Elke Maravilha em O Castelo das Sete Torres

Crítica publicada em A Notícia -Teatro Infantil
Por Arlindo Blanco – Rio de Janeiro – 13.01.1979

Barra

O Castelo abre suas portas

Prometemos, na coluna de quinta feira última, voltar hoje ao Castelo das Sete Torres, para falar dos sonhos de seus construtores e atores/habitantes. A peça, sem dúvida uma das mais interessantes até hoje escrita pelo premiadíssimo Benjamin Santos para crianças, estreia esta tarde (16h) no Teatro Gláucio Gill e estará em cartaz sempre aos sábados e domingos, no mesmo horário.

O Castelo das Sete Torres, como antecipamos então, é uma das produções mais caras de todos os tempos, neste gênero teatral. Tem roupas, no riquíssimo naipe de figurinos desenhados por Laerte Thomé, que chegam a pesar mais de cinco quilos. E não é só: tudo, nesta montagem, da música aos cenários e adereços, foi feito expressamente, e não readaptado. Não se olhou ao custo, nem às conhecidas dificuldades de retorno do investimento: “todo o apoio necessário à realização nos foi dado pelos produtores Rodrigo Farias Lima e José Roberto Mendes”, garante o diretor Luís Mendonça. E o resultado foi um clima de alegria e descontração durante os ensaios, diz Rachel Levy, que dirigiu a expressão corporal e confessa: “É bom poder trabalhar assim”.

Com Rachel, aliás, sai-se do árido problema financeiro, de que mais acentuadamente tratamos na coluna de quinta-feira, e passa-se aos domínios poéticos, às euforias e comunhões da criação. Eis como ela vê a peça e o trabalho de que foi uma das colaboradoras mais influentes:

“A criança em cada um de nós é vivida através do Imperador, com a necessidade de partir a cada momento, de romper com o velho em direção ao novo, de entrar no Túnel assumindo o mistério e o desconhecido até encontrar a Porta de saída.

A Grande Estrela Luminosa aparece ao longe como um estímulo para nossos impulsos mais antigos e uma revitalização para a difícil ultrapassagem da mágica à realidade, do sonho ao encontro real.

Vovó Rainha aceita, ampara, brinca, permite ao pequeno Imperador vivenciar suas fantasias e encaminhar seus símbolos em direção à realidade objetiva, enquanto Dona Lírica e sua Corte denunciam a estereotipação, o enquadramento e os rituais sociais desprovidos de sentido na criatividade da criança.

O jogo dialético cotidiano no texto concede à equipe de montagem e aos atores a oportunidade de recriar esse mundo interno da criança, pela quantidade de estímulos que oferece, tendo possibilitado um sem cessar de descobertas que enriquecem o espetáculo e deram vida e significado mais intenso a cada personagem e a cada cena, com o diretor Luís Mendonça um trabalho feliz: a permissão silenciosa, as sugestões delicadas, a aceitação de longe, o crédito.

Com Caíque Botkay a surpresa: a mesma linguagem, a troca, o mesmo tom, o mesmo caminho percorrido: a cuca, o corpo, o som. Um encontro.

A sorte de um elenco rico. Rico de vontade, de disponibilidade e alegria. O canto claro, o movimento fácil e a possibilidade constante de crescer no trabalho e na relação”.

Mas o que é O Castelo das Sete Torres? Quem fala agora é Luís Mendonça, um dos nossos mais ativos e premiados experimentalistas de teatro popular (entre outros deslumbramento, ele nos ofereceu Viva o Cordão Encarnado) e muito treinado, também, no teatro para crianças, área em que dirigiu O Pequeno Polegar, de Iclemar Nunes, A Volta do Camaleão Alface, de Maria Clara Machado, Reinações de Monteiro Lobato, de Maria Helena Kühner, Faça Alguma Coisa Pelo Coelho, de Pedro Porfírio e Dom Quixote de La Mancha, de Alexandre Marques:

“Para mim, Benjamin Santos, hoje, não é autor de teatro infantil, mas um autor de peças brasileiras totalmente abertas para o mundo novo e que franqueiam o mundo da fantasia a públicos de qualquer faixa etária. Esta sua nova peça discute, no mundo de sonho da criança, as contradições do poder desde o governo materno aos governos “maiores”. E isso sem fugir um segundo da magia, da fantasia e do sonho infantil: sua linguagem teatral é livre, aberta e simples”.

