Capítulo 2 – O Teatro para Crianças: Conhecimento e Diversão
As crianças são muito melhores e mais objetivas do que a maioria dos amigos e críticos de teatro – elas não têm preconceitos, nem teorias, nem idéias fixas. Chegam querendo se envolver por inteiro no que estão vendo, mas se perderem o interesse não precisam disfarçar a falta de atenção – nós percebemos imediatamente e levamos a sério, como um fracasso de nossa parte. (1)
Fixando nosso olhar sobre os projetos institucionais escolhidos pela pesquisa, podemos, inicialmente, identificar conteúdos didáticos comuns às peças e às disciplinas escolares. O projeto Peças de Museu tem em suas duas peças (Tudo por um fio, de Maria Clara Machado e Cacá Mourthé, e Número, faz favor?, de Eliana Caruso e Cacá Mourthé) uma mesma área temática específica, a história da telefonia, a primeira se referindo à criação do aparelho telefônico, e a segunda, às telefonistas e sua extinção. Embora o projeto trabalhe com temática que se aproxima da relação histórica dos fatos, evidencia-se muito mais o caráter científico das invenções e da tecnologia como tema principal.
Na área de conhecimento das Ciências Naturais, os PCN prevêem um conjunto de temas que desenvolvam a relação entre tecnologia e sociedade, e é por esse viés que podemos pensar os espetáculos do projeto.
O tema, introduzido desde o primeiro ciclo do ensino fundamental (primeira e segunda séries), visa entender os processos de transformação dos materiais naturais em bem úteis para o ser humano e estudar o desenvolvimento das pesquisas para a criação de aparelhos tecnológicos.
O projeto História em Cena, do Centro Cultural Banco do Brasil, desenvolve seus três espetáculos (O Mandarim do Imperador, A Rua da Fortuna e O Jeca Voador e a Corte Celeste), todos de autoria de Caio de Andrade, utilizando como materiais didáticos trechos da história republicana brasileira. O tema é trabalhado com a intenção de evidenciar as relações da sociedade na época e os elementos mais característicos de cada fase da história. Nos cenários datados é possível observar o cotidiano do passado e as implicações sociais e políticas mais relevantes.
As peças ensinam a História pela visão do homem do povo, e não por intermédio dos grandes personagens históricos. No âmbito do cotidiano, o aluno também se inclui na história, a ela pertencendo e ajudando a construí-la. Sobre História, os PCN colocam como principais objetivos:
Procuram valorizar o intercâmbio de idéias, sugerindo a análise e interpretação de diferentes fontes e linguagens – imagem, texto, objeto, música etc –, a comparação entre informações e o debate acerca de explicações diferentes para um mesmo acontecimento.Incentivam, desse modo, uma formação pelo diálogo, pela troca, na formulação de perguntas, na construção de relações entre o presente e o passado e no estudo das representações. (2)
Nesse sentido, os temas das peças pesquisadas, no âmbito dos projetos institucionais não escolares, são também “temas escolares”, podendo contribuir para a compreensão das relações a respeito de conteúdos didáticos, conhecimento e diversão no âmbito de duas instituições “formadoras” de crianças e de cidadania.
Uma segunda consideração de ordem geral torna-se importante no início deste capítulo, dedicado a compreender as perspectivas didáticas institucionais não escolares nas peças teatrais para crianças: todas elas foram escritas pelos diretores de suas primeiras montagens. No projeto Peças de Museu, Cacá Mourthé é autora e diretora das duas peças, mesmo contando com a parceria de Maria Clara Machado (3) (em Tudo, por um fio) e de Eliana Caruso (em Número, faz favor?) em sua autoria. No projeto História em Cena, Caio de Andrade escreveu e dirigiu os três textos e espetáculos para ele criados.
Praticamente todas as peças desses projetos foram escritas para ser imediatamente montadas. O fato de os autores serem os diretores dos espetáculos revela quase sempre escrita voltada diretamente para uma cena, para uma montagem quase prevista do espetáculo. Não são textos escritos para ser apreciados como material literário isolado, mas como elemento integrante de um projeto de encenação “institucional”. Essa característica revela-nos a objetividade na criação das peças, cujo conteúdo didático é, a priori, definido, assim como o olhar que se quer manter sobre ele, e desenvolvido no texto e na encenação.
Outro indicador desse grande estreitamento entre texto teatral e encenação foi encontrado na mensagem contida na última página da cópia de O Jeca Voador e a Corte Celeste depositada na SBAT, no Rio de Janeiro:
Entramos na parte final do texto que será construído, durante o trabalho com os atores, ao longo da montagem do espetáculo. (4)
Essa mensagem traduz um processo de encenação que tem como uma de suas etapas a criação do texto. Na frase, o autor deixa clara a contribuição dos atores para a criação do texto, das cenas e dos personagens. Assim, podemos ir além da idéia de um texto que se cria anteriormente, para a construção da cena, e enxergar a especificidade de uma estrutura dramatúrgica que permite a criação e o desenvolvimento simultâneos à construção da cena.
Inicialmente, para verificar as dimensões de ensino contempladas nesses projetos institucionais, foi feita uma análise dos textos dramáticos envolvidos, em parte utilizando referências disponibilizadas por Jean Pierre Ryngaert em Introdução à análise do teatro, (5) texto que atende às necessidades da pesquisa, na medida em que, de modo claro e objetivo, destaca elementos contidos nos textos dramáticos que viabilizam uma montagem concreta, aproximando bastante escrita e cena. Em outras palavras, Ryngaert entende e enfatiza que o texto dramatúrgico é uma das etapas para o trabalho da encenação, estabelecendo, assim, uma relação direta entre o texto e o palco:
Essas práticas modificaram a ideia que se fazia da ordem imutável da abordagem do texto e sublinharam que existia uma relação direta entre o texto e o palco, pelo menos que nem sempre o palco vinha depois do texto, como ilustração ou prolongamento, mas que as tentativas de sua apreensão podiam ser feitas num mesmo movimento.(6)
Por esse ângulo, as especificidades dos textos analisados nessa pesquisa, escritos de modo a atender a um projeto – uma montagem institucional, com prazos determinados –, vêm ao encontro, de certo modo, da visão de texto teatral contida nos tópicos de análise elucidados por Ryngaert.
O levantamento e a análise de dados extraídos dos textos foram, no entanto, efetuados também a partir de um enfoque que buscasse entender a construção de peças teatrais para crianças com vistas a seu aprendizado, formando-as também como público das instituições promotoras, o Museu do Telephone e o Centro Cultural Banco do Brasil, ambos na cidade do Rio de Janeiro. De algum modo, pode-se verificar aqui um caráter didático contido na perspectiva institucional, de formação, pelo teatro, de um público para o teatro e para essas instituições não teatrais. Nesse sentido, o ineditismo da escrita cênica pode ser indicativo precioso para a discussão.
2.1 – A Referência Bertolt Brecht: Estudos Brasileiros
De nosso ponto de vista, porém, a referência fundamental para a discussão das relações entre conhecimento e diversão no teatro para crianças, na medida em que exige aprofundamento na questão pontual da didática no teatro, é Bertolt Brecht. Esse encenador alemão que viveu de 1898 a 1956, destaca-se nessa pesquisa pelo alcance de seus estudos teóricos e práticos em relação ao teatro didático, especialmente pelo lugar que ocupam em sua proposição por um teatro épico. Brecht empreendeu uma reflexão muito valiosa em que o teatro assume, explicitamente, uma proposta pedagógica. É natural que, quando falamos a respeito desse grande encenador e pensador do teatro, levemos em consideração o contexto em que ele esteve inserido: suas peças didáticas, material que nos interessa para a pesquisa, foram desenvolvidas numa época em que, após a Primeira Guerra Mundial, a educação europeia passa a lançar sobre a criança um olhar muito particular. No entanto, se consultarmos alguns importantes estudiosos brasileiros acerca de seu “teatro didático”, veremos que suas contribuições ultrapassaram épocas e fronteiras.
As discussões de Brecht foram aproveitadas e direcionadas para a área da educação e ampliaram as pesquisas que estabelecem associação entre teatro e aprendizagem. Ingrid Koudela (7) ressalta a importância, para a área de teatro-educação, da experiência brechtiana com as peças didáticas, em que teatro e pedagogia se encontram voltados, a princípio, para o público infantil. O material dessa preciosa fase do teatro brechtiano pode alimentar e embasar discussões que focalizam o encontro de Teatro e Educação. Koudela ressalta a ligação das peças didáticas brechtianas com a escola e as crianças:
O conceito de peça didática de Brecht deve ser compreendido como uma síntese crítica entre as várias tendências que procuravam relacionar teatro e pedagogia. Ele se dirigiu a crianças, mas as peças didáticas foram também realizadas por adultos (A peça Didática de Baden-Baden sobre o Acordo e a Decisão). Quatro dos seis textos e dois fragmentos que constituem as peças didáticas de Brecht foram escritos especificamente para ser usados por crianças em escolas. (8)
Como também destaca a autora, é importante observar que várias peças do repertório didático de Brecht recebem indicações do tipo “peça didática para rapazes e moças”, “peça sobre dialética para crianças”, “peça didática para escolas”, “ópera escolar”, o que estimula uma reflexão sobre esses textos dramáticos que associe teatro, pedagogia e infância. (9)
Outro estudioso brasileiro que se destacou nas análises sobre Brecht foi Gerd Bornheim, (10) para quem o teatro didático brechtiano possuiria dois períodos, sendo a distinção básica entre eles a presença da platéia, que passa a ser parte integrante do espetáculo na segunda fase. Ingrid Koudela, por sua vez, concorda com Reiner Steinweg (11) ao situar o teatro didático em um só grande bloco, não existindo, portanto, a “segunda fase” da caracterização de Gerd Bornheim. Koudela considera integrantes do grupo das peças didáticas os textos: A peça didática de Baden-Baden sobre o acordo (1929), A decisão (1930), O vôo sobre o oceano (1929), Aquele que diz sim e aquele que diz não (1930), A exceção e a regra(1938), Os Horácios e os Curiácios (1934), Fragmento Fatzer (1930) e O malvado Baal, o associal (1922). Bornheim, porém, classifica como pertencentes à primeira fase das peças didáticas: O vôo sobre o oceano (1929), A peça didática de Baden-Baden sobre o acordo (1929),Aquele que diz sim e aquele que diz não (1930), A decisão (1930) e A exceção e a regra (1938); e, à segunda fase: A mãe (1932), A santa Joana dos matadouros (1931), Os cabeças redondas e os cabeças pontudas (1934), Os Horácios e os Curiácios (1934), O julgamento de Luculus (1939), Terror e miséria do Terceiro Reich (1938) e Os fuzis da senhora Carrar (1937).
Há uma diferença não só nas categorias criadas pelos dois teóricos, como na própria listagem das peças pertencentes ao grupo das didáticas. Isso se deve à configuração da regra básica para a “peça didática” interpretada por Koudela e Steinweg; segundo essa regra, são imprescindíveis a participação dos envolvidos na ação cênica (como atores) e a não-existência de plateia (ou pelo menos que esta última não se configure como tal):
Steinweg estabelece a diferenciação entre peça didática e peça épica de espetáculo, recorrendo ao marco de diferenciação da “regra básica”. De acordo com Steinweg, o termo “regra básica” indica que “a determinação de atuar para si mesmo é o pressuposto para a realização da peça didática como ato artístico” (12)
Mesmo havendo divergência entre Bornheim e Koudela, ambos concordam em apontar que as reflexões levantadas por Brecht com as peças didáticas acompanham todas as experimentações teatrais do dramaturgo alemão durante sua vida. Assim, essa é uma fase que levanta questões fundamentais e essenciais que são retrabalhadas simultaneamente ao desenvolvimento do teatro proposto por Brecht.
A leitura de Gerd Bornheim (13) sobre o teatro brechtiano é oportuna e norteadora na construção deste capítulo para refletir sobre sua interpretação de teatro didático, que admite a presença da plateia. Nesse sentido, consegue aproximar-se ainda mais da experiência brechtiana a presente pesquisa, que quer investigar a combinação entre conhecimento e diversão no teatro feito por adultos para crianças (e não um teatro no qual sejam as crianças os atuantes/atores do espetáculo). Com essa opção, localiza-se o aprendizado na platéia, e não nos atuantes da peça com objetivos didáticos – como Gerd Bornheim caracteriza a segunda fase do teatro didático brechtiano.
Por meio da leitura do livro Brecht – a estética do teatro, de Gerd Bornheim, e das peças brechtianas que fazem parte desse grupo (de acordo com o olhar de Bornheim), podemos estabelecer algumas categorias recorrentes no teatro didático.
Algumas das categorias mostram-se mais presentes na primeira fase do teatro didático de Brecht do que na segunda. Um exemplo dessa diferença entre elas é a ausência de público. Para Bornheim, essa é uma categoria específica da primeira fase do teatro didático, em que Brecht propõe a idéia de supressão da platéia. Nessa fase, o teatro didático ensinaria enquanto nele se atuasse e não quando se estivesse na condição de espectador. Na segunda fase das peças didáticas, a platéia volta a ser parte integrante e essencial das apresentações. Porém, ao se refletir sobre a função desse público, que retorna à estrutura teatral, cria-se uma nova categoria: a da platéia ativa, específica da segunda fase, que quer uma posição diferenciada dos espectadores em relação à postura que estão acostumados a assumir. Para Bornheim, com essa categoria, Brecht queria que a platéia abandonasse sua passividade, procurando uma posição ativa, em relação tanto ao teatro quanto à sociedade:
A peça, escrita no estilo de peça didática… ensina o espectador a assumir um comportamento destinado a modificar o mundo, e por isso deve induzi-lo, já no teatro, a adotar uma atitude fundamentalmente distinta da usual. (14)
Quanto ao espaço, outra categoria definiria uma arquitetura do teatro como um espaço neutro. No teatro didático, Brecht optaria pela negação do palco italiano, em prol da utilização de um espaço cênico neutro:
Os limites do posicionamento brechtiano já se constatam na renúncia, ao menos em princípio, de um tipo específico de arquitetura teatral: no teatro didático, o espaço torna-se fundamentalmente neutro – suspende-se, pois, o palco italiano. (15)
Na visão de Bornheim, essa é categoria da primeira fase do trabalho com não-atores em cena. Não há, na primeira fase, a presença da platéia, e os participantes do teatro didático estão atuantes diretamente na cena. A segunda fase demanda o trabalho com atores profissionais, dado que a platéia é destacada como um elemento presente nas apresentações dos espetáculos. As duas curtas citações abaixo resumem opções contrárias em relação à condição dos atores nas peças de Brecht e pertencem, de acordo com sua ordem de apresentação, à primeira e à segunda fase do teatro didático:
Quando montarem uma peça didática, atuem como alunos. (16)
A peça, escrita no estilo de peça didática, mas que exige atores… (17)
Quanto à relação do ator com seu personagem, Gerd menciona uma característica específica que se torna presente no pensamento brechtiano, o distanciamento do ator, que vem a ser a possibilidade de o ator estar sem personagem em cena ou de “tirar a máscara do personagem” diante da plateia. Esse contato direto entre atores e espectadores, segundo Bornheim, contribui para a reflexão das questões apresentadas.
E, para despertar o espírito crítico do público, a técnica de atuação revela-se importante: não é só o público que deve aprender, mas também os atores, que devem atuar, postula Brecht, discutindo realmente o conteúdo social da peça; todo o texto é composto nesse sentido. (18)
O distanciamento para Brecht não se faz apenas por intermédio dos atores, podendo ser mediado também por outros elementos cênicos (música, cenário, cartazes…), e visa à não-identificação emocional da platéia com as emoções dos personagens, privilegiando um contato que estimule a indagação da platéia. Assim, o espectador distanciado teria um aprendizado crítico em relação ao que assiste. É esse prazer, decorrente da reflexão, que orienta todo o teatro educativo brechtiano.
Principalmente quando o público se fez presente, na segunda fase, a linguagem épica foi primordial para alcançar o distanciamento do espetáculo. A opção pela utilização dessa linguagem não só cria outra categoria, linguagem épica, como faz refletir sobre a aproximação entre a narração e o didático, cuja discussão tentaremos ampliar adiante, ainda neste capítulo.
Sabe-se que o tratamento épico tem por função essencial impedir processos de empatia ou de identificação do público com o espetáculo. (19)
A música é uma categoria específica e muito utilizada como recurso e veículo de indagações e reflexões nas peças didáticas. Assim como o teatro, ela também era usada nas escolas com finalidades didáticas.
No correr dos anos 20,… o teatro nas escolas torna-se novamente um hábito, com o mesmo sentido didático: uma técnica específica para a assimilação de certos conteúdos. A novidade agora é que essa dimensão didática passa a estender-se também à música;… (20)
Elemento utilizado na maioria das peças, o coro ocupa uma função que sustenta grande parte da força pedagógica da peça, configurando-se em categoria que abre a possibilidade de um comentário da ação, assim transformando, muitas vezes, questões individuais em universais.
O coro comenta a ação no sentido de generalizá-la, de assegurar a passagem do individual para o universal. Por decorrência, ele concentra em si grande parte da força pedagógica da peça. (21)
Quanto à construção dos textos que compõem esse grupo de peças, Bornheim levanta como característica a categoria do texto não aristotélico. (22) É assim que podemos encontrar textos que fogem à concepção de uma dramaturgia linear e trabalham com a ideia de fragmentação, e com cenas que possuem independência entre si.
Tematicamente, é característico das peças didáticas, principalmente pelo contexto em que elas estão inseridas, o desenvolvimento de questões políticas. Na segunda fase entram questões mais ligadas ao marxismo – tendência já observada nas últimas peças da primeira fase, quando o projeto das peças didáticas se distanciava das escolas e se aproximava mais dos sindicatos de operários. Esse deslocamento do público alvo afeta também o tipo de personagem inserido nessas peças. Na segunda fase do teatro didático, segundo Bornheim, buscam-se personagens mais concretos em vez dos fantasiosos (característicos e muito utilizados na primeira fase). É curioso pensar que, no início das “peças didáticas para crianças”, encontramos um perfil de personagens específico que, além do caráter fantasioso, muitas vezes são alegóricos, como o Nevoeiro, a Nevasca, o Sono e o Motor do Avião. Essa categoria de personagens desaparece no final da primeira fase, sendo substituída por personagens mais concretos. Pode-se também observar que os personagens-título, muito comuns no expressionismo alemão e na primeira fase do teatro didático, tais como o aviador, o cule, o comerciante… vão dando lugar a outros, individualizados e mais realistas, como: Pelagea Wlassowa, Joana Dark, Bocarra…
É possível ainda classificar como uma possível categoria das peças didáticas, dada sua frequente utilização, as cenas de julgamento, seja este referente a um personagem ou a um grupo. Gerd Bornheim chama atenção para o envolvimento do espírito crítico dessas cenas, bem como para o fato de elas provocarem o debate de ideias, levantando possíveis acusações e defesas em relação aos “personagens-réus”. Nelas é possível explicitar para a platéia visões antagônicas do mesmo problema, permitindo-lhe também estabelecer seu veredicto.
