Crítica publicada no Site do CEPETIN
Por Maria Helena Kühner – Rio de Janeiro – 03.08.2009
O Cavalinho Azul é, com boas razões, um dos clássicos da dramaturgia destinada a crianças. A saga do menino que vê a realidade com os olhos de sua fantasia e imaginação atinge uma das características básicas do desenvolvimento da criança, que se move ainda entre o princípio do prazer e o princípio da realidade, como assinalou Freud. Mas a obra vai além: ao contrapor o sonho do menino à atitude dos adultos (pai, donos do circo) para quem até seres vivos como o cavalinho e o palhaço são avaliados unicamente por seu valor em dinheiro; ou ao confrontar sua obstinação e perseverança com a postura e rigidez dos adultos da cidade, que nada veem nem querem ver porque “não têm tempo a perder”; ao ligar o menino à figura protetora do andarilho João de Deus, que para ele se torna um “Deus” capaz de ver tudo que se passa em todos os lugares (mas, pela imaginação e o sonho também não se pode tudo ver?…); ao fazer o sonho tornar-se “real” e presente na cena tal como o menino o via, a peça extrapola o infantil e reafirma a validade da própria imaginação criadora e de todos os sonhos e utopias.
Para isso muito contribui o espetáculo montado no Tablado. Uma boa direção é aquela que consegue dar unidade a um conjunto e criar uma escrita cênica capaz de tornar visualmente presentes a ação narrada e os personagens, traduzindo para os olhos o que é dito no texto. A direção tranquila e segura de Cacá Mourthe o consegue plenamente, com um espetáculo simples, mas cuidado em todos os seus detalhes. O elenco traz à cena o menino ingênuo e sonhador, os “bandidos” e a figura mágica e protetora de João de Deus sem as apelativas momices, caretas, gritinhos e fala tatibitati tão frequentes nas equivocadas interpretações do que julgam ser esta a forma de atingir um público infantil. Pelo contrário, sua interpretação despojada e comunicativa é por isso mesmo muito mais eficaz. Projeções cinestésicas e mudanças de cenário vão compondo com poucos elementos a ambientação cênica dos diferentes lugares e situações por que passa o menino em sua jornada em busca de seu sonho: nas projeções, dos morros de seu meio rural natal à aglomeração de casas e prédios que marcam a área urbana; nos elementos de cenário, a sugestão, com um único elemento a cada vez, da zona rural, do circo, da cidade grande. Nas figuras e figurinos o confronto permanente entre uma realidade em que o dinheiro impera e a fantasia do menino – e da menina, que ela embarca – ou se manifesta na ambígua figura de um Deus mendigo e andarilho, nas expressões do palhaço, na dança dos elefantes e, sobretudo, no próprio cavalinho que surge ao final, em uma atmosfera mágica, envolvendo e seduzindo o espectador infantil.
É uma alegria quando se pode recomendar um espetáculo dizendo: isso é teatro para crianças, um teatro que as seduz e respeita como elas merecem. E comprova que, para esse teatro, duas coisas são essenciais:
– um bom texto, que tenha o que dizer e saiba como dizê-lo;
– uma carpintaria cênica que capaz de traduzi-lo de maneira adequada e criativa.
Parece que é pedir muito pouco. Mas é tudo de que se precisa para algo que queira e possa ainda ser chamado de teatro.