Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 19.08.1978

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O que será melhor: um canhão ou um chafariz 

O Canhão Eletrônico
, bom texto de Ricardo Mack Filgueiras, em cartaz no Teatro Nacional de Comédia, deixa a impressão de que temos aí um autor que vem insistindo em escrever para as crianças, mas que apresenta sempre um resultado aquém de suas reais possibilidades. De Papo de Anjo a Zé Capim, passando por Pipocas de Papiro, fica sempre uma certa frustração, porque parece que o autor poderia ter ido um pouco mais longe, transformando suas peças simplesmente bem escritas, em algo realmente significativo. Ricardo parte sempre de ideias interessantes, mas geralmente o desenvolvimento do texto não acompanha a força da ideia inicial, e a peça vai seguindo correta mas sem grandes voos. No caso de O Canhão Eletrônico, isso volta a acontecer. Numa cidade onde a população não conhece televisão (nem ouviu falar) há um clima de fraternidade e as pessoas têm o seu cotidiano marcado por um comportamento autêntico, com suas fraquezas e suas virtudes. A chegada repentina da tevê transforma o dia-a-dia da cidadezinha. As fraquezas e as virtudes passam a ser divulgadas pela televisão; e é através da televisão que se mente ao povo com propaganda política; é pela televisão que se toma o poder; é pela televisão que as coisas voltam a ser colocadas nos eixos por intermédio dos jovens que, com a sensibilidade mais aguçada e com o amor à flor da pele, conseguem perceber o que era invisível para o restante da cidade.

Ao colocar o desmascaramento dos impostores, pela televisão, o autor parece dizer: a televisão não é ruim; ruim pode ser o uso que se faz dela, como manipuladora da consciência coletiva e como elemento, quando, no final, a televisão é destruída e colocam em seu lugar um chafariz, simbolizando o retorno à autenticidade dos tempos pré-tevê, Ricardo cai numa atitude romântica (romântico no que tem de falta de realidade) e preconceituosa: a televisão é ruim; bom é o chafariz.

O espetáculo é correto, agradável e tem um certo tom de alegria obtido principalmente quando da participação da música de Sérgio Fayne e da coreografia de Carlota Portella: nem a música nem a coreografia são brilhantes, mas funcionam a contento. Mais uma vez o recurso ao play back prejudica a verdade da cena, principalmente no primeiro número musical, quando os namorados fingem que cantam. O play back só funciona quando os atores cantam mesmo, ao invés de fingir. A sequência inicial do programa de televisão chega a cansar um pouco, e falta, ao espetáculo, abrir a comunicação com a plateia, envolvendo-a mais. Por enquanto, O Canhão Eletrônico está apenas no palco. A direção é enriquecida pelos figurinos (do grupo) mas empobrecida pelo cenário (também realizado pelo grupo), e que continua se repetindo como um dos pontos fracos nas montagens de O Ponto. O elenco, com altos e baixos, também apresenta um resultado final positivo, destacando-se Olívia Hime (ótima principalmente quando aprende a dançar imitando Fedor e Porcaria), Marília Boabaid, Eliane Maia (muito boa na dança e crescendo bastante de um início titubeante para uma atuação firme) e o trio formado por Esther Angélica, Ernestina Filgueiras e Jorge Bueno (sinto falta apenas no trio, de um comportamento mais solto, mais relaxado).

O Canhão Eletrônico é um espetáculo que diverte a criançada. A ressaltar, a frustração das crianças que, levadas pelo título, ficam esperando inutilmente o aparecimento deste eletrônico canhão, pois não sabem que “se denomina canhão eletrônico o dispositivo que gera o feixe de elétrons no interior de um tubo de imagem de televisão”.