As categorias elencadas por Bornheim como pertencentes ao teatro didático são encontradas em vários momentos da obra de Brecht. No texto abaixo, o próprio encenador alemão destaca algumas dessas características mencionadas e que já encontraram seus próprios desdobramentos:
O teatro pedagógico
O teatro começou a ter uma atuação pedagógica.
O petróleo, a inflação, a guerra, as lutas sociais, a família, a religião, o trigo, o comércio de carnes se transformaram em assunto de representações teatrais. Coros esclareciam os espectadores a respeito de circunstâncias desconhecidas. Filmes mostravam acontecimentos ocorridos por todo o mundo. Projeções acrescentavam material estatístico. À medida que o fundo se apresentava em primeiro plano, o comportamento dos homens era submetido à crítica. Ficava evidente o comportamento falso e o comportamento correto. Apresentavam-se pessoas que sabiam o que estavam fazendo e pessoas que não sabiam o que estavam fazendo (23) [grifo nosso].
Por mais que haja distância temática, contextual e temporal entre a experiência brechtiana e o objeto desta pesquisa, refletir sobre o teatro de Brecht contribui significativamente para a construção de um teatro para crianças com intenções didáticas nos dias atuais. Brecht é categórico na defesa de um teatro que una conhecimento e diversão. As facetas dessa união configuram o que será discutido daqui para frente.
2.2 – Didático e Didatismo
Vimos, no primeiro capítulo desta dissertação, um histórico das principais conjugações que orientaram a construção da instituição escolar e como essa passa, nos dias de hoje, a ser sinônimo de educação. A escola torna-se responsável pela formação do indivíduo cidadão, mesmo não sendo o único agente a disso se encarregar. Com isso o termo ‘didático’, que se apresenta como a instrumentalização de uma prática pedagógica, carrega em si a sinonímia ‘moralizante’, ‘transferidor de valores’; segundo esse sentido, o professor, ainda pautado pela pedagogia tradicional, transmite o conhecimento de forma puramente verbalizada e afastada da vida, e considera a criança um ser incompleto que precisa absorver seus ensinamentos.
Assim, o teatro para criança que tem objetivo pedagógico pode utilizar a didática escolar, moralizante e de transferência de valores, para ser “educativo” na cena. No entanto, é preciso esclarecer que existe outra didática, capaz de instrumentalizar objetivos pedagógicos no teatro para criança e que tem como referência não a estrutura escolar tradicional, mas a educação em seu sentido amplo, ou seja, o ato pedagógico que se dá pela experiência de vida, ressaltando valores pessoais de ordem prática ou subjetiva e valores coletivos sociais, históricos, políticos, etc.
É, portanto, de extrema importância para nosso estudo diferenciar o teatro didático que se utiliza da didática escolar, do teatro didático que pesquisa uma didática específica para a cena. Nesta última consideram-se os elementos lúdicos, estéticos e críticos do teatro para sua encenação e prática educativa; em suma, pratica-se a noção de educação em seu sentido amplo.
Nesse sentido, podemos dividir o teatro didático em duas modalidades diferentes: a que se utiliza da didática escolar e a que cria para si uma didática fundamentada nos elementos teatrais. Para análise e diferenciação, denominaremos aqui o teatro baseado na didática escolar tradicional “teatro escolarizado”.
Em No Reino das Desigualdades, (24)Maria Lúcia Pupo faz uma análise de diversos textos do teatro para crianças, manipulando, entre outras terminologias, uma que merece nossa atenção: o didatismo.
Torna-se importante para o tema da presente pesquisa uma especulação acerca dessa palavra e de pistas que tracem fronteiras para sua definição. O termo teria uma tradução próxima a uma visão pejorativa do didático; o didatismo estaria ligado a uma veiculação do conhecimento baseada na pedagogia tradicional refletida na cena, muitas vezes apresentando-se sob a forma de explicação, que se utiliza de elementos narrativos.
O didatismo é uma das várias categorias (como maniqueísmo, estereótipo, moralização...) destacadas de trechos das peças analisadas por Pupo. Essas categorias seguem uma abordagem mais flexível da análise qualitativa e exemplificam peculiaridades diversas encontradas nas fontes pesquisadas. A autora identifica a presença freqüente da narração nos textos dramáticos analisados que têm como objetivo a defesa de uma tese:
As peças que têm como objetivo a defesa de uma tese, sejam elas de cunho moral ou não moral, apresentam a figura do narrador com maior frequência. Este fato se explica pela preocupação, consciente ou não por parte do autor, em transmitir uma mensagem inequívoca, isenta da possibilidade de eventuais ambiguidades no momento da decodificação. (25)
Patrice Pavis, em seu Dicionário de teatro, define essa produção preocupada com a definição de uma tese como “teatro de tese”. E, no texto, aponta para alguns riscos inerentes a esses espetáculos:
As peças desenvolvem uma tese filosófica, política ou moral, buscando convencer o público de sua legitimidade convidando-o a analisar mais a reflexão que suas emoções.
Este gênero goza hoje de má fama, pois o assimilamos (muitas vezes rapidamente demais) a uma aula de catecismo ou de marxismo e considera-se que ele trata o público como uma criança, em vez de obrigá-lo a “procurar a saída” (Brecht). É verdade que, com muita frequência, a importância das teses evocadas leva desagradavelmente a negligenciar a forma, a usar uma estrutura que serve para tudo e um discurso demasiado discreto, e rapidamente tedioso. Daí sua fraqueza estética e a frustração do público, a quem se “dá a aula” (26) [grifo nosso]
Da citação acima, não podemos deixar de comentar no âmbito de nossa pesquisa a referência feita à criança, posta sob uma visão preconceituosa que subestima sua inteligência, como se ela fosse incapaz de “procurar a saída”, bem como o fato de essa visão, comum em nossa sociedade, ser a principal responsável pela utilização de recursos do didatismo. Contrapondo a preconceituosa visão, uma redentora citação de Brecht salva o intelecto infantil:
A experiência demonstra que as crianças compreendem, tão bem quanto os adultos, tudo o que merece ser compreendido. (27)
Cabe destacar também, do texto de Pavis, a fraqueza estética a que um espetáculo se pode submeter para servir ao didático. É esse talvez o maior medo dos teóricos na relação do teatro com o didático, decorrente da possibilidade de o teatro, embasado por idéias equivocadas a respeito da criança e da educação, abandonar qualidades que lhe são inerentes e essenciais para colocar-se a serviço de outros objetivos; o cerne da questão está na idéia de que o teatro deve resguardar sua função de obra artística antes de assumir outras parcerias e/ou objetivos.
Pupo revela, nos textos recolhidos para análise em seu livro, a presença freqüente do narrador como recurso para evitar leituras outras que não a intencional, o que poderíamos aqui relacionar ao “teatro escolarizado”. Por outro lado, porém, podemos nos remeter ao narrador como figura presente no teatro épico, com o intuito de tirar do plano principal os estados emocionais em relação aos personagens e de proporcionar um diálogo direto com a platéia, a fim de apontar, criticar ou questionar as ações cênicas, para que o espectador possa fazer sua própria leitura. Portanto, o recurso narrativo faz com que a figura do narrador, tanto possa aplicar uma moral ou direcionar uma leitura/lição, como ampliar a análise crítica do espectador/educando sobre os fatos apresentados por meio dos recursos dramáticos.
Pupo aponta cinco modalidades/objetivos para os narradores associados ao didatismo (“teatro escolarizado”):
A) sintetizar o que já aconteceu em cena, subestimando tanto a clareza da encenação, quanto a inteligência do público;
B) introduzir personagens ou cenas, que, se bem caracterizadas, teriam significado em si mesmas;
C) ligar cenas, o que seria desnecessário caso a própria encenação propusesse um código que pudesse funcionar como elo;
D) comentar a ação, modalidade em que o autor, não tendo conseguido se expressar satisfatoriamente a nível da construção dramática, manifesta seus pontos de vista através do narrador;
E) concluir a trama fornecendo a moral, o que assegura o caráter inequívoco da mensagem que seria dispensável caso a ação se sustentasse em si mesma. (28)
A quinta modalidade/objetivo nos remete ao ensino moralizante, que não permite leituras diversificadas e cuja lição deve ser apreendida – não questionada. Trata-se, portanto, de objetivo contrário ao da obra de arte, que deve proporcionar inúmeras leituras, decorrentes do olhar do espectador e de suas experiências vividas.
Nas peças aqui analisadas, a narração, seja de forma direta ou indireta (pelos diálogos entre os personagens da cena), tem por meta abrir novas questões para a platéia e não encerrá-las em conceitos fechados, como se observa neste recorte do diálogo entre dois personagens da peça O Jeca voador e a Corte Celeste, de Caio de Andrade (projeto História em Cena, Centro Cultural Banco do Brasil, 2002):
Lindamar – (Perturbada) E aviador?
Joca – Dos bons! Construiu até um hangar na fazenda deixada pelo pai. É conhecido como o Jeca Voador!
Lindamar – (Indignada) (Em francês) Meu Deus! Que horror! Que mau gosto! Será que nós, cidadãos do mundo, vamos ter que levar pra sempre essa estampa, como se fosse um gado marcado só porque nascemos na roça: é caipira, é Jeca, é Jeca, é caipira! Não nos vestimos corretamente? Não falamos os idiomas da moda? Será que temos penas no corpo, pé de pato, crina de cavalo? Veja só uma mulher como eu! Mesmo olhando com o olhar mais atento não dá pra saber que eu sou interior! Não dá! Então por que essa perseguição? (Em francês) Até quando, meu primo, até quando!!! E com o pobre homem, então! Um gentleman, um barão do café, um elegante que morou a vida inteira em Paris sendo chamado de Jeca voador! (Em francês) É o fim!
Joca – Não faça drama, Lindamar! Saiba que ele gosta e propaga a alcunha. O Barão, como umas e outras, não tem vergonha da própria origem, muito pelo contrário: orgulha-se dela. O Fabrício adora ser chamado de Jeca. (29)
Nesse trecho, os personagens conversam a respeito do olhar que se deposita sobre o caipira e apresentam uma discussão sobre sentimento patriótico e nacionalismo. Sem precisar apresentar a questão de forma moral, o autor a coloca no diálogo para a reflexão da platéia.
Walter Benjamin, ao escrever sobre o ensino de moral, recorre à obra de Kant, argumentando que “para que algo possa ser moralmente bom não é suficiente que estejade acordo com a lei ética, mas que também ocorra por causa dela”, (30) e conclui:
… uma vez que o processo de educação ética contradiz, por princípio, toda racionalização e esquematização, então ele não pode ter nenhuma afinidade com o ensino didático. Pois este representa, também, o instrumento de educação racionalizado. (31)
É a discussão sobre a moral que pode esclarecer as definições relativas a um teatro didático e um “teatro escolarizado”. Para isso, aproximaremos nossa análise da reflexão de Bettelheim a respeito da fábula e do conto de fadas. Segundo esse autor, as duas modalidades literárias têm objetivos pedagógicos, estando a diferença no modo como se concebe a didática em cada um desses textos escritos para crianças. De um lado, a fábula concentra-se numa forte preocupação moralizante, do outro, o conto de fadas permite à criança uma leitura condizente com suas experiências e visões de mundo.
Esse final é típico das fábulas, que são também contos populares transmitidos de geração a geração. “Uma fábula parece ser, no seu estado genuíno, uma narrativa na qual seres irracionais, e algumas vezes inanimados, com a finalidade de dar instrução moral, simulam agir e falar com interesses e paixões humanas” (Samuel Johnson). Muitas vezes santimonial, algumas vezes divertida, a fábula sempre afirma explicitamente uma verdade moral; não há significado oculto, nada é deixado à nossa imaginação.
O conto de fadas, em contraste, deixa todas as decisões a nosso encargo, incluindo a opção de querermos ou não chegar a decisões. Cabe-nos decidir se desejamos fazer qualquer aplicação à nossa vida a partir de um conto de fadas, ou simplesmente apreciar as situações fantásticas de que ele fala. Nosso prazer é o que nos induz a reagir segundo o tempo que estamos vivendo aos significados ocultos, na medida em que podem-se relacionar à nossa experiência de vida e atual estado de desenvolvimento pessoal. (32)
A narração no “teatro escolarizado” está ligada a uma explicação, que não se coloca para provocar a reflexão ou acrescentar uma informação à cena, mas, antes, para sanar as possíveis deficiências no entendimento que se estabelece entre emissores (autores/atores – adultos) e receptores (platéia – crianças).
A relação “diferenciada” criada para uma platéia de crianças, que demanda uma “informação excessivamente clara” e “exageradamente explicada”, devido à visão de que esse público é desinformado e inculto, traduz, segundo Pupo, a existência de didatismo. Esse tom da escrita, que lembra o professoral, usado por alguns autores para se dirigir aos mais jovens, é enfatizado no livro:
Tanto nos textos portadores de palavras de ordem quanto naqueles que não as veiculam, há um elemento de caráter profundamente didático e autoritário que aparece freqüentemente: são as explicações… quase sempre quebra a fluência da ação dramática e se impõe como verborragia desprovida de significado para o desenvolvimento da trama. (33)
As explicações (34) destacadas por Pupo são definidas em três diferentes tipos de didatismo, constando do primeiro:
* Explicações simples referentes a significados de palavras do texto. (35)
Nesse tipo, as ações e as imagens são desconsideradas. Uma palavra inicialmente desconhecida pela criança começa a fazer sentido por meio das situações e imagens a ela associadas. A criança não precisa sair do teatro com o conhecimento da palavra assimilado racionalmente, desde que pensemos no espetáculo teatral como um processo, um estímulo para a aprendizagem, que não se encerra ou se totaliza com essa única experiência.
O segundo tipo de didatismo apresentado por Pupo diz respeito às:
* Explicações quanto às metáforas e analogias feitas pelos personagens em cena. (36)
Ao ser explicada, a metáfora perde automaticamente sua amplitude e o alcance das inúmeras representações que poderia abarcar, reduzindo-se a um mero ponto de vista, um único modo de perceber o mundo. Bruno Bettelheim ressalta a importância da fantasia que se realiza pelas metáforas e analogias para a compreensão de mundo da criança:
Quando uma criança tenta entender-se ou entender os outros, ou imaginar as conseqüências possíveis e específicas de alguma ação, ela desenvolve fantasias em torno destes resultados. É a sua forma de “brincar com as ideias”. Oferecer à criança o pensamento racional como forma de organizar seus sentimentos e compreensão do mundo só servirá para confundi-la e limitá-la. (37)
Por fim, Pupo chama a atenção para o fato de, no terceiro tipo de didatismo, o espetáculo pretender manipular o aprendizado pela forma:
* Explicações que aparecem como verdadeiras enxurradas de conhecimento, à maneira de uma aula tradicional. (38)
A “aula tradicional” a que o autor se refere lembra a noção de pedagogia tradicional, segundo a qual o educando é um indivíduo passivo no processo ensino/aprendizagem, e o conhecimento se dá por transmissão de valores do professor para o aluno:
A atividade de ensinar (na Pedagogia Tradicional) é centrada no professor que expõe e interpreta a matéria (…) Supõe-se que ouvindo e fazendo exercícios repetitivos, os alunos “gravam” a matéria para depois reproduzi-la, seja através de interrogações do professor, seja através das provas (…) O aluno é, assim, um recebedor da matéria e sua tarefa édecorá-la (39) [grifo nosso].
Nas peças aqui analisadas também se verifica a preocupação no sentido de que a platéia entenda os termos utilizados em cena, mas as informações que precisam ser transmitidas o são de maneira a não configurar uma explicação maçante, estando, antes, justificadas em meio à história ficcional. Como podemos ver na peça O Mandarim do Imperador (projeto História em Cena, Centro Cultural Banco do Brasil, 1997), de Caio de Andrade:
Albertini – Então, transformo-te em jiboia. (Armando um bruxesco movimento com os braços).
Felício – Em águia. Se tenho de virar um animal ao menos transforma-me no símbolo da República. Uma águia, para sempre pousada nos gradis dourados do Palácio do Catete para lá de cima, eternamente, apreciar o trabalho dos grandes homens que irão conduzir esta nação ao desenvolvimento e à glória. (40)
Em outra citação, da peça A Rua da Fortuna (projeto História em Cena, Centro Cultural Banco do Brasil, 1998), de Caio de Andrade, além de informar, o personagem fala sobre a importância do conhecimento para o ser humano:
Fátima – Vou mostrar-te uma coisa. Um segredo. Um presente que comprei pela manhã, para o Ibrahim. Lembrança de noivado. (Abre a bolsa e tira um Mazbahá). Gostas? (Mostra) É um Mazbahá. Serve para distrair. (Intrigada) Não te lembra um terço? (Moishe faz uma cara de quem não entende). Confesso que um dia cheguei a ter pânico. Achava que os árabes faziam contas usando o rosário. Isso é que dá ficar dez anos presa na mercearia esperando o casamento e o patife! (…) Mas tu não disseste se gostaste do terço, quer dizer do Mazbahá? (41)
Uma das poucas situações que se aproximam do “excesso de informações” a que Pupo se refere foi encontrada em A Rua da Fortuna: em diálogo, os personagens repassam diversas informações a respeito da religião judia e dão explicações curtas e diretas para vários termos, sobrecarregando de informações um pequeno trecho da peça:
Cândido – (…) (Pega um livro) Isso aqui ta escrito em polonês?
Moishe – Em hebraico.
Cândido – Mas falas polonês, que eu sei.
Moishe – Também o iídiche e o hebraico. O Talmut e a Torah são escritos em hebraico.
Cândido – É uma espécie de Bíblia, não é?
Moishe – São livros sagrados.
Cândido – Sei. E hoje o dia também é sagrado?
Moishe – Hoje é sexta-feira. Dia do Shabat. (42)
Mesmo percebendo um excesso de informações, não podemos configurar esse momento como didatismo, pois nele a explicação desconsidera a função simbólica do próprio teatro (a base para essa questão também reside numa visão, preconceituosa, da criança-espectadora como incapaz de decifrar os signos teatrais ou qualquer simbologia que não seja verbalizada). Esse tipo de explicação acontece de tal forma, que não respeita a linguagem existente nos diversos elementos cênicos e tenta se apoiar na mais simples e rasa comunicação verbalizada.
As tentativas de explicitação do fenômeno teatral traduzem uma postura professoral. Pelo fato de a convenção dramática ser desprezada enquanto instrumento visando à conquista de um outro nível de compreensão do ser humano. O que se verifica, em última análise, é uma tentativa de esvaziamento da própria função simbólica, intrínseca a toda e qualquer linguagem artística. O didatismo simplista acaba triunfando sobre uma visão de arte teatral enquanto possibilidade específica de conhecimento. (43)
Pupo, ao destacar o termo didatismo, alerta para a má utilização do didático em cena. Assim, o teatro perde suas qualidades para ter como objetivo principal a “explicação”, ou seja, tornar claro e inteligível para os espectadores aquilo que lhes pudesse parecer obscuro ou ambíguo. Ao pesquisar o teatro para crianças – um teatro que estabelece uma relação entre desiguais: um adulto artista e um espectador infantil (44) –, o risco de transformar um teatro didático numa “aula disfarçada de teatro”, o que não será nem uma boa aula, nem um bom teatro, torna-se ainda mais presente.
