O Dinheiro é o Terror fala do teatro de hoje e trata com graça de seus problemas vícios e delícias

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 18.11.1998

 

 

 

Barra

Na boa linha da chanchada

A dupla de diretor e autor – Ernesto Piccolo e Rogério Blat -, dando prosseguimento a enlouquecedora viagem teatral que iniciou com Funk-se, em 1992, apresenta no Teatro Gonzaguinha a performance do ano: O Dinheiro é o Terror, um espetáculo dentro do outro que usa um tema universal para olhar o próprio umbigo. E que umbigo! A autocrítica, porém ultrapassa os limites do “pessoal e intransferível” e fala do teatro hoje, com todos o seus problemas, vícios e delícias.

A cena é aberta com o elenco morto (provavelmente de cansaço pelos ensaios de Piccolo) e enterrado em um cemitério no mais puro estilo Ed. Wood. Esse é o primeiro take de O Dinheiro é Mel, a peça dentro da outra, onde Bilionetti, o rico fabricante dos chicletes de mel, perde a memória e é recolhido das ruas por Vitória, uma empregada doméstica que acabou de se despedida. Na linha política das chanchadas da Atlântida, onde os pobres se divertem muito mais do que os ricos, Bilionetti encontra a felicidade nessa vida simples, porém honesta da miséria gargalhante.

Mas isso é a peça que está sendo montada. Na quase vida real, a produção enfrenta uma crise financeira, os atores se desentendem e largam o espetáculo, o diretor muda a protagonista ao sabor do seu humor, e o autor não quer uma vírgula do seu texto cortada, embora reconheça que seus pares, entre eles Tchecov e Walt Disney, também tiveram suas obras mutiladas. Nesse tour de conflitos, o patrocinador vai enchendo a peça de merchandise. O caos se instaura, afinal: o dinheiro é o terror.

Rogério Blat, sempre ligado em temas polêmicos, escolheu desta vez um enredo muito próximo do seu cotidiano, onde não tem o menor pudor de rir de si mesmo, das suas contradições, e faz isso sem nenhuma pieguice. É a salvação pelo riso, como dizia o grande Vicente Pereira.

Ernesto Piccolo, um excelente diretor de caos, arma seu espetáculo, mais uma vês , com rígidas marcações para o numerosos elenco. Desta vez porém algo de novo acontece. Além do espetáculo afinado com precisão, está afinado com precisão, está em cena o trabalho do ator. Suzana Barreto, que até o momento vinha de pequenas participações nos espetáculos anteriores – DNA Brasil e O Futuro era Hoje -, está impecável no papel da empregada/cartomante. Joana Simão também cresceu muito dos primeiros espetáculos para cá, assim como Natálio Maria e Érica Pineschi. As boas e novas surpresas ficam com Dominoni Junior, Maurício Guimarães, Jaqueline Martins, Marzuella Guevara, Isaak Brito e Alvariz Júnior.

Seguindo a linha autocrítica do espetáculo, Kalma Murtinho criou figurinos muito originais pra as “duas” peças. Os mais interessantes sem dúvida são os dos personagens do terror, como Mortiça, O Corcunda e sua trupe. Beto é o responsável pelo visual trash de Godzilla e da aranha gigante. Djalma Amaral inventou uma luz de show adereçada com signos de terror ao fundo do palco, mas foi Analu Prestes quem deu a assinatura final da equipe de arte. Quase como um detalhe, uma manchete de jornal está pregada no cenário, e nela está escrito: “A loucura continua”. E continua mesmo. Nessa caso é melhor aderir. Vamos a ao teatro.

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)