Um clássico do teatro infantil brasileiro, o texto de Lucia Benedetti, 1948,
volta ao palco com novidades, como figurinos de Rosa Magalhães


Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 29.03.1996

 

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Peça criada de fato para crianças

O Casaco Encantado, de Lúcia Benedetti, é o primeiro texto escrito especialmente para crianças no Brasil. Mesmo que dispute esse pioneirismo com A Revolta dos Brinquedos, de Pernambuco de Oliveira (ambos são de 1948), O Casaco Encantado é muito mais que um marco. Sua autora não se dedicou apenas à dramaturgia. Também é dela um dos primeiros livros (Aspectos do Teatro Infantil) feitos especialmente para profissionais da área. Grande contadora de histórias, Lucia Benedetti é hoje a memória viva do teatro para crianças. Dessa maneira, uma reedição de sua obra seria mais do que bem-vinda por esse teatro que está prestes a perder seu público.

O Casaco Encantado, em cena no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, é uma peça completamente estruturada, com começo, meio e fim, sem lugar para muitas invenções. Melhor do que isso: não pretende atingir uma ampla faixa de público. A peça é para crianças.

Num reino qualquer, dois alfaiates derrubam um balde de tinta no casaco do rei. Sob pena de que suas cabeças sejam cortadas, têm que aprontar um novo casaco do dia para a noite. Terminada a tarefa, chega à casa um mago que, depois de um desentendimento, transforma um dos alfaiates em sapo e faz pular,
sem parar, todo aquele que vestir o casaco. Cumprindo algumas etapas da trama, o final feliz, mas não óbvio, é enfim alcançado.

Com todos os requisitos que eternizam os contos de fadas, como os amuletos mágicos, as transformações e outros signos, o texto não necessita de adaptações á modernidade para ser apreciado.

Na versão atual, porém, alguma coisa foi mudada. Além de suprimir a figura do narrador, os figurinos, mesmo que de muito bom gosto, assinados por Rosa Magalhães, descaracterizam personagens importantes na trama. Por que um rei que se veste como um lorde inglês e que tem um ministro rajando algo muito próximo aos gângsteres da Máfia briga tanto para ter um casaco que em nada combina com suas roupas adaptadas?

Mas se a pequena traição tira um pouco do envolvimento da plateia com personagens tão queridos, o elenco, em quase sua totalidade, embarca no conto de fadas sem concessões. Sandro Isac e Silvio Kavinski fazem os dois alfaiates com ritmo preciso. Leonardo Netto, num dos melhores papéis da peça, é o engraçado bruxo mal – humorado. Emília Rey, sempre com personagens bem construídos, dá boas nuances a sua bruxa trapalhona,, exceto quando está contracenando com Daniela Duarte, que ainda não encontrou o tom do seu papel. Jaime Leibovitz é o rei em dose adequada de autoridade e carinho.

A direção de Ivone Hoffman é de suave interferência. Conduzindo a trama sem carregar demais na assinatura, deixa que a história se conte linearmente. E isso, por incrível que pareça, é exatamente uma novidade no palco infantil.

Além da boa história, O Casaco Encantado tem dois outros grandes trunfos: os cenários de Rosa Magalhães, supercriativos, com sua floresta de zíperes para lembrar a profissão dos alfaiates, e a muito bem montada caverna do bruxo – um quase gabinete, com uma imensa teia de areia de aranha que dá sombreado à cena. O outro achado fica com a sonoplastia de André Zeni, cheia de ruídos humorísticos que pontuam a trama. É interessante perceber que um elemento quase em extinção no teatro colabore tanto com o espetáculo.

Sem nenhum tom arqueológico, O Casaco Encantado é uma ótima oportunidade para se rever um teatro de qualidade, com história bem contada e principalmente feito para o público a que se destina.

Cotação: 2 estrelas (Bom)