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Fotos: Lígia Jardim

Crítica publicada no Site Pecinha é a Vovozinha
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 09.04.2019



Ah, se minha mochila falasse…

Peça sobre pré-adolescentes encanta do começo ao fim, desfilando criatividade, talento, graça, empatia e emoção como poucas vezes se vê numa sala de teatro para essa faixa etária

Uma das melhores peças para crianças e jovens da safra de 2019. Quem não viu precisa correr. Porque é, de fato, uma atração fora da curva, acima da média, com um nível de acertos que é incomum. Retrata personagens de 11 anos, que estão no 6º ano do Ensino Fundamental, ou seja, aquele ano da transição, em que a criança começa a virar pré-adolescente e tudo é desengonçado, tudo ainda é “um pouco lá, um pouco cá”. Você vai se espantar como essa faixa etária muito específica está tão bem retratada na peça. Os adultos vão lembrar dessa fase, as crianças menores vão saber muito bem de quem a peça está falando e as crianças pré-adolescentes se sentirão dentro do espetáculo, tamanha a empatia que esta atração é capaz de provocar.

O título é deliciosamente quilométrico: O Dia em que a Minha Vida Mudou por Causa de um Chocolate Comprado nas Ilhas Maldivas. Keka Reis, a própria autora do livro (indicado ao Prêmio Jabuti em 2018 na categoria infanto-juvenil), fez a adaptação para os palcos. A direção acertadíssima é de Thaís Medeiros atriz e uma das fundadoras, em 2001, da reconhecida Cia. Delas. Thaís faz sua estreia na direção solo, contando, para isso, com a assistência de outra colega da Cia. Delas, Fernanda Castello Branco. Difícil de acreditar que se trata de uma diretora estreante, tamanha a competência e a criatividade que Thaís Medeiros desfila pela concepção das cenas.

Na trama, Mia (Tutti Pinheiro), Bereba (Thomas Huszar) e Jade (Angela Ribeiro) têm 11 anos e, como já mencionei acima, são estudantes do 6.º ano. Mia encontra um bilhete anônimo debaixo de sua carteira que diz: “Quer sentar do meu lado hoje na perua?”. Abalada pela possibilidade de o autor ser Bereba, seu melhor amigo, ela se tranca no banheiro da escola para pensar sobre o que fazer. Despertar do amor, o desejo de pertencimento, novas responsabilidades escolares, a despedida da infância… quantos temas tão importantes nesta fase. Estão todos eles aqui.

E que elenco, senhoras e senhores. Um trio incrível. Adultos que se passam por crianças de 11 anos sem precisar da voz de criancinha, sem falar no diminutivo, sem clichês estereotipados. Quem dera todos os elencos de teatro infantil tivessem essa consciência e esse talento. A gente torce pelos personagens, se identifica, acha que são todos da nossa família.

As situações criadas são perfeitas no retrato da pré-adolescência, como comecei escrevendo acima. O recreio não se chama mais recreio. Agora é “intervalo”. Um só professor na sala de aula se multiplica por uma dezena, um para cada disciplina. Os recém-chegados ao 6.º ano são agora os menores do pátio e precisam evitar os maiores, senão o bullying virá na certa. Quem nunca? Quando vão à primeira balada de aniversário, Bereba ainda chama de ‘festinha’ e é prontamente alertado do ‘mico’ pela amiga Mia. E mais: o garoto fica todo encabulado por achar sem querer um absorvente na mochila da extrovertida Jade. A peça poderia até se chamar “Se minha mochila falasse…”, por causa da excelente ideia da cenografia (Paula Weinfeld e Mira Haar) de perfilar no fundo do palco uma série de mochilas coloridas, dando o clima necessário para a ação do espetáculo. Criatividade sem luxo – eis a melhor forma de ser criativo. E a personagem Jade, que parece tão bem resolvida, o que terá a acrescentar nessa trama tão perspicaz? Enfim, são várias situações muito reais e divertidas, durante toda a peça.

Você não vai acreditar na graça e na emoção das soluções criadas para mostrar que Bereba e Mia estão sentindo algo diferente um pelo outro, sem saber ainda direito o que é esse sentimento esquisito dentro deles… Essa mudança de hormônios é muito bem desenvolvida na trama. A garota Mia, como descrito na sinopse acima, se tranca no banheiro da escola, sem saber o que pensar. O menino Bereba, por sua vez, não entende por que não consegue mais concentração para ler o livro de que ele mais gosta e que costumava reler todas as noites antes de dormir, um livro sobre aranhas (ah, o mundinho dos nerds masculinos!!!). Que cena linda! A cena do Museu do Chocolate em Cuzco (Peru) também é outra eficientíssima.

A estrutura de flashbacks da dramaturgia poderia ser um problema para a compreensão da trama e até emperrar o desenvolvimento da narrativa. Mas diretora e autora, juntas, acharam o jeito certo de encher a peça de vaivéns no tempo, sem prejuízo do interesse da plateia. Aliás, o último flashback – mencionado o tempo todo, mas só ‘revelado’ no final – é o ponto alto do romantismo (música lenta na festa, socorro!!!, e agora?!). Esse é o lance que arremata a história de um jeito terno e, ao mesmo tempo, impactante. Inesperado é também o momento realmente final, quando parece que enfim Bereba vai poder sentar ao lado de Mia na perua, na volta da escola. Será?

Não perca.

Serviço

Local: Teatro Alfa – Sala B
Endereço: Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro, São Paulo
Telefone: (11) 5693-4000
Capacidade: 204 lugares
Quando: Sábados e domingos, às 17h30
Duração: 55 minutos
Recomendação etária: Maiores de 6 anos
Classificação etária: Livre
Ingressos: R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia)
Temporada: De 1.º de fevereiro a 22 de março de 2020