Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 12.09.1981
Ganha quem não quer: por quê?
O Campeonato dos Pombos, peça de Raimundo Alberto (autor e diretor), em cartaz no Teatro da Galeria, não apresenta nada de excepcional, mas carrega uma boa dose de charme que seduz a criançada. Há vários elementos atraentes para as crianças, a começar pelo próprio tema da peça: um campeonato. Isso permite um posicionamento do público infantil a favor deste ou daquele personagem, o que transforma a clássica posição passiva dos espectadores numa atitude mais dinâmica. Outros elementos de interesse são encontrados no humor (principalmente através dos personagens “Paloma” e “Vampiros”); no passeio pelo Brasil através das danças regionais; em alguns bons trabalhos de interpretação (“Paloma”, “Columbos”, os dois “Apresentadores”); algumas soluções cênicas bem sacadas (o começo simpático, alegre, vivo, com bom pique; o casamento; a troca do cenário para a floresta, etc); as boas músicas; e o interessante visual dos figurinos (os quais, infelizmente, não encontram parceiros à altura nos feios cenários).
Entretanto, apesar das ações da corrida manterem o interesse infantil, faltam, à montagem, o pique, o clima, o ritmo de uma competição, de um campeonato. Os concorrentes (aí é um problema do texto que a encenação exacerba) chegam até a para conversar com um velho sábio. Fica bastante claro que a causa maior está na própria estrutura e desenvolvimento do texto que, em determinados momentos, traz apenas um interesse (frágil) para o espectador: saber porque “Paloma” vence sempre. Também não fica muito clara a dualidade brasileira que o autor propõe no seu texto: a parte sensível, bucólica que não tem espírito competitivo (então, porque entrou no campeonato?), que é jovem, sensual e romântica – é representada por uma índia; e a parte malvada, golpista, mentirosa, que só quer glória e fama à custa de se valer dos outros e que se finge de estrangeira só para ser mais respeitada – é representada pelo personagem de uma velha nascida no subúrbio (Pavuna). O autor adota aí uma posição maniqueísta e, como todo maniqueísmo, uma posição preconceituosa; a visão rousseauniana do índio (o bom selvagem) contra o civilizado-bandido. Se eu fosse uma criança nascida na Pavuna ficaria chocado – vendo O Campeonato dos Pombos – por ter nascido num lugar que é citado de modo crítico por trazer ao mundo pessoas tão más, mentirosas e falsa como “Paloma”. Ou ficaria com raiva do espetáculo por ser tão mentiroso, mau e falso em relação ao lugar onde “nasci”. Ao final, ganha o personagem bom (a índia) que nada fez para vencer (aliás, pelo contrário, fez tudo para perder). E por que ela ganha? Qual a intenção do autor? Mostrar que a competição é negativa? Mas, quando a índia ganha, a plateia infantil gosta! As intenções não ficam claras.
O Campeonato dos Pombos, apesar dos senões, acaba tendo sua tônica nos aspectos positivos citados acima. Há, no final das contas, um bom saldo para o espectador.