Crítica publicada no Jornal O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 25.06.1977

Barra

Olho vivo nos teatros de graça

Os pais devem estar sempre atentos à programação de teatro ao ar livre – e, consequentemente, gratuito – promovido pelo Departamento de Parques. Não sei de quem partiu a brilhante ideia de contratar grupos teatrais para apresentação nas praças de todo o Rio e Janeiro (zonas sul e norte), mas é evidente que tal iniciativa estabelece uma ligação mais viva entre a cidade e seus habitantes. Os locais escolhidos passam a exercer sobre a população um novo fascínio e isso é um pouco a reconquista do elo de ligação afetiva entre o homem e sua terra – aspecto perceptível, atualmente, apenas nas cidades do interior.

A seleção dos grupos a serem contratados, evidentemente, é da melhor importância, para que não se jogue no lixo uma ideia de tantas possibilidades. Neste particular, é bom lembrar que saiu exatamente desses espetáculos nos parques à montagem mais expressiva do ano passado que foi A Fabulosa Estória de Melão City. Sábado passado estive na Praça São Salvador assistindo aos Irmãos Flagelo com a peça O Fiasco, Os Flagelos, formados por Sura Berditchevsky, Milton Dobin, José Lavigne e Maria Clara Mourthé são parte dessa já imensa e quase incontável filharada de Maria Clara Machado. Mostram um espetáculo alegre, divertido e cujo ponto alto, em termos de textos, está na história dos olhos que moravam numa cara redonda e careca. Entretanto, a proposta de encenação é um tanto descosida: falta um quê de ligação entre as várias situações – o que poderia ser solucionado por uma direção que cuidasse da unidade. Outro aspecto importante para a análise de O Fiasco está na utilização do espaço. Indo para uma praça, o grupo não explora todas as potencialidades do local e acaba criando com a plateia uma relação menos rica determinada pelas limitações do “palco italiano”. (E um pouco acontece, em termos de teatro para adultos, com a peça A Morte de Danton, encenada nos subterrâneos do metrô). Isso se explica claramente pela necessidade que tem o elenco de usar os microfones instalados no tablado. Para solucionar tal problema, o grupo teria dois recursos imediatos. O primeiro seria a criação de um espetáculo que vivesse mais das ações que das palavras; que vivesse mais dos movimentos, do desenvolvimento, da relação com o público, de situações expressivas, mas não necessariamente verbais. O segundo seria a utilização de microfones com longos fios (o que também causa alguns problemas de movimentação) ou então megafones (como fazem Os Contadores de Estórias). Cenicamente, o que fica mais significativo e exatamente a proposta final, quando o elenco abandonando de vez o tablado, passa a propor estímulos à criatividade infantil, através de “piqueniques” praia etc. Os quatro atores se apresentam bastante seguros, sendo comunicativos e engraçados. E a hora de esperar o novo trabalho dos Irmãos Flagelo – já em preparo – para vermos se utilizarão produtivamente as experiências deste espetáculo inicial. Antes que o novo trabalho surja, entretanto, os pais poderão levar tranquilamente seus filhos para assistir a O Fiasco que, em resumo, apresenta mais qualidades que defeitos. Toda criança gosta de palhaços. Há a vantagem de ser de graça.