Em sua dissertação, (45) Flávio Carvalho chama atenção para a má utilização do didático em cena. Segundo o autor, é bastante comum que os espetáculos destinados às crianças incorram em frágeis objetivos didáticos e se esqueçam dos cuidados estéticos essenciais à construção de uma boa cena:
A luta para tirá-lo (Teatro para crianças) da marginalidade é a mesma que se trava para tirar dele o caráter de “especificidade”…A busca de uma criação específica, de um teatro específico, feito “para crianças”, quase sempre com forte preocupação pedagógica, nubla a dimensão estética da obra. (46)
Em sua tese de doutorado, Carvalho continua a se referir ao mau didático ou didatismo, com um olhar sobre a inocuidade do excesso de informações em cena:
“a informação excessiva, afirma-se, é uma das melhores induções ao esquecimento”. (Harvey,1992, p. 315) E isto porque na superdosagem informativa não há espaço e tempo para a reflexão, com a mesma velocidade que entra na rede, a notícia desaparece, qualquer história veiculada é rapidamente relegada ao caráter de passado distante, sem ser ao menos digerida. (47)
Maria Clara Machado associa a noção de didatismo à narração, como se a ação dramática fosse a solução para se evitar o mau didático em cena. Para a autora, a identificação por parte do espectador está vedada às ações do personagem e não a suas narrações.
As leis que regem a maneira de se escrever para crianças são as mesmas para qualquer peça de adultos. A cena é lugar onde se vivem situações, e não sala de aula onde atores dizem coisas para educar a criança. Se quisermos dar alguma lição à criança, essa lição tem de ser vivida em cena e não simplesmente dita. Que a ação não seja apenas um pretexto para a lição, mas que a lição esteja contida na ação. A criança se identifica muito mais com o herói que age, do que com o herói que diz como deve agir. (48)
Fica clara na citação, a idéia de “lição” como algo que se reduz a uma única leitura sobre o material apresentado. No entanto, o teatro didático para criança como fenômeno artístico deve permitir várias leituras, que por vezes são provocativas e instigantes; é muito mais questão do que lição. Aquela é uma visão simplificada focalizando um problema que se demonstra mais complexo do que como Machado o apresenta; ter ação não é certeza de não ter didatismo, nem eliminar a narração, substituindo-a pela ação, garante ausência de chatice.
É preciso cuidado ao falar sobre o didatismo para não depreciarmos a linguagem épica; a narração a que Pupo se refere diz respeito a uma utilização leviana desse recurso, sem outra intenção que não seja sanar a precariedade da comunicação estabelecida entre o palco e a platéia.
É importante que não se atribua à narração a responsabilidade pelo didatismo, para não reforçar a visão, já ultrapassada pelo teatro contemporâneo, de que a linearidade dramática e o efeito ilusório da cena são os traços mais nobres da arte dramática.
A fala autoral – o enunciado narrativo – é confiada aqui ao ator (…) Foi este um privilégio à disposição do ator do teatro grego, romano, medieval, elizabetano e do Siglo de Oro espanhol, só para enumerar alguns momentos da história do teatro ocidental. Quando começa a forjar-se a gradual mas avassaladora imposição do ilusionismo como dogma da arte dramática, falar diretamente para a platéia, por implicar numa evasão explícita do espaço do imaginário, passou a ser condenada como prática espúria e destruidora da pureza dramática, da verossimilhança, da ilusão perfeita. A atuação narrativa, portanto, foi banida da cena – pelo menos da cena consagrada pela cultura oficial (…) O restabelecimento da teatralidade anti-ilusionista a partir da hibridização da forma dramática com procedimentos épicos e poéticos é, sem dúvida, uma das maiores conquistas da revolução sofrida pelo palco contemporâneo. (49)
Vê-se, portanto, que a discussão que atribui culpa à narração por “didatizar” a cena é desconexa com a cena contemporânea. A linguagem épica é muito utilizada na cena teatral atual, como afirma Silvia Fernandes:
Diante dessa situação, não é de se estranhar que uma das principais tarefas do estudioso do texto teatral contemporâneo seja distinguir seu objeto. Pois tudo que aparecia até o final do século XIX como marca inconfundível do dramático, como o conflito e a situação, o diálogo e a noção de personagem, torna-se condição prescindível quando os artistas passam a usar todo tipo de escritura para eventual encenação, na tentativa de responder às exigências de temas e formas deste final de século. (50)
No entanto, precisar quando ocorre o didatismo ou quando a informação, muitas vezes sob a forma narrativa, se inclui na peça para contribuir com o tema apresentado não é uma tarefa das mais fáceis. Será que a presença de uma hipérbole entre narrar e executar uma ação, em que se narra o que se age e vice-versa, caracteriza o didatismo a que se refere Maria L. Pupo?
Por outro lado, podemos ter as “explicações” em formas de diálogo, que “disfarçam” a narração pelo esclarecimento de um personagem para outro sobre determinado assunto.
Uma narração indireta surge em A Rua da Fortuna, quando, por diálogo, três personagens esclarecem a diferença entre turcos, sírios e libaneses, e falam a respeito da presença desses povos no Brasil. Essa é uma informação muito importante para a peça, que discute, justamente, o povo imigrante e sua vinda para o Rio de Janeiro:
Cândido – Perdão, D. Jamila, mas praticamente todos os judeus da cidade moram na Praça Onze e pelo menos trinta por cento deles se chamam Moishe! E o caso é o mesmo com o turco Ibrahim, da rua da Alfândega.
Jamila – Turco, não, delegado, libanês!
Cândido – Turco, sírio, libanês. É tudo farinha do mesmo saco! (Clima. Candinho vê que cometeu um erro estratégico, afinal Jamila é síria.)
Tunico – Cuidado com o que dizes, delegado. E principalmente onde dizes! (pausa) Sírio vem da Síria, Libanês do Líbano e, portanto, nenhum deles é turco. O fato de Ibrahim ter um passaporte turco não faz dele um turco. Para que fique claro de uma vez por todas, lembro-te que a Síria e o Líbano foram invadidos pelo Império Turco e só por isso usamos o passaporte para sair do país.
Cândido – A senhora perdoe o esquecimento mas mesmo assim fique tranqüila. Temos dúzias de Ibrahins libaneses que moram na rua da Alfândega. Todos eles mascates! (51)
E a discussão não se encerra aí, retornando em diversos momentos da peça, para tentar esclarecer mais ainda as características desses imigrantes. Vamos a mais um exemplo:
Fátima – Eu acredito! Pelo menos no senhor! Porque do outro, guardo lá as minhas dúvidas! Esses turcos são bons na lábia. Por isso são mascates. Eu sei que os judeus também vendem de porta em porta, mas duvido que possam com essa gente! Confesso que quando o Candinho me disse que os dois vinham para cá, eu quase caí das tamancas. Afinal, essa casa é católica! (clima) Quer dizer, eu não tenho nada contra as outras religiões, não é isso, mas o turco me incomoda com essa coisa de ficar dizendo que é católico, católico maronita. Já viu?! (Confessando, tentando uma cumplicidade) Eu acho que o problema é essa missa que eles rezam em árabe, ali na Igreja do Sacramento, em árabe!
Moishe – (Arriscando, timidamente) Mas é assim que eles falam!
Fátima – (Enfática)E eu falo latim, por acaso!? A missa católica apostólica romana é rezada em Latim. Esse negócio de católico maronita é conversa. Isso é outra religião disfarçada, isso sim! O senhor, pelo menos, não é da religião verdadeira, mas não esconde. Isso já tem a sua valia. Deus há de perdoar ao senhor e a sua tribo. Mas com esse outro, um olho no padre e outro na tal missa maronita! E por falar no diabo…
(Ibrahim chega…) (52)
Com essas citações, podemos identificar algumas características que são assumidas pelo “diálogo narrativo”. Aparecem nos textos vários apostos, que são usados para explicar alguns termos e expressões pouco usuais.
Nos diálogos recortados, pode-se perceber uma relação constante entre um personagem ignorante (ou desinformado) e outro que possui conhecimentos a respeito de um determinado assunto; esse “contraste” gera um diálogo em que o conhecimento se torna o próprio tema das falas, e um personagem explica para o outro algum conceito, podendo também discutir diferentes pontos de vista. É comum, também, que os personagens dessas peças assumam grandes falas ou discursos para explanar suas opiniões e entendimentos.
Enfim, nem a narração e nem o “diálogo narrativo” podem ser associados ao didatismo, pois este não está subordinado a uma forma específica da linguagem teatral.
Talvez a diferença entre o teatro com intenções didáticas e o “teatro escolarizado” esteja no fato de que o primeiro narra a serviço de uma análise que levanta questões ou de informações que contextualizam o espectador em relação ao que se está apresentando, e o “teatro escolarizado” usa o recurso narrativo a serviço de uma lição, uma idéia pronta, uma tese (definida por Pavis em relação ao teatro de tese, como vimos neste mesmo tópico). A combinação entre ação e narração hiperbólica, se bem feita e bem utilizada, pode ter finalidades mais nobres do que esclarecer a obscuridade da cena, não havendo aí nenhuma proximidade com o didatismo.
Podemos concluir, assim, que não existe uma fórmula para se configurar o didatismo no teatro didático para crianças, mas, que a base para a configuração desse termo é a intenção com que é construído o “diálogo narrativo” ou a narração (hiperbólica ou não), acompanhada de uma preocupação quanto à recepção do espetáculo pelos “pequenos espectadores”.
2.3 – Didático e Épico
Observa-se que o sucesso de Brecht com as peças didáticas, sobretudo em colégios, era muito grande, o que o encorajava a continuar explorando o rico filão. (53)
O rico filão a que Gerd Bornheim se refere na citação deixa margens a várias interpretações, mas podemos nos concentrar na grande atenção que Bertolt Brecht dispensava à educação dos mais jovens em seu teatro. Torna-se importante discutir a relação do encenador alemão com a educação, pois ele se destaca dentre os teóricos e dramaturgos teatrais por fundamentar grandes reflexões do binômio teatro-educação. Brecht traz um grande respeito à experiência didática no teatro graças a suas qualidades enquanto autor, encenador e fundamental teórico.
Suas reflexões sobre a educação estão presentes em seus textos dramáticos e mostram que o dramaturgo estava em sintonia com o pensamento contemporâneo no campo da pedagogia. Podemos exemplificar com alguns fragmentos destacados de duas de suas peças didáticas. Em A mãe (1931) (54) existe um personagem chamado Nikolai Iwanowitsch, que é um professor, responsável por ensinar a ler e a escrever um grupo de adultos, entre eles o personagem-título da peça (a Mãe). Em uma das cenas, que se configura em uma aula, esse professor tenta ensinar a escrita a seus educandos por meio da grafia das palavras ramo, peixe e ninho; seus alunos, porém, que já são adultos e inseridos em questões políticas, ressaltam a importância de aprender a grafia de outras palavras, como operário, luta de classes… Esse debate proposto pelos próprios personagens, em cena, lembra a contribuição de importantes pensadores à área educacional a respeito de uma educação contextualizada aos interesses e ao universo do educando. Esse diálogo faz pensar na discussão levantada por Paulo Freire sobre uma pedagogia democrática e que respeite os saberes dos educandos.
Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Por que não estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? (55)
Ainda na mesma peça (A Mãe), o personagem do professor discursa sobre a relação bilateral de aprendizado entre aluno e professor, processo em que os dois adquirem conhecimentos:
É de se esperar que você também tenha aprendido alguma coisa enquanto ensinava. (56)
Nos conceitos da pedagogia renovada, o professor deve considerar os conhecimentos prévios do aluno para então, mediante uma integração professor/aluno, despertar novos interesses de aprendizado que conduzam à conquista de novos saberes. Assim, o educador considera material de aprendizagem não só o que ele propõe em aula, mas também o que o aluno traz em sua experiência.
Em síntese, temos nas situações didáticas fatores externos e internos, mutuamente relacionados. O professor propõe objetivos e conteúdos, tendo em conta características dos alunos e da sua prática de vida. Os alunos, por sua vez, dispõem em seu organismo físico-psicológico de meios internos de assimilação ativa, meios esses que constituem o conjunto de suas capacidades cognoscitivas, tais como: percepção, motivação, compreensão, memória, atenção, atitudes, conhecimentos já disponíveis. (57)
Para citar outro exemplo, podemos recorrer ao texto O julgamento de Luculus (1939). (58) Nessa peça, um coro de crianças, numa classe escolar, exalta os generais como grandes heróis (cena três (59) – “Nos livros escolares”), apresentando uma crítica aos livros escolares (didáticos) e ao modo como se dá o aprendizado das figuras históricas. Na cena, as crianças querem ser iguais aos generais, que se traduzem como grandes “ícones imaculados”, similares a alguns super-heróis das histórias infantis (quadrinhos, desenhos animados, etc.). A crítica, que permeia toda a peça, é aos grandes generais que se tornam ícones a custo de muito sangue e destruição. Brecht levanta a discussão sobre a forma como se ensinam a História e seus personagens.
A conjugação do teatro de Brecht com a educação constrói-se com relações de parceria. Percebe-se que o teatro não está subserviente à educação no espetáculo, e nem vice-versa; ambos trabalham em consonância na construção de uma cena que seja antes de tudo divertida.
Teatro consiste em: apresentação de imagens vivas de acontecimentos passados, relatados ou inventados, entre seres humanos, com o objetivo de divertir. Empregaremos sempre o termo com esse sentido, trate-se de teatro antigo ou moderno.
(…) Ao indagarmos que espécie de diversão, de impacto imediato, que prazer amplo e constante nosso teatro nos poderia proporcionar com suas representações da vida humana, não podemos ignorar que somos filhos de uma era científica. Nossa vida como seres humanos em sociedade – isto é, nossa vida – é determinada pela ciência, dentro de novas dimensões. (60)
A trajetória de Brecht é oportuna para esta pesquisa porque sua experiência com peças que tenham o intuito de ensinar resume questões que associam o teatro ao conhecimento e à diversão. Assim, poderíamos dizer que Brecht é não só um grande pensador para o Teatro, mas também (e por que não?) para a Educação.
Rosenfeld, em A teoria dos gêneros, (61) chama atenção para a ligação entre o gênero épico e o didático no teatro, recurso muitas vezes empregado por Brecht em suas peças didáticas para alcançar o distanciamento necessário à reflexão de seus conteúdos. No teatro épico, o espectador não se limita a uma simples identificação com a peça, mas estabelece uma postura diferenciada, ativa, criando uma observação que analisa e estuda o espetáculo apresentado sem ser privado de uma “identificação emocional”:
Intenção de apresentar um “palco científico” (…) capaz ao mesmo tempo de ativar o público, de nele suscitar a ação transformadora. O fim didático exige que seja eliminada a ilusão, o impacto mágico do teatro burguês. Esse êxtase, essa intensa identificação emocional que leva o público a esquecer-se de tudo (…) todavia “o teatro épico não combate as emoções” (isso é um dos erros mais crassos acerca dele)… o que pretende é elevar a emoção ao raciocínio (62) [grifo nosso].
Entre algumas definições de ilusão (63) podemos destacar: o erro de percepção ou de entendimento; o engano dos sentidos ou da mente; a interpretação errônea; e a confusão de aparência com a realidade. Nesse sentido o teatro épico de Brecht utiliza-se do recurso didático da narrativa para introduzir o aspecto científico na cena sem que ela, como vimos acima, perca seu principal objetivo, que é a diversão.
O gênero épico consegue ser direto na informação que deseja transmitir, evitando que haja qualquer desvio sobre os objetivos didáticos. Considerando a importância do épico para o teatro com intenções didáticas, podemos operar a análise dramatúrgica para detectar como as peças selecionadas para a presente pesquisa lidam com os gêneros literários e como se utilizam (ou não) da linguagem épica.
A objetividade do gênero épico se dá, muitas vezes, graças à figura do narrador, que tem “uma atitude distanciada e objetiva, contrária à do poeta lírico”. (64) Sua principal função não é exprimir seus próprios estados de alma (como no gênero lírico), mas narrar os de outros personagens. O narrador está sempre presente, mesmo quando os personagens começam a dialogar em voz direta; porque nesse momento foi ele que lhes deu as palavras, as reações e a hora para falarem. Assim, o narrador cria uma relação de cumplicidade com a platéia, que é o destinatário direto de suas falas.
Em Tudo por um fio, de Cacá Mourthé e Maria Clara Machado (1994, Museu do Telephone), há quatro personagens que assumem a função de narradores da história da peça desde o início do texto. No primeiro quadro, surgem personagens – palhaços – em cena identificando-se e introduzindo o assunto, de forma direta, por meio de uma música, que faz breve apresentação da família Bell (Graham Bell, seu pai e seu avô) e suas invenções. Assim, revela-se a história da invenção do telefone no primeiro quadro, especificando-se muito bem o que será contado ao longo do espetáculo. De forma semelhante, antes de cada quadro, um palhaço/narrador anuncia a próxima cena, o que permite ao espectador entender todo o desenrolar dos quadros e antecipar a ação principal de cada trecho do texto. Abaixo, destacamos essas frases, que têm a função de quase-títulos para cada quadro (65) e que pontuam os episódios eleitos como os mais relevantes da história da invenção da telefonia:
1º quadro:
Palhaços – Bom dia! Boa tarde! Boa noite! Vamos contar para vocês a história do TE-LE-FO-NE.
Orelhão – Primeiro vamos apresentar os atores que contarão esta história! (66)
2º quadro:
(Em cena Linha Cruzada anunciando o segundo quadro)
Linha Cruzada – Segundo Quadro!!! Alexandre Graham Bell e a turma de surdos e mudos! (67)
3º quadro:
(Entram em cena Linha Cruzada e Ocupado, anunciando).
