O elenco, como um todo, não tem a desenvoltura que a linguagem da peça exige, mas mesmo assim consegue bons acertos

Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 29.01.2005

 

 

 

Barra

 

O Avarento Harpagão, adaptação de Moliére para crianças, agrada à plateia do Clara Nunes 

O espetáculo O Avarento Harpagão é uma adaptação de O Avarento, comédia de Molière – considerado o maior comediógrafo de todos os tempos -, em cartaz no Teatro Maria Clara Machado, no Planetário da Gávea.

A peça do mestre da comédia francesa fala d a usura, um conceito mais abrangente do que simplesmente “pão duriso”. A usura era considerada crime na época, o que fazia do texto de Molière  contundente crítica para o  século 17 – embora o tema continue extremamente atual no século 21. A usura, em seu significado mais amplo, não faz parte do imaginário infantil, é algo abstrato, de uma vivência adulta, que não pertence ao universo da criança.

Mas, mesmo com estas dificuldades, Bruno Bacelar consegue fazer uma adaptação  bastante fiel ao texto original –  uma das qualidades do espetáculo – e passar, dentro dos limites que o próprio tema impõe algumas das ideias centrais sobre a condição humana de que trata este clássico da comédia. Harpagão é um velho avarento, que esconde uma fortuna em barras de ouro e que deseja casar seus filhos para diminuir despesas, auferir lucros e vantagens.

No entanto, ele se apaixona pela mesma mulher que seu filho, Cleanto, o que os leva a uma acirrada disputa pela doce Mariana. Tudo só se resolve quando o filho se utiliza do estratagema de roubar o ouro do pai para pressioná-lo a consentir em seu casamento com Mariana – só assim Harpagão terá sua fortuna de volta. E entre o amor e o dinheiro Harpagão opta por suas barras de ouro.

Confusões, enganos, quiproquós, situações e “tipos” característicos da Commedia dell’Arte estão em cena. Esta linguagem, pela qual a direção de Bruno Bacelar optou, não é fácil de ser de ser dominada. Exige técnica, desenvoltura e capacidade de improvisação dos atores. A atriz Ana Paula Rodrigues, que faz a meeriqueira empregada Frosina, cumpre seu papel e se destaca por possuir uma maior desenvoltura cênica. Mas o elenco como um todo, embora com uma atuação homogênea, não tem a soltura e a energia que a linguagem exige. Por outro lado, ou para suprir esta dificuldade, comete, alguns pequenos excessos desnecessários, com a preocupação de prender a atenção do seu público e superar estas suas limitações. Mesmo assim, o espetáculo acaba agradando ao público.

A montagem mantém uma homogeneidade visual e conceitual. Uma trupe mambembe chega para representar o texto de Molière, e, portanto, o cenário simples e funcional, de André Sanches, configura bem o espaço da história. Os figurinos, de Augusto Pessoa, remetem à época em que se passa a ação e revelam também esse teatro popular.

Sob a direção musical de Carlos Café, a música é executada e cantada ao vivo, tanto na abertura, quando na chegada da trupe. Durante todo o espetáculo, quando funciona como trilha de efeitos especiais, que sublinham algumas ações e ideias que o diretor considera importantes para a compreensão da história. A luz da Cia. Muito Franca é correta e simples, sem grandes efeitos, porém eficiente. Mesmo que falte ao elenco a  energia que a comédia exige, mais ousadia, apuro técnico e melhor domínio da linguagem – o que faria crescer o trabalho -, a direção consegue, ao final, entre acertos e alguns tropeços, colocar em cena um espetáculo leve, alegre, engraçado. Uma história  que acaba por envolver a plateia.