O elenco, coringa e vários papeis, tem
dificuldades para dar peso aos personagens.
Foto Marco Terranova

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 02.03.1996

 

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Amor entre enigmas matemáticos

O Homem Que Calculava, livro de Malba Tahan, é um clássico na estante de trintões e quarentões. Impossível esquecer as aventuras do calculista Beremiz e seu companheiro Hank, a resolver os mais inusitados problemas na cidade de Bagdá, repleta de sheikes, califas e grão-vizires, todos sob a proteção de Alah. Malba Tahan, pseudônimo do professor de matemática do Colégio Pedro II e do Instituto de Educação Julio César de Mello e Souza, apresenta seu livro em forma de contos reunidos, que, mesmo lidos separadamente, já contam uma boa história. Seu mérito maior, no entanto, é o de descaracterizar a temível matemática de seu papel de vilã incondicional e dar-lhe o toque mágico dos personagens principais.

Com enredos ambientados em cenários faraônicos, Malba Tahan apresenta ao leitor os mais variados problemas e suas soluções (matematicamente comprovadas) como se fossem enigmas insolúveis. Um deles é o da contagem dos pássaros de um viveiro. Beremiz é desafinado por seu rival Tara-Tir a responder qual o número exato de pássaros que se encontra no viveiro do poeta Iezid-Abul Hamid. Beremiz pede ao poeta que liberte três pássaros e dá o resultado sem erros: 496. Qual a razão de excluir três pássaros do resultado que seria 499? A resposta é que 496 é um número perfeito. A soma de seus divisores é igual ao próprio número. Envolvido com a história, o leitor também aprende a calcular e acaba esquecendo a impossibilidade de se contar pássaros em movimento. Mas essa não é a questão principal.

A adaptação da obra feita por Ronaldo Nogueira da Gama, compreensivelmente, encontra dificuldade em transpor para o palco essencial do livro de Tahan. Assim, os enigmas desvendados, mesmo com sua ilustração na tela adicionada à cena, não envolvem o espectador com os cálculos, e, sim, com a magia do calculista. De qualquer maneira, essa é também uma boa leitura da obra.

Gama, que também dirigi o espetáculo, escolheu alguns dos mais interessantes problemas do livro para pôr no texto, já que a totalidade seria impossível. Seu grande trunfo é conduzir o enredo tendo como fio condutor à história de amor entre Beremiz e a princesa Telassin, ilustrada com os enigmas que o calculista tem que resolver até alcançar o final feliz. Entre eles, o de descobrir com apenas três perguntas, quais são, entre as cinco escravas vendadas, as duas que têm olhos negros e as três de olhos azuis. Sua única pista: as de olhos negros falam a verdade e as de olhos azuis só mentem. Além desse, alguns outros matematicamente perfeitos “mas injustos aos olhos de Alah” e outros ainda, que sem o segmento encontrado no livro, têm apenas mérito adivinhatório.

O jovem elenco, coringando diversos papéis. Agiliza a encenação, mas encontra dificuldade em dar maior peso aos personagens solo. A exceção fica com Sávio Moll, excelente como narrador, e Hank, o companheiro de Beremiz, interpretado por José Maurício com certa timidez. A surpresa de humor vai para Sarah Lavigne, engraçadíssima como um mercador injustiçado. O Homem Que Calculava, mesmo com pequenos acidentes de percurso, é uma boa oportunidade para se ir ao teatro e, naturalmente, para se ler o livro.

Cotação: 2 estrelas (Bom)