Ocupado e Linha Cruzada – O livro alemão. Uma ins-pi-ra-ção!!! (68)
4º quadro:
(Bell sai de cena. Linha Cruzada fica em cena. Música. Entra o Palhaço Fora do Gancho paquerando Linha Cruzada. Fora do Gancho dá um beijinho em Linha Cruzada que o empurra. Fora do Gancho pede para ver a “calcinha” de Linha Cruzada. Linha Cruzada pede para ver a “cueca” de Fora do Gancho. Os dois palhaços acham graça das diferenças! Os dois puxam um telefone e falam juntos: A descoberta !!!) (69)
5º quadro:
Linha Cruzada – Bell foi expor o seu invento em uma Feira na Filadélfia, cidade dos EUA.(70)
6º quadro:
Orelhão – Dona Rosa foi o primeiro catálogo telefônico da cidade do Rio de Janeiro. Dona Rosa sabia de cor todos os números da cidade. (música) Agora, com vocês, Rosa e Edith.(71)
7º quadro:
(Em cena Linha Cruzada anunciando)
Linha Cruzada – O telefone foi o início de uma nova era: com ele o mundo ficou pequenininho. Vieram outras invenções: o rádio, o radioamador, o telefone com disco (música). Sétimo e último quadro. As três gerações se encontram e dão uma olhadinha no futuro (sai). (72)
Essas narrações, que têm a função de antecipar as informações da cena futura e organizar a história em tópicos específicos, provocam curiosidade a respeito do que será desenvolvido em cada quadro, gerando a idéia de um subtítulo para o mesmo. Com um novo olhar sobre as citações acima, podemos verificar que se encontram em tempo pretérito,(73) são objetivas e diretas no diálogo com a platéia. Essas características, também levantadas por Anatol Rosenfeld como inerentes à narração, ajudam a configurar a linguagem épica nesses textos.
Outro elemento também utilizado como narração em Tudo por um fio é a música, que reforça a intenção de trazer informações para a cena. Podemos recortar um trecho da música que, no primeiro quadro, apresenta as questões iniciais da peça para observar como a linguagem está a serviço de uma apresentação direta, objetiva e em tempo pretérito:
Vamos contar uma história
Sobre inventores e sua paixão
Eles fizeram escola
Ao pesquisar a voz e o som
Apresentamos três senhores:
Com vocês, família Bell
E como todos inventores
Esses também são meio Pinel
A história do telefone começou comigo.
Eu me chamo Alexandre Bell;
Avô de Alexandre Graham Bell
E pai de Alexandre Melvin Bell… (74)
O trecho musical substitui a cena de apresentação dos personagens principais, além de anunciar, de forma objetiva, um tema fundamental ao entendimento da história.
Não podemos deixar de observar, no entanto, um elemento que talvez possa sugerir visão preconceituosa da figura do cientista: o estereótipo de “inventor maluco” na música citada. O cientista está associado diretamente à atividade da descoberta, em que precisa imaginar o “ainda não criado”, o impossível, e isso facilmente permite interpretações limitadas sobre seu modo de ver o mundo. Assim, encerrá-lo num padrão tipificado leva-nos a refletir sobre a importância da identificação da criança pelos personagens que adquirem e manipulam o conhecimento.
Quando falamos na necessidade de identificação, não nos referimos ao efeito catártico (75) sobre a platéia, mas à necessidade de admiração ou simpatia do espectador pelo personagem que opera os conhecimentos numa peça para crianças com intenções didáticas. Pois é finalidade dessa peça que a criança saia da apresentação seduzida pelo ato da descoberta e da investigação. Assim, não podemos deixar de apontar uma construção textual que sugere a associação entre a criatividade (característica própria do cientista) e a loucura.
Número, faz favor?, de Cacá Mourthé e Eliana Caruso (1998, Museu do Telephone), também apresenta logo de início a figura do narrador. Augusto Malta, fotógrafo oficial do Rio de Janeiro e da Companhia Telefônica, é o personagem que apresenta e costura toda a história, sem deixar de participar da ação cênica. Augusto assume a voz do autor no texto, tão claramente, que é ele quem narra todas as rubricas feitas na versão do CD (76) da peça. Logo no início do texto fica bem explicitada a função do narrador, cujas falas apresentam a cena 1, que é uma espécie de prólogo, e a cena 2, que seria a cena inicial para a trama. Nessas narrações, Augusto se apresenta, discursa sobre a temática, mostra os personagens envolvidos na cena, aponta o local, data e o contexto da ação:
- Antes da Cena 1:
(proscênio)
Augusto Malta – Boa tarde! Meu nome é Augusto Malta, este é o disco (mostra), e esta é a manivela (mostra). Antes do disco, as ligações eram feitas através da manivela. Somente com o auxílio de uma telefonista, era possível falar ao telefone. Eu vou mostrar para vocês onde, como e quando o disco chegou! (abre-se a cortina. Aparece Strowger de costas para o público) Estamos em 1888, na cidade de Kansas City, em uma agência funerária. (77)
- Antes da Cena 2:
Quando isto aconteceu nos Estados Unidos, aqui no Brasil ninguém sonhava com essa possibilidade! Por isso as telefonistas eram respeitadas e adoradas! Estamos no ano de 1906, na cidade do Rio de Janeiro. Nosso prefeito, Pereira Passos, promove grandes obras pela cidade, o Teatro Municipal e a Avenida Central estão sendo construídos.Sei disso tudo porque vivo por aí fotografando a cidade. Sou o fotógrafo oficial do Rio de Janeiro e da Companhia telefônica. Vou contar para vocês a estória de Bigoudi e Solica. Ah! Aí vem chegando Bigoudi de Barra Mansa. (78)
Em Número, faz favor?, assim como em Tudo por um fio, há também farto uso de músicas, (79) com a função mencionada de ilustrar e narrar alguns tópicos específicos. Na primeira, é pela música que alguns temas são sugeridos em cena: “Alô!! Alô!!”, (80) por exemplo, menciona as qualidades necessárias a uma boa telefonista; “Maxixe do Bicho” (81) aborda o funcionamento do jogo do bicho; “Guerra aos mosquitos” (82) destaca a epidemia de febre amarela e a campanha defendida pelas telefonistas na solução do problema. A respeito da presença musical nesse espetáculo, deve-se levar em consideração ainda o fato de o texto teatral ter sido editado em CD, em que o título da peça recebe o subtítulo “uma crônica musical”. (83)
Com relação à questão levantada pela dissertação, não podemos deixar de apontar para a música como elemento de grande importância enquanto diversão. Portanto, além da utilização de ritmo e melodia para tratar a informação de forma diferenciada, a música tem a capacidade de distrair e divertir a platéia, e, muitas vezes, a encenação aproveita a música presente no texto para colocá-la acompanhada de um número coreográfico ou de uma dança dos personagens em cena. A platéia pode ser facilmente envolvida, a ponto de cantar ou bater palmas… sem se ater ao peso do conteúdo contido na letra.
As peças do projeto História em Cena (desenvolvido no Centro Cultural Banco do Brasil), por sua vez, estabelecem outra relação com a linguagem épica e não contêm letras de músicas em seus textos, assim como não contemplam a figura explícita de narradores, (84) inserindo a narração por meio de diálogos. Nas duas primeiras peças, O Mandarim do Imperador (1997) e A Rua da Fortuna (1998), ambas de Caio de Andrade, o recurso se desenvolve pelo que denominaremos aqui “diálogos narrativos”. Não há, portanto, falas dos personagens dirigidas à platéia ou qualquer outro indício que os configure explicitamente como narradores, mas seus diálogos reúnem características narrativas.
Essa circunstância é um dos motivos responsáveis pela “grande conversação” encontrada nas peças: os personagens criam, por meio de suas falas, situações em que um explique ao outro as informações que se tem por intuito repassar à platéia, configurando a narração indireta. Assim, os textos desse projeto são compostos por grandes diálogos, em que a verbalização é o substituto da narração direta à platéia, no sentido de ter uma função didática.
Vejamos um exemplo, retirado de O Mandarim do Imperador (1997), em que Pai e Filho, enquanto conversam, narram (indiretamente) o perfil de um momento histórico, chegando a delinear as características de seus personagens, nesse caso, Rui Barbosa e o Imperador Pedro II:
Pai – Basta que não me provoques. Onde já se viu?! Sobrinha de Rui Barbosa! Um homem que expulsou a família imperial, na calada da noite, como se fossem um bando de gatunos.
Felício – Pois foi o ato mais sensato acatado pelo imperador nos últimos momentos de seu reinado. Onde já se viu uma república proclamada ficar de namoricos com uma família imperial que já não presta para nada? Era contraditório e incoerente. Pedro II e a família precisavam partir. Mais uma vez o sr. Rui Barbosa tinha razão.
Pai – O Imperador partiria, dignamente, alguns dias depois da proclamação. Vergonhoso, no entanto, foi tê-lo posto para fora do país, às duas e meia da madrugada do dia 17 de novembro, sem deixá-lo sequer arrumar, com calma, as próprias malas. (85)
Analisado por outro ângulo, esse diálogo não deixa de ser uma narração que tem lugar entre os personagens da cena. Podemos estar certos ao afirmar que esses não se dirigem à platéia, mas não ignoramos o discurso narrativo que é assumido entre eles.
Em A Rua da Fortuna (1998) e O Jeca Voador e a Corte Celeste (2002), o autor se utiliza também de outro recurso narrativo, o “efeito de flashback”, pelo qual os personagens, ao dialogarem, recordam ou contam algum fato passado, que é revivido em cena no tempo presente. Em A Rua da Fortuna, dois personagens, Ignatz e Jamila, conversam no início do espetáculo sobre um caso policial acontecido e divulgado no jornal; pouco a pouco esse diálogo é substituído pela cena até então apenas comentada por Ignatz e Jamila. No desenrolar do texto, essas cenas são alternadas entre o presente e o passado, criando uma “narração indireta”, que por sua vez dialoga e cria comentários entre os dois personagens iniciais da trama e a cena do flashback. Especificamente em A Rua da Fortuna esse efeito cria uma grande fragmentação nas cenas, apresentando a história de forma não linear; o tempo vai e volta a todo instante, fornecendo os ingredientes climáticos para a investigação policial (proposta no texto). Esse recurso aumenta a curiosidade do espectador e contribui para um aprendizado de forma mais concentrada, já que a platéia acompanha a história e também uma ‘espécie de reflexão’ dos personagens, nesse sentido, narradores que analisam as cenas assistidas.
Numa citação recortada de A Rua da Fortuna, vejamos como os personagens narram a história proposta pelo “efeito de flashback”. Nessa cena, o personagem Ignatz lê uma matéria jornalística sobre um importante acontecimento, subsequentemente apresentado em cena e no tempo presente:
(Ignatz começa a ler a matéria. Sua voz vai, aos poucos, sendo substituída por um off – locução do próprio Ignatz. Enquanto ele lê, revela-se o cenário onde se passa a nossa história: o depósito da Mercearia Balthar).
Ignatz – A Rua da Fortuna, uma matéria do jornalista Tunico Lobo. Qual de nós nunca sonhou com o Oriente? Feito de haréns e bazares coloridos. Um oriente de sedas e tapetes, dos sonhos juvenis, das mil e uma noites. Pois aconteceu o impossível: andando por ali, na Rua da Alfândega, dei de cara como Oriente. Não o dos sonhos, dos haréns. Mas, o do cheiro, das mercadorias, dos idiomas entrelaçados. Mas o leitor não se engane. Embora não pareça, o caso é de polícia. Numa manhã de julho, no depósito da mercearia Balthar, na Rua da Alfândega, o Delegado Cândido e sua noiva discutiam, calorosamente, tentando resolver uma questão.
(Quando Ignatz acaba de ler, a cena está formada. Cândido e Maria de Fátima discutem no porão da mercearia. Ela observa as mudanças, muito irritada). (86)
Verificamos, portanto, que, mediante a leitura de um jornal feita por um personagem para o outro em cena, realiza-se a narração das questões envolvidas no texto: apresenta-se o Oriente e sua versão carioca, ambiente da ação dramática, e anuncia-se o caso policial que envolve os personagens.
Em O Jeca Voador e a Corte Celeste, última peça do projeto História em Cena, o autor opta por usar a forma direta de narração à platéia, e a localiza no início e no final do texto, desenvolvida por um único personagem da trama (Joca). Embora contenha esses dois pronunciamentos direcionados ao público, O Jeca Voador e a Corte Celeste, contudo, não deixa de apresentar os característicos “diálogos narrativos”, encontrados nas outras peças do projeto História em Cena, nem o recurso de flashback, que é disparado a partir de um diálogo entre Zé Tico e Santa Bárbara. Recortamos abaixo a narração de abertura da peça, que introduz o tema e o cenário da ação:
(No palco está Joca, o dono da venda, falando ao telefone. Termina de falar com um amigo, desliga e dirige-se à platéia).
Joca – (Ao telefone) Confie, Adalberto, amanhã vai o outro. (Ouve) Não há com que se preocupar, homem. Bons dias! (Para o público) É o meu amigo do jornal, lá de São Paulo. Toda semana envio pra ele uma história da roça, um causo como se diz por aqui. Tudo começou quando eu escrevi contando o destino do meu amigo Fabrício. De como um homem pode virar uma lenda assim, da noite pro dia. Ele publicou no diário e foi um sucesso. E é esse causo que eu vou contar agora, o do Fabrício, meu amigo, o Jeca voador. O fato se passou aqui, alguns anos atrás, em 1920, com a importante participação do Zé Tico, um bicho do mato esperto como o quê, meu ajudante e beato da igrejinha.
(A platéia vai caindo na escuridão. Lentamente, um tímido facho de luz – talvez o primeiro raio solar – atravessa o palco iluminando um homem de aparência humilde finalmente adormecido – parece ter passado a noite em claro. Joca continua.)
Joca – Que o Zé falava com o céu, ah! Isso na roça todo mundo sabia! Era tanta a freqüência com que recorria à corte celeste que os santos já o consideravam de casa. Talvez por isso, por ser tão simplório e devotado, embora levasse nas costas a fama de beberão, os santos nunca lhe faltaram. A resposta podia demorar, como aconteceu naquele dia, mas sempre, sempre vinha.
(Uma nova visão começa a se revelar. Dentro de um céu de ingênuos contornos – que aparece acima e ao fundo do palco – vai surgindo uma imagem divina. É Santa Bárbara. Veio atender às súplicas de Zé Tico). (87)
Nesse momento o personagem Joca assume a posição de narrador, que cumpre a função de fio condutor para a história. Direciona-se de maneira clara e objetiva ao público e vai aos poucos se introduzindo na nova cena que se irá iniciar ao final de sua fala. Da mesma forma, Joca, que participa das cenas com os demais personagens, volta a narrar o final da história, para fazer seu fechamento:
Joca – E foi assim! Rapidamente o bairro, a comarca, as cidades vizinhas, os estados da paulistânia, o planeta inteiro ficou sabendo que o prefeito Fabrício agora vive no céu. O Zé Tico se incumbiu da tarefa com um empenho nunca visto. E o Jeca voador virou lenda. Hoje, aqui na roça, vez por outra um caboclo escuta o motor do avião fantasma do Nhô prefeito. É “sinar de chuva”, dizem eles. (Mudando o tom) E o matreiro do Zé Tico não cansa de se meter em histórias como essa. Naquele dia mesmo, na hora da procissão de São João Batista, o sacatrapo… Bom, mas isso é outro causo. Se os amigos voltarem num outro dia, eu conto. Boas tardes!
FIM (88)
A “distância”, que, pelo efeito de distanciamento, (89) Brecht propõe ao ator em relação aos acontecimentos que ele narra, como vimos, não o afasta da platéia, pelo contrário: ao se quebrar o ilusionismo da “quarta parede”, há maior aproximação entre o emissor e o receptor, e o objeto em questão pode ser analisado “cientificamente”. Isso não significa que as emoções sejam excluídas, mas que “não há a mesma transferência automática de emoções ao espectador, o mesmo contágio emocional”. (90)
Em relação aos acontecimentos da peça, o narrador tem um horizonte maior do que o dos demais personagens, cujo futuro ele conhece, além de dominar suas histórias, seus pensamentos e emoções, “como se fosse um pequeno deus onisciente”. (91) Seu papel de coordenador da trama, que domina a interação dos personagens em cena, cria para com ele uma relação diferenciada por parte dos demais, como descreve Rosenfeld:
Ao narrar a estória deles imitará talvez, quando falam, as suas vozes e esboçará alguns de seus gestos e expressões fisionômicas. Mas permanecerá, ao mesmo tempo, o narrador que apenas mostra ou ilustra como esses personagens se comportaram, sem que passe a transformar-se neles. (92)
Como vimos, o caráter épico está presente em outros elementos de cena – como a música, a fragmentação, o flashback – que não necessariamente a figura de um narrador. Rosenfeld reforça elementos como o coro, o prólogo e o epílogo em textos dramáticos, como possíveis artífices épicos em meio a uma ação dramática.
Na ligação entre o teatro didático e o épico podemos falar sobre a importância da fragmentação e da não-linearidade. Esses recursos, muito utilizados no teatro contemporâneo, contribuem numa abordagem investigativa sobre o tema, que quer reforçar questões e lançar dúvidas. Interromper uma ação linear é, para o teatro didático, uma possibilidade de chamar atenção para elementos que não devem passar despercebidos pelo público. Carvalho, em sua tese de doutorado, revela como a narração recorta um caminho fragmentado de sua “pedagogia do espectador”:
Para isto, foi concebida uma encenação onde diversas janelas foram sobrepostas à narrativa principal. Estas janelas apareceram no espetáculo enquanto fragmentos narrativos que, interrompendo o fluxo da ação, problematizavam a narrativa principal com o intuito de provocar o espectador a debruçar-se reflexivamente sobre os acontecimentos apresentados, estimulando-o a analisar as possíveis relações entre as diferentes narrativas sobrepostas e a elaborar significações próprias. (93)
A apresentação dos fatos no teatro épico não precisa ser feita de forma linear, como exige o teatro ilusionista. Assim podemos analisar, no que diz respeito à estrutura escrita dos textos, a forma episódica das peças do projeto Peças de Museu.
Tudo por um fio e Número, faz favor? têm em comum o fato de suas cenas (ou quadros (94)) serem independentes entre si e dividirem a temática das peças em subtemas a serem desenvolvidos em cada cena/quadro isoladamente. Para cada quadro, há uma seleção de subtemas, que traçam um percurso dentro do tema didático (geral) da peça. Essa divisão em quadros, quase independentes, lembra a estrutura do teatro de revista. Podemos ter a impressão de que essas peças passam “em revista” determinado assunto, sendo entremeadas também por músicas e pela presença de narradores.
Ao apresentar a estrutura, Neyde Veneziano elenca algumas características comuns ao teatro de revista brasileiro, como a exacerbação do ridículo, presença de números musicais, fragmentação da peça ou “uma sucessão de quadros aparentemente desconexos que se encaminhavam para um final apoteótico”. (95) Podemos afirmar que alguns desses elementos também estão presentes nas peças do projeto Peças de Museu. Tudo por um fioe Número, faz favor? usam o ridículo em cena como forma de alcançar o risível, seja por intermédio dos palhaços ou da caipira Bigoudi (que passa toda a duração da peça procurando o seu amado Waldemar). As duas peças são recheadas de números musicais, cantados, como indica a rubrica, pelos atores em cena. Cabe, porém, ao desenvolvimento do tema uma pontual atenção, e, sobre ele, Veneziano registra:
A revista de ano brasileira, como já foi dito, consistia num resumo crítico dos acontecimentos do ano anterior (…) Era uma história miniaturizada sob o painel anual, em linguagem popular, teatralizada. Equilibrava-se entre o registro factual e ficcionalização cômica. (96)
A condução do “fio” da história nas duas peças desse projeto assemelha-se à estrutura do teatro de revista brasileiro, reunindo história e ficção cômica. Para dar um exemplo, Número, faz favor?, que tem como tema geral a história das telefonistas, divide em suas cenas as etapas que explicam a evolução das funcionárias da “Companhia Telephônica”: cena 1 (a importância das telefonistas), cena 2 (o contexto do Rio de Janeiro em 1920), cena 3 (aspiração feminina a ser telefonista), cena 4 (concurso para a companhia telefônica), cena 5 (a atividade das telefonistas), e assim continua, fragmentando o tema em subtemas para cada cena.
