (Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim) reconfirma a qualidade e o empenho do grupo Tapa em levar ao palco a literatura brasileira.

Com poucos recursos que são substituídos por inventividade (o uso das ceroulas como figurino básico adquire o duplo sentido do avesso de atitudes e de vestimenta de época), o Tapa, sem a pretensão da pesquisa, mas com o humor e a seriedade dos que se entusiasmam com o trabalho, apresenta, com dignidade e alegria, as mazelas brasileiras. O elenco corresponde com muito entusiasmo ao espírito da montagem, em especial Flávio Antônio.