Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 09.08.1980

Barra

Chapeuzinho amarelo de medo

A boa ideia de adaptar o livro de Chico Buarque – O Chapeuzinho Amarelo – acabou resultando num bom espetáculo a que o público carioca pode assistir no Teatro Candido Mendes, com direção de Zeca Ligiero. O ponto de partida de tudo é o medo. A personagem Chapeuzinho Amarelo assume a posição de que o mundo é mau e, em consequência, torna-se solitária e insegura, colocando uma barreira entre seu desejo de obter o prazer e as fantasias de temor total trazidas pelos seus fantasmas. Ela não brinca, não sai de casa, não quer sujar a roupa, detesta (detesta mesmo?) isso e aquilo; é, enfim, uma chata consumada. A perspectiva de vida de Chapeuzinho Amarelo é a mais triste possível. Mas ela tem um encontro em sua vida e isso vai modificar todas as suas posições doentias em relação ao mundo. E, evidentemente, para um Chapeuzinho que se preza, esse encontro só poderia ser mesmo com um lobo.

A encenação de Zeca Ligiero é inteligente, interessante, criativa. O espetáculo conta com bons achados, como o som do ping-pong apertando os copos de plástico, ou como o telefone feito com um cabide e com um desentupidor de pia. As roupas criam um visual alegre e colorido e a música, de Chico Sá e Ricardo Pavão ajuda a criar um bom clima. Há um agradável tom de comicidade, tanto com a mulher de quatro braços como com a “deusa da meleca”. E Zeca conta ainda com um bom elenco: Felipe Pinheiro, Juliana Prado, Chico Sérgio, Zezé Polessa, Márcio Faluão e Jana Castanheira sustentam bem as propostas do espetáculo, com segurança e boa comunicabilidade.

Surpreendentemente, a encenação sofre uma queda quando vai se aproximando do final, que é, exatamente, o momento do encontro entre “Chapeuzinho” e o “Lobo”. Durante a maior parte do espetáculo cria-se, para a plateia, a informação de que “Chapeuzinho” é a pessoa que tem medo de tudo. Cria-se, também, a expectativa do encontro de uma grande medrosa com o lobo (que já carrega, nas costas, a conotação de ser mau). E o que acontece nesse encontro? A Chapeuzinho Amarelo sofre uma brusca (brusquíssima!) transformação, perde o medo e passa a brincar com o lobo. Desta forma o espetáculo joga fora toda a tensão dramática do encontro; e joga fora, também, o prazer que o público teria ao notar a gradativa transformação do personagem – não través de um passe de mágica – mas através de uma maneira mais clara e aberta de encarar o mundo e seus lobos (que nem sempre são maus). Há uma queda na encenação e o final fica meio chocho. De qualquer forma, essa é uma observação de um aspecto que empobrece o espetáculo, mas não lhe tira o valor de ser um bom programa para as crianças cariocas.