Podemos entender que a aproximação entre o teatro de revista brasileiro e Número, faz favor? (97) reforça o contexto histórico em que o tema se desenvolve. A revista é um “gênero teatral” em auge no período histórico em que acontece a história das telefonistas (década de 1920).
A partir dessa aproximação com a estrutura do teatro de revista, não podemos deixar de destacar o cômico como elemento teatral próximo à linguagem épica.
Os processos mencionados são quase sempre cômicos. O cômico por si só, como foi demonstrado por Bergson (Le Rire), produz certa “anestesia do coração” momentânea, exige no momento certa insensibilidade emocional, requer um espectador até certo ponto indiferente, não muito participante. Para podermos rir, quando alguém escorrega numa casca de banana, estatelando-se no chão, ou quando um marido é enganado pela esposa, é impositivo que não fiquemos muito identificados e nos mantenhamos distanciados em face dos personagens e dos seus desastres. (98)
Os processos mencionados são quase sempre cômicos. O cômico por si só, como foi demonstrado por Bergson (Le Rire), produz certa “anestesia do coração” momentânea, exige no momento certa insensibilidade emocional, requer um espectador até certo ponto indiferente, não muito participante. Para podermos rir, quando alguém escorrega numa casca de banana, estatelando-se no chão, ou quando um marido é enganado pela esposa, é impositivo que não fiquemos muito identificados e nos mantenhamos distanciados em face dos personagens e dos seus desastres. (98)
Ao mesmo tempo em que o distanciamento traz reflexão sobre a cena, também possibilita o riso. Talvez essa seja uma forma de reforçarmos a idéia de que o percurso que leva ao conhecimento/reflexão também leva à comicidade, sendo esses elementos muito mais vizinhos e próximos do que antagônicos, distantes ou contrários.
Portanto, para produzir efeito pleno, a comicidade exige enfim algo como uma anestesia momentânea do coração. Ela se dirige à inteligência pura. (99)
Identificadas a proximidade do épico com a comicidade e a relação desses dois termos com o distanciamento, deixemos para adiante (100) a relação do cômico com o teatro didático e nos concentremos em outros aspectos que ligam o épico ao didático, passando então à observação dos temas desenvolvidos pelas peças selcionadas. A análise dos temas está diretamente associada à análise dos títulos das peças, (101) desde que estes últimos (em nosso grupamento de peças analisadas) representam o indício do tema a ser desenvolvido no texto teatral. Assim, nessas peças com intenções didáticas, os títulos surgem como a primeira oportunidade de anunciar o tema. Ryngaert destaca o caráter épico do título:
O título possui em si próprio uma dinâmica, um embrião de narrativa (A mãe culpada; Arlequim, servidor de dois amos), o esboço de uma moral ou o anúncio de um desfecho (…).(102)
Considerando-os o primeiro indício épico, os títulos antecipam o tema a ser desenvolvido pela leitura da peça ou pela fruição do espetáculo e nos ajudam a reconhecer cada uma das temáticas das cinco peças selecionadas. Consciente de que voltaremos a analisar os títulos, iremos agora nos concentrar em sua relação com os temas das peças dos dois projetos pesquisados.
As peças do projeto Peças de Museu possuem como temática geral as inovações tecnológicas ligadas à história da telefonia, e podemos perceber em seus títulos os conteúdos dessa história, que serão desenvolvidas ao longo do texto: uma trata da invenção do telefone, aparelho que permitiu transportar a voz humana por um simples fio físico (Tudo por um fio); a outra aborda a ascensão e queda das telefonistas, personagens que marcaram a história da telefonia brasileira por sua repetida frase de saudação (Número, faz favor?). Assim, as autoras buscaram expressões em que telefone e telefonistas ficassem evidenciados já no título dessas duas peças do projeto.
Ao mesmo tempo, porém, em que anunciam as inovações desenvolvidas, os títulos abrem outras interpretações, o que parece ser favorável aos textos dramáticos de caráter didático. “Tudo por um fio” é título que tanto remete a uma expressão popular usada para indicar algo que está na iminência de acontecer (“por um fio”) quanto pode sugerir, graças à imagem do “fio”, alguma espécie de equilibrismo, em que os personagens seriam circenses a se equilibrar numa linha. Seja qual for a referência, é válida para a montagem proposta pela autora/encenadora (Cacá Mourthé), que, aliás, utiliza as duas possibilidades. A invenção do primeiro aparelho telefônico aconteceu de forma casual e esteve “por um fio”, ameaçada de não acontecer, sendo essa “casualidade” claramente ressaltada no texto.
Não podemos ignorar a relação de risco que também se estabelece com o aprendizado, tanto para o educando quanto para o educador. Aprender desafia o indivíduo em relação a um material desconhecido e exige que ele se torne um aventureiro em busca de seu próprio conhecimento. Também o educador coloca-se em risco no momento em que está lecionando, pois o processo de ensino permite a imprevisível participação do aluno. Assim sendo, o desafio é inerente ao aprendizado, que deve estar sujeito aos riscos do desconhecido campo do conhecimento. Como afirma Paulo Freire, ensinar é essencialmente colocar desafios ao indivíduo:
Ninguém pode conhecer por mim assim como não posso conhecer pelo aluno. O que posso e o que devo fazer é, na perspectiva progressista em que me acho, ao ensinar-lhe certo conteúdo, desafiá-lo a que se vá percebendo na e pela própria prática, sujeito capaz de saber. Meu papel de professor progressista não é apenas o de ensinar matemática ou biologia, mas sim, tratando a temática que é, de um lado objeto de meu ensino, de outro, da aprendizagem do aluno, ajudá-lo a reconhecer-se como arquiteto de sua própria prática cognoscitiva. (103)
A relação com o equilibrismo/ambiente circense também se estabelece com os quatro personagens principais do texto, que são narradores da história: quatro palhaços (Linha Cruzada, Ocupado, Orelhão e Fora do Gancho), cuja presença acrescenta o risível à idéia do risco, associando a peça a um espaço, de risco e diversão, em que pode ser produzido o conhecimento – são os palhaços, personagens circenses, que trazem a informação para a cena, interligando assim a idéia do conhecimento, risco e diversão.
O título de Número, faz favor?, por sua vez, remete a uma temática de época passada, por conter um pedido que não é mais usual nos dias atuais, despertando a curiosidade: para que alguém solicitaria um número a outra pessoa?
Para as crianças espectadoras de hoje em dia, que não acompanharam o surgimento da telefonia, ficaria complicado imaginar tal situação, visto que já nasceram numa época de celulares, internet, fax e aparelhos que se autocomunicam sem a interferência de indivíduos. Então, quem será e o que fará uma telefonista? Descobrir e conhecer essa figura de um passado longínquo e seu ofício torna-se ainda mais instigante ao ouvir essa sonora e repetida solicitação de número a ser discado.
Nas peças do outro projeto (História em Cena, realizado no Centro Cultural Banco do Brasil), podemos perceber diferentes maneiras de divulgar conteúdos por meio dos títulos das peças e das relações estabelecidas com temas e enredos. O tema central, história brasileira, é desenvolvido nas peças desse projeto de forma cronológica, O Mandarim do Imperador (1997), A Rua da Fortuna (1998) e O Jeca Voador e a Corte Celeste (2002), retratando as primeiras décadas do século XX.
À primeira leitura, os títulos desse projeto já alimentam curiosidades sobre alguns elementos: o que seria um mandarim? que ligação ele teria com o Imperador? onde se localizaria a tal Rua da Fortuna? tratar-se-ia de uma rua de riquezas ou de uma rua de sorte? o que seria um Jeca Voador? como um caipira alcança a façanha do vôo? o que é uma “corte celeste”? será a corte divina?
Assim, o projeto História em Cena tenta incluir no próprio título dos espetáculos uma espécie de charada a ser decifrada. Assistir ao espetáculo ou ler a peça seria a forma de desvendar o mistério proposto por seus títulos.
Ao mesmo tempo, com esses títulos, o projeto já adianta muito do que vai ser apresentado em cena. Em O Mandarim do Imperador, por mais que o termo mandarim não seja muito coloquial, basta uma rápida busca no dicionário para descobrir seu significado – uma pessoa importante e de influência; a expressão “do Imperador” leva à dedução de que o espetáculo trata do Império e de personagens a ele relacionados. Porém, apesar de o título preparar o espectador para o contato com o auge da história do Império e com importantes personagens que nele transitam, o texto aborda a decadência do período e as discussões que rondavam a transição para a República, entre republicanos e monarquistas. Assim, o título é provocativo e estimula uma discussão em relação ao material do texto, colocando em destaque uma figura que já teve muita importância no passado (durante o Império), mas que no momento da ação cênica da peça (início da República) se mostra decadente.
Em A Rua da Fortuna, antes de tudo, o título destaca o cenário histórico que ilustra a temática da peça. Essa preocupação é tanta, que, após a listagem dos personagens, ainda na capa do texto, há menção da data e do local da ação dramática (Rio de Janeiro, Rua da Alfândega – 1914). (104) Ao tratar a nova República brasileira e a chegada de diversos imigrantes, o título remete ao ambiente que se formou no Centro da cidade do Rio de Janeiro devido à combinação de diversas culturas e religiões, e chega mesmo a ser explicado e justificado no meio do corpo do texto, ainda que de forma indireta, pelo diálogo de dois personagens:
Cândido: (…) uma coisa eu ainda não entendi: o título da matéria. “A Rua da Fortuna”. Desde quando a Alfândega é a rua da fortuna? Dinheiro corre solto é na Ouvidor, na Rio Branco.
Jamila: Fortuna neste caso não se refere aos guipures e aos chiffons da Rua do Ouvidor, nem às livrarias de nome, aos cafés elegantes, aos clubes exclusivos da Rio Branco. (comovida) Fortuna está no lugar de palavras como sorte, destino, um lugar onde imigrantes, como eu, se estabelecem pensando em mudar de vida, em construir um mundo novo, em “fazer a América”, como dizia meu pai. (105)
No título O Jeca Voador e a Corte Celeste há a junção de dois elementos que despertam atenção: “o Jeca voador” e “a corte celeste”. “Jeca voador” remete a um personagem caipira (por isso “Jeca” (106)) que voa; resta saber (e por isso torna-se mais curioso) de que maneira (mágica?) esse personagem consegue alcançar os ares. Mas, não satisfeito, o título ainda acrescenta outro elemento fantástico, “corte celeste”, que traz a idéia de personagens divinos que dividem a cena com o caipira. Quem seriam esses personagens divinos? De que maneira eles se relacionam com os humanos?
A expressão “Jeca voador” introduz um dos grandes conflitos do texto: o olhar simples do interior brasileiro versus as inovações e avanços da cidade grande. O “Jeca” é Fabrício, prefeito de Engenho Novo (cidade do interior brasileiro) que tem por hábito pilotar aviões (invenção recente, só vista nas metrópoles da época (107)). “Corte celeste”, por sua vez, sugere uma corte formada por aviões ou anjos e santos; ao ler o texto, sanamos a dúvida encontrando os fantásticos diálogos entre o matuto Zé Tico e Santa Bárbara. Neles faz-se a conexão entre dois planos distintos, o terreno e o divino, para discutir questões que comparam a grande metrópole e o interior caipira. O texto reforça as características intrínsecas a cada um desses planos (terreno e divino) para estabelecer as diferenças e qualidades de cada um dos universos retratados em 1920: as metrópoles que eram verdadeiros centros de importação do desenvolvimento e as cidades do interior que preservavam o que havia de mais autêntico da cultura nacional.
Tanto em O Jeca Voador e a Corte Celeste como em O Mandarim do Imperador, diferente do procedimento escolhido em A Rua da Fortuna,o autor optou por usar referências aos personagens no título da obra, o que reforça a importância do contexto histórico sobre a atuação de grandes personagens nessa peça.
A Rua da Fortuna é um bom exemplo de texto que valoriza mais o contexto histórico do que os personagens. Nesse sentido, não há nele nem valorização dos conflitos internos dos personagens, nem a construção de heróis para a história. Os conflitos do texto são externalizados pelas palavras, deslocando o foco do personagem para o contexto geral da história. Fica claro que é objetivo do texto destacar o ambiente da Rua da Alfândega em 1914, antes de qualquer outro elemento da história.
Uma visão que privilegia o contexto nos dá uma dimensão mais geral do tema histórico abordado, não encerrando a peça nos conflitos particulares de alguns personagens. Ampliando a questão, poderíamos também relacionar a linguagem épica, como possibilidade de generalizar questões que se encontram encerradas em individualidades dramáticas. Assim o épico estaria mais próximo do texto que prioriza o contexto em detrimento dos personagens.
Para Brecht, mostrar a história pelo teatro demanda uma historicização, termo criado pelo dramaturgo alemão (Historisierung), significando mostrar personagens e acontecimentos à luz histórica e social, a fim de revelar a capacidade transformadora e crítica da realidade pelo indivíduo contemporâneo. Pavis fornece uma definição para a historicização brechtiana:
Na dramaturgia brechtiana, bem como numa encenação inspirada no realismo crítico brechtiano, historicizar consiste em recusar-se a mostrar o homem em seu caráter individual e anedótico, para revelar a infra-estrutura sócio-histórica que subentende os conflitos individuais. Neste sentido, o drama individual do herói é recolocado no seu contexto social e político, e todo o teatro é histórico e político. (108)
Historicizar é priorizar o contexto em vez de personagens, estando em relação com a noção do teatro épico e didático na visão de Brecht. Assumindo então o contexto como importante ingrediente de nosso teatro, devemos refletir sobre qual tratamento é mais adequado a esse material: expressar o contexto, comunicá-lo ou transmiti-lo para a platéia?
Como parte da discussão que associa o teatro épico ao teatro didático, cabe-nos destacar a diferença entre três termos que esclarecem o uso da forma épica no teatro: expressão, comunicação e transmissão.
Para Rosenfeld, a “expressão” é monológica e se preocupa exclusivamente em trazer o próprio estado de alma dos personagens, enquanto a “comunicação” se ocupa em descrever com precisão as circunstâncias objetivas (mesmo não ignorando a expressão).
Já no caso da narração é difícil imaginar que o narrador não esteja narrando a estória a alguém. O narrador, muito mais que se exprimir a si mesmo (o que naturalmente não é excluído) quer comunicar alguma coisa a outros que, provavelmente, estão sentados em torno dele e lhe pedem que lhes conte um “caso”. Como não exprime o próprio estado de alma, mas narra estórias que aconteceram a outrem, falará com certa serenidade e descreverá objetivamente as circunstâncias objetivas (…) Isso cria certa distância entre narrador e o mundo narrado. Mesmo quando o narrador usa o pronome “eu” para narrar uma estória que aparentemente aconteceu a ele mesmo, apresenta-se já afastado dos eventos contados, mercê do pretérito. Isso lhe permite tomar uma atitude distanciada e objetiva, contrária à do poeta lírico. (109)
Para relacionar os termos ao teatro podemos resumir a questão afirmando que a forma dramática está mais preocupada com a expressão, e a forma épica com a comunicação. Essas “diferenças” estão incluídas na análise de Brecht sobre as formas teatrais:
Forma dramática:
O palco encarna um fato
envolve o espectador em uma ação
consome sua atividade proporciona-lhe sentimentos comunica-lhe vivências
o espectador é envolvido em uma ação.
Forma épica:
O palco narra um fato
transforma o espectador em observador do fato, mas desperta a sua atividade obriga-o a tomar decisões
comunica-lhe conhecimentos
ele é colocado em face a essa ação (110)
Entre a expressão e a comunicação, poderíamos afirmar que o teatro didático para criança estaria mais preocupado com a segunda do que com a primeira. Vale reforçar que o teatro épico não ignora a expressão da linguagem teatral, mas privilegia a comunicação por seus objetivos com o espetáculo.
Ao pensarmos o teatro épico com função de ensinar, podemos então completar a análise, diferenciando transmissão e comunicação. Transmissão remete-nos ao depósito de informações na platéia, enquanto comunicação está mais próxima do diálogo. Quanto à comunicação, entende-se que há duas ou mais pessoas que estabelecem uma relação ou contato. Na transmissão, por sua vez, configuram-se um emissor (detentor da informação) e pessoas que seriam receptoras da mensagem, sem outra função a não ser a de absorver o que é transmitido da melhor forma possível.
Assim, seria mais apropriado falar que um teatro que busca a reflexão e uma postura ativa da platéia prioriza a comunicação, enquanto o teatro que busca passar uma moral única, sem correr o risco de se submeter a outras interpretações dos espectadores, prioriza a transmissão.
Brecht usa exemplos comparativos do teatro épico (teatro comunicativo) e do teatro de Schiller – 1759-1805 (teatro transmissor):
Segundo Friedrich Schiller, o teatro deve ser uma instituição moral. Quando Schiller formulou esta exigência, jamais lhe passaria pela cabeça que pudesse afastar o público do teatro, ao exigir que se fizesse pregação moral de cima do palco. Em sua época, o público nada tinha contra a pregação moral. Somente mais tarde é que ele foi acusado por Friedrich Nietzsche como o corneteiro moralista de Saeckingen (…) Ele não conhecia nada que proporcionasse tanto divertimento e satisfação quanto a propagação de ideais (…) Também em relação ao teatro épico, as manifestações morais só se apresentavam em segundo plano. Ele pretendia muito mais estudar do que fazer moral. (111)
Moral da história: há grande estreitamento entre a idéia de uma moral única e a transmissão. E é essa visão, que restringe o teatro a uma única leitura, que conduz a uma relação entre o didático e o didatismo; muito distante de uma aproximação entre o didático e a diversão, que trataremos nesse próximo tópico.
2.4 – Didático e Diversão
(…) reunimos as crianças em torno da plataforma, e os atores, usando improvisações muito simples, tais como explorar as possibilidades misteriosas e cômicas de uma caixa de papelão, não tiveram dificuldade de manter a sua atenção e conduzir a sua imaginação. (112)
Segundo Gerd Bornheim, Brecht queria que seu teatro despertasse a crítica em seus espectadores, sem que sua peça se tornasse “chata”, ficando na imparcialidade entre um espetáculo “culinário” e um espetáculo crítico. O conceito brechtiano de culinário refere-se à qualidade de um espetáculo que esteja associado ao entretenimento, agradando aos prazeres do público. Segundo Bornheim, na busca do equilíbrio entre esses dois elementos, Brecht deixou, às vezes, o espetáculo muito “culinário” e se perdeu na crítica (exemplifica com a peça A ópera dos três vinténs), assim como, em outros momentos, ficou crítico em exagero (exemplifica com a peça Mahagomy), esquecendo de propiciar prazer.