Caíque Botkay, embora jovem, já tem um longo currículo, enquanto autor de músicas para teatro. Sua participação valorizou substancialmente espetáculos como História de Lenços e Ventos, A Rainha Morta, Urubu-Rei, Avatar, Nau Catarineta e Tá Na Hora, Tá Na Hora. Do seu trabalho em O Castelo das Sete Torres, como compositor e diretor musical, diz:

“Quando me telefonaram para fazer o trabalho da música, aceitei logo que soube que a direção era de Mendonça. Um teatro popular, tremenda escola. Estou querendo não só trabalhos, mas pessoas. Vai daí, vem o texto. Tem muito tempo que eu não vejo uma peça de aventura. E com suspense. Mas atenção, atenção: aventura sim, aventureira não. Aventura com as barras e os poemas do mundo infantil. Ao mesmo tempo, um clima medieval, pirado, familiar, brasileiro. Ao trabalho e o que é melhor: muita harmonia no grupo. Carta branca para palpite. E tome frevo, música medieval, baião, vocais. Conversa séria, brincadeira, conversa fiada. Se é peça para criança, se não é. Afinal, o que é uma peça para criança? A música comentando, podendo criticar, discordar. Chovendo no molhado: o resultado é o produto desse grupo, de suas ideias mais o autor”.

Os atores/habitantes de O Castelo das Sete Torres são Elke Maravilha, Ana Lúcia Torre, Marcos Miranda, Ana de Fátima, Denise Assunção, Lucy Montebelo, Rose Adario, Fernando César, João Elias, Fernando Wellington, Luís Carlos Niño, Ricardo D’Amorim e Jairo Lara (flautista). Em sua maioria, jovens ainda na fase da descoberta de si mesmos, buscando um caminho: Denise Assunção, por exemplo, já foi percussionista e cantora, mas decidiu assumir-se como atriz depois de trabalhar em A Árvore dos Mamulengos, maravilhoso espetáculo realizado por Vital Santos para o Teatro Guaíra, de Curitiba, e no filme Jeca e Seu Filho Preto, de Mazzaropi; Ricardo D’Amorim ficou longo tempo hesitando entre a sonoplastia e a contrarregra; Ana de Fátima graduou-se em ciências humanas antes de optar pelo palco; a própria Elke, essa criatura mágica, que a todo momento nos surpreende com as suas metamorfoses, mas que se mantém sempre disponível, democrática, tolerante, amorável, como se o mundo fosse uma caixinha de música encantada e encantatória, já trabalhou até em circos e se divide entre as passarelas da alta costura, o teatro A Rainha Morta, Viva o Cordão Encarnado e Eu Gosto de Mamãe, a televisão e o cinema. Outros ainda frequentaram as escolas onde, teoricamente, se ensina teatro, casos de Rose Adario, que cursou a Fefierj e Marcos Miranda, oriundo da Escola de Teatro Martins Pena; Lucy Montebelo estuda cenografia e indumentária na Escola Nacional de Belas Artes, mas, antes de O Castelo, já se experimentara como atriz, com Silvia Orthof, em Cantarim Cantará. E Luís Carlos Niño, que tem apenas 12 anos, encontrou em casa excelentes mestres: é filho de Luiz Mendonça e de Ilva Niño.

Juntos, formam um quadro de talentos, uns já reconhecidos pela crítica, caso de Ana Lúcia Torre, que indicou a medida das suas brilhantes faculdades de atriz em peças como Vida e Morte Severina, Equus e Fero-Cidades, outros ainda em formação. Pode esperar-se deles o rendimento vivo e esfuziante que Luís Mendonça sabe extrair dos elencos que dirige. E, até onde dá para avaliar pela simples leitura da peça, deve esperar-se também, que o espetáculo, ainda que mais especificamente dirigido à camada infanto-juvenil, seja aliciante para públicos de todas as idades, como diz Luís Mendonça, que é, como Elke, uma personalidade mágica, sempre pronta a navegar de velas enfunadas no mar da vida, desconhecendo arrecifes e bonascas.