Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 07.12.1975
O Dragão: recomendado para adolescentes
-“A senhora censura meus ouvidos, mas meus olhos enxergam, mãe.”
O Dragão: Recomendado para Adolescentes
O maior desejo do povo é viver em paz, Eugene Schwarz mostra, em O Dragão, que, mesmo vivendo sob o nazismo ou sob o stalinismo, o maior desejo do povo é poder continuara vivendo o seu rotineiro e pacífico cotidiano. O fato de passar vários anos sob um regime de força – segundo o autor – faz com que o povo passe a ver a opressão como um fato normal. Mesmo que, dentro da paz (?) conquistada, sejam necessários alguns sacrifícios como à morte de uma donzela por ano. Mas, mesmo tal sacrifício é realizado sob certas normas rígidas, na mesma época, debaixo do mesmo ritual. Isso faz com que o povo suspire tranquilo e – porque não dizer? Até feliz, pois sabe que nunca será surpreendido por atos de violência intempestivos. A violência global já foi assimilada pelo cotidiano. E a violência específica (a morte de uma donzela) é apenas uma data – festiva – do calendário. É por isso que, quando chega à cidade um herói decidido a matar o Dragão, a população se revolta. Ela tem medo das incertezas do futuro. O povo não quer saber se a situação pode melhorar com a derrota do dragão. Ele, apenas, teme qualquer mudança. E que a situação piore. E o povo tenta dissuadir o herói. “A nossa cidade é muito tranquila” / “Aqui não acontece nada” / “Não queremos mudanças. Enquanto o nosso Dragão estiver aqui, nenhum outro dragão se meterá conosco”.
A direção de Maria Clara Machado é muito feliz. Ela consegue o tom preciso da fábula e cria um espetáculo expressivo e repleto de símbolos, ao invés de cair no mais fácil, que seria uma encenação demagógica e falsamente política. Na medida em que a montagem assume a fantasia é que ela amplia o significado do texto. A preocupação visual é um dos pontos altos: tanto o imaginativo cenário de Luís Carlos Ripper (basta talento para fazer um palco pequeno tornar-se grande), como a iluminação de Jorginho de Carvalho ou as cabeças de Dragão de Júlia Van Roger ou, as belas imagens criadas pela direção, fazem com que haja um agradável envolvimento da plateia. Contudo, em momento algum o senso crítico do espectador fica limitado.
O elenco não é muito homogêneo, mas o saldo consegue ser positivo, havendo, entretanto, dois trabalhos que se destacam acima da média. Carlos Wilson Silveira cria um Dragão excepcional. Seu trabalho é feito sobre detalhes e pontificam as mudanças de tom, num trabalho que se caracteriza pela unidade. É enorme a distância entre sua performance como o dragão e sua interpretação como um dos marinheiros de Pluft. Agora, surge, nítida, a imagem de um ator. O outro destaque fica com o charme maior do espetáculo e que, infelizmente (mas corretamente), surge tão pouco: o Gato, de Louise Cardoso. Excetuando-se o momento em que sai do chão para a posição vertical, quando existe uma quebra na harmonia, seu trabalho de expressão corporal (e isso inclui o rosto) é de grande expressividade. Mesmo estando sem participação direta na cena, o gato de Louise Cardoso continua vivo, com suas patas felinas, com suas patas felinas, com seu olhar cheio de várias intenções. Só não percebo o porquê da linha dada ao herói Lancelot: sua fala mole e arrastada e seu ar assustado diminuem muito a força do personagem.
O Dragão, no Tablado, é um excelente programa para os adolescentes – sempre tão desassistidos em matéria de teatro. É um texto inteligente e, às vezes brilhante. A direção de Maria Clara Machado não lhe fica atrás.
Recomendações:
O Dragão, no Tablado, para adolescentes; Bongo no Xerife, no Miguel Lemos; Zé Vagão da Roda Fina e sua Mãe Leopoldina, no SENAC; A Margarida Curiosa Visita a Floresta Negra, na Casa Grande.