(…) não há como não aceitar os hábitos culinários do teatro, já que sem eles o público simplesmente desapareceria. E a artimanha consistiria, sem abandonar esse sistema, em desenvolver ao máximo a ironia e a crítica a esse mesmo sistema. (113)
Chegou-se, assim, a uma visão brechtiana de que a fruição prazerosa é um elemento essencial para a construção de um bom espetáculo. A equação desafiadora proposta por Brecht consiste em conseguir acrescentar outros ingredientes às peças teatrais, como a reflexão crítica, tendo como resultado um espetáculo aprazível. Carvalho também chama atenção para a preocupação de Brecht em conseguir que seus espetáculos fossem o resultado de diversão aliada à reflexão da platéia:
(…) o divertimento para os “filhos de uma época científica”, para Brecht, tinha de estar afinado com a racionalidade desta época. Daí a idéia de um teatro que propusesse prazer através da reflexão. (114)
No texto Pequeno Organon para o Teatro, (115) escrito em 1948 por Bertolt Brecht e considerado uma de suas mais completas enunciações teóricas, o autor afirma a importância de entender o teatro como um instrumento de diversão, que seria uma característica intrínseca da arte teatral, bem como seu objetivo principal, inicial e fundamental a diversão. Vejamos o texto:
(…) a função mais geral do teatro é a de divertir. Eis a mais nobre das funções que se nos depara para o teatro. (116)
Ao conceituar o termo diversão, Brecht associa-o a duas outras terminologias, entretenimento e prazer, que nos dão pistas para um conceito mais justo de diversão na ótica brechtiana:
No princípio, o objetivo do teatro, como das demais artes, eraentreter pessoas. E é esse empenho precisamente que lhe confere uma dignidade particular. Como característica, basta-lhe o prazer; o teatro não necessita de outro passaporte. Não devemos de maneira nenhuma, conferir-lhe um status maior: estaríamos assim, tornando-o um mercado abastecedor de moral; ao contrário, o teatro tem de se precaver nesse caso, para não degradar-se, o que certamente ocorreria se não transformasse o elemento moral aprazível, suscetível de causar prazer aos sentidos – princípio, admitamos, do qual a moral sairá ganhando. Nem sequer deve-se exigir que o teatro sirva como instrução, ou utilidade maior do que uma emoção de prazer, físico ou espiritual. O teatro tem de permanecer algo de absolutamente supérfluo, o que significa, que nós vivemos para o supérfluo. Nada necessita menos justificações que a diversão (117) [grifo nosso].
Nessa citação, Brecht aponta para um teatro que está associado à idéia de recreação ou entretenimento, ressaltando a importância de se pensar no prazer antes de lhe atribuir qualquer outra função, pois, se o espetáculo teatral puder causar “prazer aos sentidos”, as outras funções a ele atribuídas serão contempladas.
Em outro texto, Brecht apresenta um possível teatro didático divertido, questionando o porquê da separação entre educação e diversão. Sem diversão, o teatro didático seria conduzido ao “didatismo”:
O teatro se transformou em assunto para os filósofos, filósofos, diga-se de passagem, que não pretendiam apenas explicar o mundo, mas, também transformá-lo. Começamos também a filosofar; começamos também a ensinar. E onde foi parar a diversão? Começamos a fazer com que as pessoas voltassem aos bancos das escolas, começamos a tratar as pessoas como analfabetos? Era preciso que se prestassem exames, que se apresentassem certificados de aprovação?
(…) A este respeito, podemos apenas dizer que a contradição entre aprender e divertir-se nada tem de necessidade natural, jamais foi isso e nada obriga a que venha a ser.
Sem dúvida, o aprendizado que conhecemos na escola, na preparação para as profissões, etc. é algo que exige esforço. Mas é preciso considerar igualmente em que circunstâncias ele decorre e a que objetivos serve. Trata-se, propriamente, de uma compra. O conhecimento é simplesmente uma mercadoria. Ela é adquirida para ser revendida (118) [grifo nosso].
Francimara Nogueira Teixeira discute o conceito de diversão no teatro de Brecht mediante análises de textos teóricos que melhor o definem. A autora reforça, em seu livro, o objetivo de Brecht em unir o prazer e a crítica em seu teatro:
Para Brecht, ainda precisa ser descoberto um teatro que não deixe de ser prazeroso por colocar as relações sociais entre os homens em discussão (…) Se Brecht levanta esta questão como um problema ainda não resolvido, é porque, de alguma forma, diversão e crítica ainda carregam o estigma de atividades incompatíveis, exclusão esta que Brecht esforça-se por negar e combater, fazendo-o durante boa parte dos seus textos seguintes. (119)
Brecht vislumbra uma possibilidade de entender a educação de uma maneira otimista, percebendo, assim, o teatro didático longe de ser uma atividade chata e enfadonha. O autor credita a união entre o didático e o teatro por acreditar que a aprendizagem pode ser um ato de prazer.
O desejo de aprender depende, assim, de várias coisas e, portanto, existe a possibilidade de aprender com gosto, alegria e luta.
Se não houvesse essa possibilidade de aprender divertindo-se, o teatro, por sua própria estrutura, não estaria em condições de ensinar.
O teatro permanece teatro, mesmo quando é teatro pedagógico e, na medida em que é bom teatro, é diversão. (120)
Aproximando-nos da concepção brechtiana, podemos definir diversão como prazer de uma descoberta e da aquisição de conhecimento, como apropriação dos modos de aprender ao construir o saber. Brecht reafirma o prazer emanado da platéia ao assumir uma postura crítica, pela qual os espectadores se divertem enquanto aprendem:
Essa atitude crítica [adotada pelo espectador épico] não deve ser considerada como uma atitude científica puramente racional, feita de cálculo e neutralidade. Ela deve ser uma atitude artística, produtiva, cheia de prazer. (121)
É o prazer do conhecimento, crítico e estético, que traz a diversão ao espetáculo teatral. O teatro, para Brecht, é uma experiência que deve ser agradável; mas, alerta o autor: “nem tudo que é agradável faz parte do teatro”. (122)Das peças didáticas brechtianas, que têm por temática questões políticas, podemos destacar algumas passagens lúdicas e cômicas que exemplificam as presentes reflexões.
Em Os Horácios e os Curiácios (1934), (123) o autor reforça o tom lúdico sugerido pelo texto por meio de algumas didascálias, brincando com os recursos possíveis no teatro como numa brincadeira de crianças, em que tudo se transforma e toma novos significados. Abaixo, uma indicação da peça (didascália) que evidencia a proposta de jogo da cena:
Um ator atravessa o fundo da cena, muito lentamente, portando na ponta de uma vara um refletor que representa o sol. (124)
Numa visão equivocada de teatro didático, pode-se gerar uma cena estruturada por uma didática da pedagogia tradicional controladora e normalizadora que, como vimos no capítulo anterior, ainda é bastante presente nas escolas e a principal responsável pela separação entre prazer e aprendizado (também no teatro didático). A inspiração dessa didática que “passa lições” é capaz de deixar o teatro semelhante a uma sala de aula, isentando-o de qualquer diversão e/ou teatralidade.
Por outro lado, o teatro com intenções didáticas pode – mediante seus próprios elementos: o lúdico, o poético, o simbólico, o metafórico, a apresentação de problemáticas, a reconstrução de fatos históricos, etc. – contribuir para o conhecimento e aprendizado. O caminho da aprendizagem por meio do teatro deve ser percorrido pelo canal lúdico, comum à apreciação teatral.
“Shakespeare criou a imagem de Otelo”, diz Ovsiániko-Kulikovski, “para aperceber-se da idéia de ciúme, da mesma forma que a criança lembrou-se e disse melanciazinha ao ver o globo… “Ciúme – sim, isso é Otelo”, disse Shakespeare. A criança, bem ou mal, explicou a si mesma o globo. Shakespeare explicou excelentemente o ciúme a toda humanidade”.
Verifica-se, pois, que a poesia ou a arte são um modo específico de pensamento, que acaba acarretando o mesmo que o conhecimento cientifico acarreta (a explicação do ciúme em Shakespeare), só que o faz por outras vias. A arte difere da ciência apenas pelo seu método, ou seja, pelo modo de vivenciar, vale dizer, psicologicamente. (125)
Assim, como já vimos, um espetáculo teatral educativo não deve preocupar-se em fechar conceitos junto a seu público, mas, sim, suscitar questões e apresentar o conhecimento, que o espectador/aluno poderá manipular e usar como parâmetro em experiências futuras.
Ainda um último ponto. Porque isto preocupa vocês, eu sei. Após um espetáculo, uma idéia atormenta, incomoda: “Será que meus alunos compreenderam tudo?”. É natural esse temor quando se é um bom professor. Mas fiquem tranquilos, no teatro não é como na escola: não é preciso compreender tudo. O bom teatro deixa zonas de sombra, de incerteza, provoca questões e dúvidas… (126)
A visão equivocada que isenta o teatro épico de emoções aproxima-se do pensamento que considera a diversão e a educação elementos díspares. Para podermos acreditar realmente num casamento possível entre o lúdico e o didático no teatro para crianças, temos que nos esforçar para aproximar essas nomenclaturas e não as estabelecer como contrárias, em um pensamento que jamais permita o encontro de razão e emoção.
Com relação à literatura para crianças, Nelly N. Coelho também se refere à importância de se refletir sobre a associação entre conhecimento e prazer:
Atualmente, a confusão é grande. Em geral, uma das atitudes tem predominado sobre a outra. Daí os excessos e os equívocos que proliferam na produção infantil mais recente… na maioria, predomina a gratuidade (livros que em lugar de serem divertidos, como se pretendem, são apenas tolos e cacetes, ou então, fragmentados e sem sentido). Ou então são obras sobrecarregadas de “informações” corretíssimas, mas que, despidas de fantasia e imaginação, em lugar de atrair o jovem leitor o afugenta. Não podemos esquecer que, sem estarmos motivados pela descoberta, nenhuma informação, por mais completa e importante que seja, conseguirá nos interessar ou será retida em nossa memória. Ora se isso acontece conosco, adultos conscientes do valor das “informações”, como não acontecerá com as crianças?
Felizmente, para equilibrar a balança, há já uma produção infantil e juvenil de alto ou muito bom nível, que conseguiu, com rara felicidade equacionar os dois termos do problema: literatura para divertir, dar prazer, emocionar… e que, ao mesmo tempo, ensina modos novos de ver o mundo, de viver, pensar, reagir, criar… E principalmente se mostra consciente de que é pela intenção da linguagem que essa intencionalidade básica é atingida… (127) [grifo nosso]
Nas peças aqui analisadas, podemos identificar diversas tentativas de colocar a aprendizagem ao lado do prazer para o espectador, fazendo da construção do conhecimento uma atividade divertida. Assim se refere ao ensino um personagem de A Rua da Fortuna (projeto História em cena, Centro Cultural Banco do Brasil, 1998), de Caio de Andrade:
Ibrahim – Pois saiba que, sem a sabedoria dos professores da academia, as tabuletas têm um trunfo muito mais eficaz, ensinam com alegria. Sim, pois não há nada mais engraçado nesta cidade do que as tabuletas. (128)
Ibrahim polariza o ensino formal como algo muito menos prazeroso do que o ensino informal, que faz parte de seu cotidiano e pelo qual ele aprende com alegria. Cabe-nos, porém, verificar nas peças selecionadas para a pesquisa quais são as estratégias utilizadas para proporcionar prazer aos espectadores.
Os espetáculos do projeto Peças de Museu (Museu do Telephone) usam números de plateia para entremear a informação desenvolvida em seu conteúdo. Tudo por um fio (1994) e Número, faz favor? (1998) reservam um espaço na montagem para a interação direta com os espectadores:
Ocupado – Por favor, todos de pé, de pé, por favor (a platéia fica de pé). Com vocês o mundialmente conhecido professor Graham Bell (o professor entra). Podem sentar (novamente, com gestos, faz com que a platéia sente).
(…)
Orelhão (Bell) – (…) (Desce para a platéia, sempre fazendo SI, FU, XI, PÁ) Para demonstrar que este método é de fácil compreensão peço a presença do senhor aqui na frente (pega uma pessoa da platéia e leva para o palco). (129)Augusto Malta – (…) (Acende luz da platéia) Aí na platéia tem algum Waldemar? (…) Algum por aí?… Não… Nenhum? O senhor aí… (Vai até alguém da platéia) Como se chama? (Suponhamos que ele se chame Geraldo) Gerallldooo!!!! Que ótimo nome!!!! Se não tem Waldemar vai o Geraldo mesmo (…) (Luz e música apoteótica. Do fundo da platéia surge o Narrador que empurra Geraldo para a cena.) (130)
Nessas duas passagens podemos perceber que a participação do público na cena já é prevista de forma precisa pelo texto teatral. Nas peças do projeto História em Cena (Centro Cultural Banco do Brasil), o autor utiliza outros meios para surpreender o público; em O Mandarim do Imperador (1997) e A Rua da Fortuna (1998), por exemplo, Caio de Andrade usa em cena efeitos mágicos e coreográficos:
(Felício vira-se para o tal candeeiro, leva um susto. Ele está aceso.)
Felício – Estranho. Não me lembro de ver aceso o candeeiro.
(Apaga o candeeiro. Quando se vira, ele acende novamente, sozinho.)
Felício – (Desconfiado) Mas que brincadeira é esta?!
(Então uma sucessão de pequenos acontecimentos começam a atormentá-lo. O cavalinho se mexe, o candeeiro pisca e da tal bola emana uma inacreditável luz. Felício não se contem e grita…)
Felício – Justino!!!
(Uma explosão. Atrás de uma fumaça de luz surge ele.) (131)(Como num passe de mágica, como se tivesse sido invocada pelas palavras de Ibrahim, aparece Jamila. Dançando, como num sonho, numa visão. A luz já não ilumina Moishe, nem Ibrahim. Jamila dança. Número de dança de Jamila) (132)
Os recursos utilizados pelos dois projetos pesquisados servem para instaurar outro clima para a cena, bem distante da “verborragia” para qual o didático pode facilmente deslizar. Usam-se esses recursos para agradar aos sentidos da platéia, o que nos lembra do conceito brechtiano de teatro culinário. (133) Não queremos com isso afirmar a imperiosidade de recursos similares a esses para que a fruição teatral seja prazerosa; estamos, antes, destacando a utilização desses meios como uma tentativa para alcançar um espetáculo didático divertido para crianças. Sabemos que o crivo para que o prazer esteja presente no público é a existência de uma instigante descoberta que se faz na observação da cena.
Assim, sem se preocupar em apresentar idéias e questões fáceis, que subestimam o intelecto infantil, o teatro para criança pode despertar o prazer pelo conhecimento, dando espaço para a imaginação criativa de seu público, seja pelos símbolos e metáforas, fundamentais ao espetáculo teatral para crianças, seja pela possibilidade de criar cenas que revelem seu processo de construção, desnudando suas descobertas:
Meditar com pedantismo sobre a produção de objetos – material ilustrado, brinquedos ou livros – que devem servir às crianças é insensato. Desde o Iluminismo isto é uma das mais rançosas especulações dos pedagogos (…) É que crianças são especialmente inclinadas a buscarem todo local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se processa de maneira visível. Sentem-se irresistivelmente atraídas pelos detritos que se originam da construção, do trabalho no jardim ou em casa, da atividade do alfaiate ou do marceneiro. Nesses produtos residuais elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e somente para elas. Neles, estão menos empenhadas em reproduzir as obras dos adultos do que em estabelecer entre os mais diferentes materiais, através daquilo que criam em suas brincadeiras, uma relação nova e incoerente (…) Dever-se-ia ter sempre em vista as normas desse pequeno mundo quando se deseja criar premeditadamente para crianças e não se prefere deixar que a própria atividade – com tudo aquilo que é nela requisito e instrumento – encontre por si mesma o caminho até elas. (134)
Walter Benjamin critica a postura pedante de alguns pedagogos em relação à criança, que busca maneiras de apresentar para “os pequenos” um universo adocicado, diminutivo e diferente do mundo em que eles estão inseridos. Mesmo assim, ressalta a importância de considerar as particularidades dessa fase da vida tão ávida por descobrir e apreender o mundo a seu redor. As reflexões e os “por quês” que a criança lança para o universo decorrem do prazer que ela encontra no ato de descobrir.
Como podemos ver na citação de Benjamin, a ligação entre conhecimento e diversão apresenta-se como condição fundamental ao interesse do indivíduo pelo aprendizado:
Comecemos novamente pelo princípio. Dissemos que o processo de aprender pressupõe uma mobilização cognitiva desencadeada por um interesse, por uma necessidade de saber. (135)
O artista que trabalha para um público composto por crianças deve questionar se o tema de um determinado espetáculo gera real interesse em sua platéia. Se o fizer, a própria investigação, o desvelar-se e o desdobramento da questão no espetáculo causarão prazer na fruição da obra teatral. O sucesso de um espetáculo direcionado a esse público é determinado pela maneira como se aborda a temática escolhida. Um bom resultado será alcançado com um tema que seja interessante e instigante ao olhar do público “infantil”, e que convide a criança de forma atraente à recepção desse espetáculo.
O interesse do espectador em enfrentar o debate estético proposto em uma obra está diretamente ligado à maneira como o artista o convida, o provoca e o desafia a se lançar no diálogo. (136)
Paulo Freire, em um de seus livros, que tem como um dos subtítulos Ensinar exige curiosidade, escreve sobre a importância do interesse para a aquisição de conhecimento.
Estimular a pergunta, a reflexão crítica sobre a própria pergunta, o que se pretende com esta ou com aquela pergunta em lugar da passividade em face das explicações discursivas do professor, espécies de respostas a perguntas que nunca foram feitas…
Antes de qualquer tentativa de discussão de técnicas, de materiais, de métodos para uma aula dinâmica assim, é preciso, indispensável mesmo, que o professor se ache “repousado” no saber de que a pedra fundamental é a curiosidade do ser humano. É ela que me faz perguntar, conhecer, atuar, mais perguntar, reconhecer (137) [grifo nosso].
As peças que têm em si intenções didáticas podem contar com seus títulos para anunciar o conteúdo que é trabalhado ao longo do texto, de maneira a aguçar a curiosidade de seu futuro espectador sobre um tema particular. Nessa reflexão, o título tem o importante papel de expor o elemento didático contido no texto, almejando uma divulgação do assunto que a peça pretende ensinar e despertando o interesse e o caráter investigativo do educando (indivíduo que é parte de um processo educativo).
