Os figurinos trazem suntuosidade sem exagero


Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 20.04.1996

 

Barra

Uma produção irretocável

Em 1991, a Cia Nosconosco, dirigida por Célia Bispo e Roberto Dória estreava timidamente, mas já com requintes de superprodução, Sonho de uma Noite de Verão. Um Shakespeare para crianças sem, no entanto, nenhuma concessão infantilóide na reversão da linguagem.

Completamente dedicados, e com recursos próprios, usam, em média, de seis a oito meses de trabalho, entre pesquisa, execução de cenários e figurinos e ensaios. Foi assim que, em 1992, quando estrearam O Inspetor Geral, de Gogol, onde, mantendo o humor rascante do texto, pegavam também o espectador mais jovem transpondo a história para uma cidade habitada por ratinhos muito simpáticos. Em 1994 foi a vez de a Cia, mais amadurecida, montar o premiadíssimo – Mambembe e Coca-Cola do ano
– Arlequim, de Goldoni.

Surgidos mais ou menos como um rato que ruge, para as produções ultra patrocinadas, a Cia. Nosconosco costuma surpreender o público, não só pelo acabamento do seu trabalho mas principalmente pela vitalidade que seus integrantes revelam em cena.

Em O Barbeiro De Sevilha, a qualidade permanece inalterada. A novidade, porém, se revelava na sofisticação da direção em apresentar o teatro explícito da desconstrução do personagem, usando para os mesmos papéis três atores diferentes, sem que isso comprometa o entendimento do enredo.

Adaptado diretamente da comédia de Beaumarchais, que inspirou Rossini e Mozart em suas óperas, Bispo e Dória ambientaram a história numa cidadezinha do Nordeste brasileiro, onde a história de amor entre o Conde de Almaviva e Rosina começa a ser contada num teatrinho de marionetes. Muito semelhante a outros heróis seus contemporâneos, como o Arlequim, de Goldoni, e Sganarello, de Molière, o Barbeiro é um personagem plot, que determina toda a ação da peça, fazendo valer a música da ópera, também usada no espetáculo, do Figaro que está aqui, lá e em todo lugar.

A opção pela estética brasileira, para contar uma trama originalmente européia, só ampliou a universalidade da obra. Os cenários de Célia Bispo e os figurinos de Roberto Dória, completamente afinados, revelam uma suntuosidade sem exageros raramente vista. A iluminação de Dória também é um achado. Sem muitas invenções ou interferências, ela contorna a cena sem vazar para plateia criando para o espectador um ambiente aconchegante no teatro. As músicas de Diogo Bispo e Marcio Vinícius Bernardes, que misturam trechos da ópera com canções do folclore brasileiro, são tocadas ao vivo pelos atores, criando bonitas passagens no palco.

No elenco, antenado com a unidade da encenação e sem espaço para estrelismo solo, a Cia. se divide em cena, coringando diversos personagens. Bruno Bessa, porém no papel de Ambrósio, tem composição de destaque no seu clown.

Como uma celebração teatral, a Cia. Nosconosco, tem em O Barbeiro de Sevilha um dos mais interessantes espetáculos da temporada.

Cotação: 4 estrelas (Excelente)