O título, como destaca Ryngaert, é elemento relevante para uma análise dramatúrgica, podendo expressar a forma como o autor anuncia as questões tratadas no texto teatral, a maneira como ele sintetiza a ação cênica, assim como o modo como ele quer que sua obra seja divulgada. Muitas vezes, os autores, cientes da importância desse recurso, utilizam-se do título para anunciar um personagem importante, revelar o grande conflito de suas tramas, criar um clima inicial para a história ou evidenciar uma temática específica abordada.
Assim, nas peças didáticas para crianças, a grande importância do título deve-se ao fato de ele ser síntese do conhecimento que é explorado no desenrolar do espetáculo, assim como à capacidade de ser um chamariz para o conteúdo do texto, criando expectativas no público (criança ou professor/adulto) para uma questão.
Por mais que esses espetáculos tenham como público alvo a criança ou o adolescente, não se podem eximir de ser eficazes aos olhos dos adultos/professores, estes últimos, muitas vezes, sendo os responsáveis pela escolha e ida da criança/adolescente/estudante ao teatro.
Nas peças dos projetos institucionais selecionados para a presente pesquisa, podemos ver de que maneira os autores anunciam o tema/conteúdo no título de seus espetáculos e compará-los aos títulos utilizados pelos livros didáticos referentes ao mesmo tema.
Nos “programas curriculares”, encontrados nos livros didáticos propostos pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, Guia de Livros Didáticos 2005 de 5ª a 8ª série, (138) os títulos são enumerados de forma objetiva e direta em relação ao conteúdo desenvolvido em sala de aula durante cada processo escolar.
No projeto Peças de Museu, do Museu do Telephone, no Rio de Janeiro, temos os títulos: Tudo por um fio e Número, faz Favor?, que se referem, à invenção do telefone e à história da telefonista no Brasil, respectivamente. No entanto, nos livros didáticos sugeridos pelo PNLD não há nada que se refira diretamente ao tema das peças. Podemos, entretanto, nos contentar com títulos de temáticas afins às desenvolvidas pelas peças, nos livros didáticos da disciplina Ciência: Ondas e Som, (139) Estudo das ondas (som, luz e outras ondas eletromagnéticas) (140) e Física Ondulatória. (141)
No projeto História em Cena, do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, os títulos O Mandarim do Imperador, A Rua da Fortuna e O Jeca Voador e a Corte Celeste tratam da história do Brasil nas três primeiras décadas de 1900, respectivamente. Os livros didáticos em que encontramos equivalência de tema usam como título A Monarquia dos coronéis: a oligarquia cafeeira e o Brasil republicano (1889 – 1930), (142) República dos sonhos e a república real (143) e A Primeira República Brasileira.(144)
Podemos constatar que os títulos dos livros didáticos apresentam de forma direta o objeto a ser estudado na disciplina e não se preocupam em despertar o interesse do educando. Quanto aos títulos das peças, não é suficiente o anúncio do tema a ser desenvolvido, torna-se necessário acrescentar-lhes atrativos, aguçando seu futuro espectador.
Devemos também falar a respeito de outro elemento que é encontrado nas peças didáticas com intenções de divertir seu espectador: a comicidade. A peça brechtiana O julgamento de Luculus (1939) ( é um bom exemplo para a junção de didático e cômico.
Um recurso utilizado por Brecht que serve de exemplo é a comicidade de palavras, usada quando um dos personagens chama Luculus para seu julgamento; em vez de chamá-lo pelo nome correto, o personagem grita: Lôuculus. (146) Em outros momentos, é a situação que traz o humor para a cena, como, por exemplo, quando Luculus tenta convidar Alexandre da Macedônia para defendê-lo das acusações do júri; a cena sugere que ele seja convocado por uma espécie de “interfone celestial”, mas o chamado insistente é em vão, pois ninguém responde: (147) Alexandre não foi para o céu após sua morte. (148)
Já na peça Terror e miséria do Terceiro Reich (1935-1939) (149) podemos destacar uma fala em que o autor consegue alcançar o tom cômico e crítico em uníssono. Na cena, um operário define para o autor personagem o que é um “trabalho voluntário”:
… que faria o senhor, se quisesse obrigar aquele gato a engolir uma porção de mostarda? O funcionário pega o gato e lhe besunta o focinho de mostarda; claro, o bicho cospe tudo na cara do funcionário, não engole a mostarda, e arranha o homem de alto a baixo. Pois não é nada disso, diz o dr. Ley. Veja como eu faço: pega o gato e lhe aplica, com um gesto rápido, uma boa porção de mostarda no cu. [para as senhoras] Desculpem, mas faz parte da anedota! O infeliz animal, fora de si, pois a mostarda lhe arde no rabo horrivelmente, começa a lamber-se, a fim de se livrar do troço. Está vendo, meu caro? Agora, diz triunfante o dr. Ley, o gato está comendo! Assim é o trabalho voluntário! (150)
Ao nos remeter à comicidade encontrada nas peças analisadas, torna-se premente mencionar duas categorias de personagens que se destacam na discussão sobre diversão e o didático nesses textos.
Interessa à pesquisa a freqüente presença de dois tipos de personagem, comuns às peças de ambos os projetos, que aqui denominaremos personagens históricos e personagens fantasiosos.
Para nossa análise das peças, que abordam temas históricos (o projeto Peças de Museu, do Museu do Telephone, refere-se, nos dois espetáculos, à história da telefonia, e o projeto História em Cena, do Centro Cultural Banco do Brasil, nos seus três, à história da República brasileira), tornou-se importante a definição da categoria personagens históricos.
Inserir informações da história real na história ficcional requer uma atenção da pesquisa, principalmente pelo fato de as cinco peças estudadas visarem ao aprendizado de seu público. Por serem peças didáticas para crianças, acreditamos que existam limites para a relação entre ficção e história. Esse material deve ser afinado para que não seja corrompido pelo teatro a ponto de ensinar falsos conceitos históricos. Mas, dosar história e ficção requer também uma preocupação pedagógica (151) com a peça didática.
Igualmente indesejável seria a atitude de suprimir a ficção em prol de elementos históricos, reduzindo a peça a um discurso historicamente correto e fiel, mas de teatralidade duvidosa. Como solução à questão, resta ao diretor e ao autor do espetáculo conseguir o equilíbrio entre as dimensões históricas e ficcionais a serem utilizadas num projeto de teatro para crianças, que almeje contribuir para a formação de público para o teatro e para aquela instituição específica, bem como, de certo modo, contribuir para a formação de um futuro cidadão com acesso aos bens culturais de sua cidade.
Relacionar história real e história ficcional abre uma grande discussão, que Pavis nos apresenta em seu texto:
O problema mais delicado é captar a relação entre dramaturgia e história. O teatro mostra ações humanas inventadas ou que fazem referência a fatos históricos. A dramaturgia aborda a história desde que a peça reconstitua um episódio passado que realmente aconteceu (…) No trabalho do dramaturgo que fala da história, intervêm duas objetividades: a do historiador que julga diversos discursos sobre os acontecimentos e toma parte na explicação deles e aquela do escritor que seleciona e dispõe os materiais de sua fábula. O dramaturgo restitui, com seu texto, uma coerência à história (…). (152)
A tarefa do dramaturgo em lidar com um episódio passado transforma-o em um narrador-historiador que seleciona os fatos históricos a serem contados. Nessa “seleção” podemos então identificar os personagens que são aproveitados da história para fazer parte da ficção de peças didáticas para crianças. Assim, configuramos uma categoria específica, chamada de personagens históricos, que foi identificada nas peças analisadas.
Ao definir personagens, Pavis não se refere a “personagens históricos” e “personagens fantasiosos”, mas cria um quadro para referir diferentes graus de realidade dos personagens, que vão do geral (sentido mais amplo e menos real) ao particular, culminando no indivíduo.
Nossa categoria personagens históricos aproxima-se de um alto grau de realidade, em oposição à categoria personagens fantasiosos, que estaria do outro lado da escala (personagens menos reais).
O público alvo (153) das peças envolvidas nos projetos institucionais Peças de Museu, do Museu do Telephone, e História em Cena, do Centro Cultural Banco do Brasil é o jovem (criança e/ou adolescente). Disso decorre o fato de a dramaturgia e os espetáculos apresentarem personagens específicos, distantes da realidade, que aqui nomearemospersonagens fantasiosos.
Bruno Bettelheim menciona a necessidade infantil de fantasia e discorre sobre a presença desse elemento nos contos de fadas:
A criança, tão mais insegura do que o adulto, precisa assegurar-se de que sua necessidade de engajar-se em fantasias, ou sua incapacidade em deixar de fazê-lo, não é uma deficiência. Quando os pais narram contos de fadas para o filho, dão uma importante demonstração de que consideram as experiências internas da criança, enquanto personificadas nos contos, dignas de valor, legítimas, e de algum modo até mesmo “reais”. Isto faz com que a criança sinta que suas experiências internas foram aceitas pelos pais como reais e importantes, e que ela – implicitamente – é real e importante. (154)
Para Bettelheim, a literatura infantil requer fantasia porque trabalha com a realidade intelectual imaginativa da criança. Mais do que um elemento característico das obras que lhe são destinadas, a fantasia é uma prioridade para o público infantil.
Cruzando informações de Ryngaert e Bettelheim, procuramos analisar, nas peças em questão, a presença dos personagens fantasiosos, que são aqueles diretamente ligados ao imaginário, sonho ou fantasia. Deles fazem parte não só os personagens fantásticos (que não existem no plano real – fadas, bruxas, duendes…), como também os dotados de elementos da fantasia (animais falantes, humanos que voam, personagens exclusivamente circenses… (155)).
Os personagens históricos, como veremos, reúnem, nessas peças de teatro para crianças, intenções didáticas muito valiosas e diferenciadas, na medida em que nesse lugar encontram a oportunidade de saltar dos livros didáticos, que os mostram quase sempre de maneira estanque e congelada. E isso possibilita um olhar diferenciado sobre figuras históricas, aproximando-as dos universos da aprendizagem e do aluno. Dar vida a Graham Bell ou a D. Pedro II, mesmo em espetáculos de projetos institucionais voltados para a formação de público para essas casas, quando é o caso, é estabelecer um contato direto da criança com elementos históricos do passado, fazendo-a vivenciar nos espetáculos a experiência ocorrida, como se dela fosse participante, e propiciando, enfim, um modo diferenciado, mais orgânico e integral, para a obtenção de conhecimento com prazer; uma observação mais próxima, crítica e apreendedora a respeito dessas figuras históricas e suas posturas.
Nos textos analisados, é possível observar que alguns personagens históricos são inseridos na ficção. Em Tudo por um fio, de Cacá Mourthé e Maria Clara Machado (Peças de Museu, Museu do Telephone), são representados em cena a família Graham Bell (filho, pai e avô) e D. Pedro II. Em Número, faz favor?, de Cacá Mourthé e Eliana Caruso (Peças de Museu, Museu do Telephone), surge em cena, junto aos personagens ficcionais, o ex-presidente brasileiro Getúlio Vargas. Em O Mandarim do Imperador, de Caio de Andrade (História em Cena, Centro Cultural Banco do Brasil), D. Pedro II surge em um quadro pictórico que pode conversar com os personagens em cena. Em A Rua da Fortuna e O Jeca Voador e a Corte Celeste, de Caio de Andrade (História em Cena, Centro Cultural Banco do Brasil), não há, na verdade, qualquer personagem real na lista de personagens, o que, entretanto, não impede que esses sejam citados nos textos, como, por exemplo, em O Jeca Voador e a Corte Celeste, quando Fabrício Neves (que é o prefeito da cidade) se diz amigo íntimo do inventor brasileiro Santos Dumont. Em A Rua da Fortuna, o autor parece optar pela presença do real em cena por meio dos cenários, em lugar da utilização de personagens verídicos. Esse texto lida e fala com intimidade a respeito de locais cariocas que também são históricos: Rua da Alfândega, Rua do Ouvidor, Av. Rio Branco, Praça Onze…
Se por um lado surgem personagens que transpiram verossimilhança, por outro temos espelhos, quadros e cachorros falantes, palhaços, santos, super-heróis, fadas, duendes, bruxas, etc. – os personagens fantasiosos.
Tudo por um fio tem em quatro palhaços (Linha Cruzada, Ocupado, Orelhão e Fora do Gancho) os narradores principais da história, mas, além deles, surge também um cachorro falante. Em Número, faz favor?, há um espelho mágico que conversa com a personagem principal (Bigoudi) e uma inesperada vedete do Teatro Carlos Gomes, que surge magicamente no sonho de Bigoudi a lhe dar conselhos e avisos sobre seu futuro (a vedete assume função similar à das fadas-madrinhas dos contos de fadas).
O Mandarim do Imperador possui dois personagens com poderes mágicos que fazem diversos efeitos em cena: Albertini (personagem-título, o mandarim do Imperador) e Mashad Kabir (um bruxo), ambos com poderes “mágicos” suficientes para criarem um duelo com diversos efeitos técnicos em cena (relatados pelas didascálias). Além desses, o espetáculo apresenta duas telas (uma retratando o Imperador D. Pedro II, e a outra, o falecido Mathias, o leiloeiro) que têm a capacidade de falar com os personagens e entre si.
Em A Rua da Fortuna, um personagem chamado Gringo, que é o chefe do crime organizado, surge em cena e dela desaparece inexplicavelmente, como um personagem de histórias desuspense. O Jeca Voador e a Corte Celeste apresenta como personagens fantasiosos em cena Santa Bárbara (a santa protetora) e Zé Tico (uma espécie de matuto que possui o mágico talento de conversar com os entes celestes).
Analisar essas peças, que mantêm duas intenções específicas (temas históricos e público infanto-juvenil), revelou a combinação desses dois “tipos de personagem” (históricos e fantasiosos) num mesmo texto teatral.
Talvez possamos concluir, então, que o trabalho com personagens históricos e fantasiosos, numa cena teatral híbrida, de teatro para crianças, se constitui, nas peças desses projetos institucionais não escolares, como recurso didático estimulante para refletir tanto sobre o teatro na escola, no âmbito disciplinar, como sobre o teatro didático em geral. Encontra-se esse recurso, por outro lado, no cerne desta pesquisa, voltada para discutir relações entre conhecimento e diversão no teatro para crianças com intenções didáticas. Se entendermos que os personagens históricos estão ligados diretamente à história e ao aprendizado de seus conteúdos, e que os personagens fantasiosos se conectam à diversão do público alvo, temos, na análise dos personagens, a discussão principal da dissertação. Além de poder ressaltar a presença dessas duas categorias de personagens nos textos, podemos encontrar exemplos que sintetizam ainda mais essa situação híbrida, que aloja o conhecimento com prazer tanto no conteúdo disciplinar (história) quanto no ficcional:
- Em Tudo por um fio os quatro palhaços-narradores moram em grandes livros de História, de onde surgem no início do texto e para onde retornam no final da peça. Nesse exemplo, os grandes livros de História são o símbolo do didático, que é unido à imagem dos palhaços, personagens risíveis e ridículos.
- Em O Mandarim do Imperador, o quadro que representa D. Pedro II e está pendurado na parede comunica-se com personagens. O recurso traz à cena a figura histórica de D. Pedro II por um recurso mágico, como quadro-falante. Nesse caso, o personagem fantasioso é também personagem histórico (ou vice-versa) e sintetiza o didático e a diversão em um só elemento.
Com a eleição e a discussão dessas categorias de personagens (históricos e fantasiosos), operadas teatralmente em plano híbrido, podemos concluir que não chegamos a fórmulas de trabalho com as peças didáticas para crianças, nem nas análises das peças e nem nas discussões teóricas, e nem era esse nosso propósito. Pudemos, contudo, clarear as definições para essa prática e perceber que ela está sujeita a singularidades entre o artista e sua obra, sem excluir a possibilidade de que numa sala de aula essa forma de operação, com o livro didático ou não, também seja trabalhada.
Por outro lado, vimos que a intenção do artista com a produção do espetáculo interfere diretamente na construção da cena, ressaltando objetivos e questões que sejam mais relevantes para sua criação teatral. Será que são essas intenções que definem um espetáculo como didático? Entendemos que falar de intencionalidade é abrir uma questão profunda e que demandaria maior espaço para sua discussão, senão uma dissertação para ela exclusivamente voltada. Lembremos que Pavis ressalta o fato de que a categoria didática não se estabelece apenas pelas características da obra em si, mas depende dos objetivos de cada artista com a mesma:
É didático todo o teatro que visa instruir seu público, convidando-o a refletir sobre um problema, a entender uma situação ou a adotar uma certa atitude moral ou política.
Na medida em que o teatro geralmente não apresenta uma ação gratuita e privada de sentido, um elemento de didatismo acompanha necessariamente todo trabalho teatral. O que varia é a clareza e a força da mensagem, o desejo de mudar o público e de subordinar a arte a um desígnio ético ou ideológico. O teatro didático stricto sensu é constituído por um teatro moralizador… ou político (o agit-prop ou os Lehrstücke brechtianos) ou pedagógico (as peças didáticas ou pedagógicas, o teatro de tese,…) (156)[grifo nosso].
Sendo a intenção do artista a de operar objetivos didáticos, em espetáculos teatrais para crianças, valerá a pena observar sempre que este estará envolvido no complexo universo, teórico e prático, que engloba o conceito de didático. E que o termo é utilizado, nos dias de hoje, na prática e na crítica teatral, seja de forma pejorativa, seja de forma enaltecedora, desatenta a essa complexidade, como parecem atestar os exemplos abaixo:
A partir de agora, a garotada conhecerá a história do Brasil de uma forma divertida, atraente e didática. No próximo dia 12, estréia no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) a peça OMandarim do Imperador (157) [grifo nosso].
Com essa mesma visão positiva, apresenta-se o didático no Projeto História em Cena (Centro Cultural Banco do Brasil), contido em folder de divulgação do grupo:
Autor, diretor, elenco e demais profissionais de criação… são devidamente preparados por uma equipe de pesquisadores – contratados a cada projeto – para que possam, historicamente embasados, criar um espetáculo artisticamente palatável, sem esquecer o compromisso didático. O resultado é uma deliciosa mistura juntando ficção e realidade, com objetivo de ajudar na formação de um jovem mais consciente no seu papel como cidadão (158) [grifo nosso].
Por sua vez, em duas críticas jornalísticas feitas aos dois espetáculos do Projeto Peças de Museu (Museu do Telephone), o didático aparece como um adjetivo pejorativo que localizaria a positividade do espetáculo, justamente, na ausência de “tom didático”:
No palco, Dinho Valadares, Felipe Lazaris, Paula Otero e Marcelo Vianna se desdobram em vários personagens, quase clowns, para contar uma história, nada didática, sobre a história do telefone por Graham Bell… (159) [grifo nosso].
(…) Cacá e Eliana colocam em cena uma trama musical animada, onde Solica e Bigoudi, entre uma chamada e outra, revelam saborosíssimas histórias do Rio antigo, sem que a pesquisa chegue ao palco em tom didático (160) [grifo nosso].
Essa imprecisão de termos, aliás, não está associada exclusivamente ao teatro, mas atinge todas as outras linguagens que se associem à terminologia. Na literatura para crianças, Nelly Coelho também faz menção a “tênues” definições:
É talvez possível que, antes mesmo de ser cogitado o que seria específico ou ideal para uma literatura ou um estilo para crianças, tivesse sido colocada a questão que até hoje vem levantando controvérsias: a Literatura Infantil pertence à “arte literária”? ou à “área pedagógica”? As opiniões divergem muito. Uns defendem-na como literatura, outros exigem que ela seja didática e freqüentemente as posições se radicalizam. (Inclusive, as editoras que se especializam em literatura infantil, com os “decálogos” que impõem à criação dos autores, acabam radicalizando a intenção didática, uma vez que seu maior público consumidor se encontra nas escolas…). (161)
Voltando ao Dicionário da Língua Portuguesa, podemos observar os significados que são atribuídos a alguns verbetes manipulados no capítulo, que ainda merecem um espaço na análise:
Didático – Destinado a instruir. Que facilita a aprendizagem. Que proporciona instrução e informação, assim como prazer e divertimento.
Didatismo – Maneira afetada de ser didático (162)[grifo nosso].
Essas definições sugerem interpretações que reafirmam as reflexões que vêm sendo feitas ao longo do capítulo quanto ao lugar do “didático” e à busca das compreensões que o teatro para crianças vai estabelecendo a respeito das relações entre conhecimento e diversão. O termo didático aparece, nos casos estudados, quase sempre, com caráter mais direcionado, veicular, instrumental, sugerindo finalidades mais específicas. Por sua vez, é importante ressaltar que sua significação no verbete, tanto para o Dicionário da Língua Portuguesa como para Patrice Pavis, contempla termos como prazer e divertimento.
Aprender com diversão e vice-versa. Pode-se trabalhar o didático de uma maneira saborosa durante um espetáculo, fazendo com que ele mantenha as características que lhe são peculiares, mas conduzindo o espectador a uma reflexão que “assombra” de tanto prazer:
(…) um olhar de estranheza idêntico àquele com que o grande Galileu contemplou o lustre que oscilava. As oscilações surpreenderam-no, como se jamais tivesse esperado que fossem dessa forma, como se não entendesse nada do que se estava passando; foi assim que descobriu a lei do pêndulo. O teatro (…) tem de suscitar no público uma visão semelhante (…). Tem de fazer que o público fique assombrado (…).
Brecht (163)
Conhecimento que diverte é uma proposta possível, concreta e valiosa no teatro para crianças com objetivos didáticos e institucionais não localizados, necessariamente em casas tradicionais de espetáculos ou nos locais destinados à apresentação de peças nas escolas.
Notas de Rodapé
1. Brook, Peter. A porta aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro. Tradução Antônio Mercado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, pp. 98-99.
2. Brasil, op.cit., pp. 60-61.
3. A parceria com Maria Clara Machado aparece na publicação da peça (no livro Tudo por um fio), embora, na cópia do texto consultada na Sbat a autoria assinalada é exclusiva de Cacá Mourthé.
4. Cópia de “O casamento do prefeito” (O Jeca Voador e a Corte Celeste) encontrada nos arquivos da Sbat, p. 36.
5. Ryngaert, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
6. Idem ibidem, p. 21.
7. Professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade São Paulo – ECA-USP. Autora de diversos livros na área de teatro-educação.
8. Koudela, Ingrid Dormien.Brecht: um jogo de aprendizagem. São Paulo: Perspectiva, 1991, p. 29.
9. Nas traduções das peças para a língua portuguesa, publicadas pela editora Paz e Terra (Rio de Janeiro), mantêm-se alguns desses subtítulos, como: O vôo sobre o oceano – peça radiofônica para rapazes e moças, Aquele que diz sim e aquele que diz não – ópera escolar,A exceção e a regra – peça didática, Os horácios e os curiácios – peça escolar, A decisão –peça didática.
10. Foi professor de Filosofia da UFRJ, onde se aposentou. Em seguida, foi professor pesquisador da UERJ e autor de diversos livros na área de filosofia. No que se refere ao teatro, escreveu também os títulos O sentido e a máscara e Teatro: a cena dividida. A obra de referência para a discussão sobre o “teatro didático” é Brecht: a estética do teatro, da editora Graal.
11. Reiner Steinweg, autor alemão pesquisador da obra de Brecht, é citado diversas vezes no livro Brecht: um jogo de aprendizagem, de Ingrid Koudela.
12. Koudela, op.cit., p.5. A autora faz citações (em aspas) de Reiner Steinweg, Das Lehrstück(1972).
13. Bornheim, Gerd. Brecht: a estética do teatro. São Paulo: Graal, 1992.
14. Brecht apud Bornheim, “O teatro didático: segunda fase”. In. Bornheim, op. cit., p. 203.
15. Bornheim, op. cit., p. 200.
16. Brecht apud Bornheim, op.cit., p. 185.
17. Idem ibidem, p. 203.
18. Bornheim, op.cit., p. 205.
19. Idem ibidem, p. 205.
20. Idem ibidem, p. 183.
21. Idem ibidem, p. 205.
22. O conceito “não aristotélico” é bastante polêmico, pois se baseia na negação da regra das três unidades (ação, tempo e lugar) proposta na Poética, de Aristóteles.
23. Brecht, Bertolt. Teatro de Diversão ou Teatro Pedagógico. In: Teatro Dialético. Seleção e introdução: Luiz Carlos Maciel. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, p. 97.
24. Pupo, Maria Lúcia de Souza Barros. No reino da desigualdade: teatro infantil em São Paulo nos anos setenta. São Paulo: Perspectiva, Fapesp, 1991.
25. Idem ibidem, p. 50.
26. Pavis, Patrice. Dicionário de teatro. Tradução sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 385.
27. Brecht apud Carvalho, Flávio Augusto Desgranges de.“O teatro épico e a criança”,Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, sob a orientação da Profa. Dra. Estela dos Santos Abreu, Niterói, 1995, p. 133.
28. Pupo, op. cit., p. 68.
29. O Jeca voador e a corte celeste – versão cedida pelo autor –, pp. 32-33.
30. Benjamin, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades, Ed. 34, 2002, p. 11.
31. Idem ibidem, p. 14.
32. Bettelheim, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 54.
33. Idem ibidem, p. 50.
34. “Explicação” e “didatismo” são termos colocados como sinônimos no roteiro de análise qualitativa da pesquisa.
35. Pupo, op.cit., p. 51.
36. Idem ibidem, p. 50.
37. Bettelheim, op.cit., p. 150.
38. Pupo, op.cit., p. 51.
39. Libâneo, op. cit., p. 64.
40. O Mandarim do Imperador. Cópia cedida pelo autor, p. 13.
41. A Rua da Fortuna. Cópia cedida pelo autor, p. 29.
42. Ibidem, p. 22.
43. Pupo, op. cit., p. 101.
44. O adjetivo infantil aparece com o significado de próprio de alguém que se comporta como criança; ingênuo; tolo, em Houaiss e Vilar, op. cit.
45. Carvalho, op.cit..
46. Idem ibidem, p. 120.
47. Idem, A pedagogia do espectador. Tese de doutorado em Educação pela Feusp, orientada pelo prof. Dr. Celso Fernando Favaretto, São Paulo, 2001, p. 146.
48. Machado, Maria Clara. O que deve se oferecer à criança?. In: Cadernos de Teatro, nº 164-5, Rio de Janeiro: O Tablado, 2001.
49. Nunes, Luiz Arthur. Do livro para o palco: formas de interação entre o épico literário e o teatral in Percevejo, revista de teatro, crítica e estética, ano 8, n. 9. Rio de Janeiro: Departamento de Teoria do Teatro, Programa de Pós-Graduação em Teatro/ UNIRIO, 2000, p. 40.
50. Fernandes, Silvia. Notas sobre dramaturgia contemporânea in Percevejo, revista de teatro, crítica e estética, ano 8, n. 9. Rio de Janeiro: Departamento de Teoria do Teatro, Programa de Pós-Graduação em Teatro/UNIRIO, 2000, pp. 25-26.
51. A Rua da Fortuna. Cópia cedida pelo autor, pp. 8-9.
52. Ibidem, pp. 10-11.
53. Bornheim, op.cit., p. 187-188.
54. Brecht, Bertolt. Teatro completo em 12 volumes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, volume 4, 1991.
55. Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, pp. 33-34.
56. Brecht, op. cit., vol.4, p. 201 (fala do personagem Iwan).
57. Libâneo, op.cit., p. 84.
58. Brecht, op.cit., 1991, vol. 7.
59. Idem ibidem, p.19.
60. Brecht, Bertolt. Pequeno Organon para o Teatro, in: Brecht, op.cit.,1967, pp.183-188.
61. A Teoria dos Gêneros é a primeira parte do livro de Rosenfeld, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Ed. Perspectiva, 4a ed., 2000.
62. Rosenfeld, op.cit.
63. Definições extraídas de Houaiss e Vilar, op.cit.
64. Rosenfeld, op. cit., p. 25.
65. A peça é dividida em um ato e sete quadros.
66. Tudo por um fio, cópia da SBAT, p. 2.
67. Ibidem, p. 7.
68. Ibidem, p. 8.
69. Ibidem, p. 9-10.
70. Ibidem, p.12.
71. Ibidem, p.15.
72. Ibidem, p.15.
73. Exceto o primeiro anúncio, que se refere à aparição dos palhaços e à história que eles vão contar naquele momento.
74. Fragmento da música “A Família Bell”, de Ricardo Gilly, retirado de Tudo por um fio, cópia da Sbat, p. 18.
75. “A catarse é um das finalidades e uma das consequências da tragédia que (… ) assimila a identificação a um ato de identificação e de descarga afetiva”, Pavis, op.cit., p. 40.
76. O CD com o mesmo nome da peça, produzido pelos responsáveis pela primeira montagem do espetáculo, contém todas as músicas e grande parte do texto da peça.
77. Número, faz favor, cópia da Sbat, p.1.
78. Ibidem, p. 2.
79. Há no texto (cópia da Sbat) seis músicas, cujos autores são: Cacá Mourthé, Ricardo Mansur, Dedina Bernardelli, Millôr Fernandes, Alessandra Maestrini e Pedro Kosovski.
80. Música de Ricardo Mansur. Número, faz favor (cópia da Sbat), pp.7-8.
81. Música de Millôr Fernandes e Ricardo Mansur. Ibidem, pp.11-12.
82. Música de Alessandra Maestrini. Ibidem, pp. 17-18.
83. Com relação a essa expressão não podemos deixar de mencionar sua ligação com o teatro de revista, a ser comentada nesta análise. A crônica é a compilação de fatos históricos apresentados em ordem cronológica, assemelhando-se, portanto, à idéia de fragmentação e cronismo, própria da revista.
84. Exceto em O Jeca Voador e a Corte Celeste, que tem a figura do narrador explicitada no início e no final do texto.
85. O Mandarim do Imperador. Cópia cedida pelo autor, p. 10.
86. A Rua da Fortuna. Cópia cedida pelo autor, p. 3.
87. O Jeca voador e a corte celeste, versão cedida pelo autor, p. 2.
88. Ibidem, p. 47.
89. Segundo Pavis, o distanciamento compreende um “procedimento de tomada de distância da realidade apresentada: esta aparece sob uma nova perspectiva, que nos revela seu lado oculto ou tornado demasiado familiar”. (Pavis, op.cit., p. 106).
90. Brecht, O efeito de distânciamento nos atores chineses in: Brecht, op.cit., 1967, p. 109.
91. Rosenfeld, op.cit., p. 25.
92. Idem ibidem, p. 26.
93. Carvalho, op. cit., 2001, p. 76.
94. A divisão de cenas em Tudo por um fio, tanto na cópia cedida pela autora quanto na publicação, é chamada de quadros.
95. Veneziano, Neyde. O teatro de revista no Brasil: dramaturgia e convenções. Campinas: Pontes: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1991, p. 88.
96. Idem ibidem, p. 88.
97. No texto, não podemos ignorar também a presença da personagem “vedete do Teatro Carlos Gomes”.
98. Rosenfeld, op.cit., p. 157.
99. Bergson, Henri. O Riso. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 4.
100. Nos estenderemos mais a esse respeito no tópico Didático e Diversão, ainda neste capítulo.
101. A análise dos títulos como elementos que atraem os espectadores e despertam sua curiosidade será feita adiante, no tópico Didático e Diversão, deste capítulo.
102. Ryngaert, op.cit., p. 37.
103. Freire, op. cit., p. 140.
104. Nas capas de O Mandarim do Imperador e O Jeca Voador e a Corte Celeste não há referência espacial e temporal.
105. A Rua da Fortuna. Cópia cedida pelo autor, p. 9.
106. Jeca aqui se refere ao personagem popular da literatura brasileira, o “Jeca Tatu” do conto Urupês (1914) de Monteiro Lobato. Jeca Tatu é, no conto, um personagem caipira do interior paulista e hoje serve de referência para as pessoas que denunciam apego pelas coisas da roça. (Lobato, Monteiro. Urupês. São Paulo: Brasiliense, 1994).
107. Apesar das divergências norte-americanas (que atribuem o título de inventor aos irmãos Wright), considera-se o avião uma invenção do brasileiro Alberto Santos Dumont, realizada na França em 1906. Em ceú brasileiro, foi Edmond Plauchut que voou pela primeira vez, em 1911. No Brasil todos os vôos do período 1911-1927 eram de âmbito particular; só depois ocorreu a criação da aviação comercial brasileira, (http://www.portalbrasil.net/aviacao_histbrasil.htm).
108. Pavis, op. cit., pp. 196-197.
109. Rosenfeld, op. cit., pp. 24-25.
110. Brecht, op. cit., 1967, p. 96.
111. Idem ibidem, pp. 101-102.
112. Brook, Peter. Fios do tempo: memórias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
113. Bornheim, op.cit., p. 191.
114. Carvalho, op.cit., 1995, p. 37.
115. Brecht, op.cit., 1967, p. 184.
116. Idem ibidem, p. 67.
117. Idem ibidem, p. 68.
118. Idem ibidem, pp. 97-98.
119. Teixeira, Francimara Nogueira. Prazer e Crítica: o conceito de diversão no teatro de Bertolt Brecht. São Paulo: Annablume, 2003, p. 53.
120. Brecht, op. cit., 1967, p. 99.
121. Carvalho, op.cit., 2001, p. 117.
122. Brecht, op.cit., 1967, p. 99.
123. Idem, op.cit., 1991.
124. Idem ibidem, p.159.
125. Vigotski, Lev Semenovitch. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 31.
126. Piegon apud Carvalho, op.cit., 2001, p. 80.
127. Coelho, op.cit., p. 25.
128. A Rua da Fortuna. Cópia cedida pelo autor, p. 12.
129. Tudo por um fio. Cópia da Sbat, pp. 7-8.
130. Número, faz favor. Cópia da Sbat, pp. 24-25.
131. O Mandarim do Imperador. Cópia cedida pelo autor, pp. 11-12.
132. A Rua da Fortuna. Cópia cedida pelo autor, p. 21.
133. Ver no tópico “A referência Bertolt Brecht: estudos brasileiros”, neste mesmo capítulo, breve justificativa da expressão.
134. Benjamin, op.cit., p. 103.
135. Coll, et al., op. cit., p. 31.
136. Carvalho, op. cit., 2001, p. 21.
137. Freire, op. cit., pp. 95-96.
138. O Guia de Livros Didáticos, elaborado pelo PNLD pode ser encontrado no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (www.fnde.gov.br/guiasvirtuais/pnl2005).
139. Gewandsznajder, Fernando. Coleção Ciências, 8ª série. São Paulo: Editora Ática.
140. Cruz, Daniel. Coleção Ciências e Educação Ambiental, 8ª série. São Paulo: Editora Ática.
141. Alvarenga, Jenner Procópio; Gomes, Wellington Caldeira; D’Assunção Filho, Moacir Assis; Pedersoli, José Luiz. Coleção Ciências Naturais no Dia-a-Dia, 7ª série. Rio de Janeiro: Editora Dimensão.
142. Furtado, José Pereira; Villa, Marco Antonio. Coleção Caminhos da História, 6ª série. São Paulo: Editora Ática.
143. Mozer, Sonia Maria; Nunes, Vera Lúcia Pereira Telles; Bonifazi, Elio; Dellamonica, Umberto. Coleção Descobrindo a História, 6ª série. São Paulo: Editora Ática.
144. Alves, Katia Corrêa Peixoto; Belisario, Regina Célia de Mora Gromide. Coleção Diálogos com a História, 8ª série. Rio de Janeiro: Editora Dimensão.
145. Brecht, op. cit., 1991, vol. 7.
146. Idem ibidem, p. 25-26.
147. Idem ibidem, p. 27.
148. Idem ibidem, p. 30.
149. Brecht, op. cit., 1991, vol.5.
150. Idem ibidem, pp. 196-197.
151. Não é de admirar a preocupação de fazer constar na ficha técnica das peças dos dois projetos um assistente teórico para cuidar da abordagem pedagógica do tema.
152. Pavis, op. cit., p. 194.
153. Não devemos criar rótulos, especificando faixas etárias precisas para a platéia, mas sabemos que o material das peças, quanto ao conteúdo didático desenvolvido em seus textos, no projeto Peças de Museu (Museu do Telephone) atinge desde crianças pequenas a adolescentes (o conteúdo “Invenção e Tecnologia” é trabalhado desde o segundo ciclo – terceira e quarta séries – até o quarto ciclo – sétima e oitava séries do ensino fundamental) e no projeto História em Cena (Centro Cultural Banco do Brasil) prioriza os estudantes do quarto ciclo (sétima e oitava séries do ensino fundamental). Não podemos, porém, limitar a essas faixas nosso entendimento do público dessas peças, pois acreditamos que podem ser eficazes para e apreciadas por todos, adolescentes e crianças.
154. Bettelheim, op. cit., p. 80.
155. Os personagens circenses a que nos referimos compreenderiam aqueles que não têm outra identidade a não ser a circense. Não têm no circo uma atividade laboral, mas são personagens exclusivos da fantasia circense.
156. Pavis, op. cit., p. 386-387.
157. “Aprendendo história no CCBB”, Jornal dos Sports. 8 de agosto de 1997.
158. Folder do projeto História em Cena – educação em primeiríssimo plano, de 1999, em anexo.
159. “Surpresa alegre e cativante”, Jornal do Brasil. 6 de agosto de 1994, Caderno B. Crítica de Lúcia Cerrone – Teatro Infantil – Tudo por um Fio.
160. “Uma divertida pesquisa sem tom didático”, idem ibidem, 15 de agosto de 1998.
161. Coelho, op. cit., p. 24.
162. Houaiss e Villar, op. cit., p. 1.036.
163. Brecht apud Carvalho, op. cit., 2001, p. 105.