O Auto… da Companhia Teatral
Mãos à Arte: valores morais são minimizados

      

Crítica publicada no Jornal do Brasil

por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 05.12.2004

 

 

 

Barra

Suassuna ‘facilitado’ para crianças 

A Companhia Teatral Mãos à Arte inicia, com a montagem de O Auto da Compadecida, o Ciclo Ariano Suassuna para Crianças no Teatro Candido Mendes. A história se passa em torno das aventuras de João Grilo, personagem que faz parte de uma galeria de tipos brasileiros, que se usam da esperteza e da coragem para sobreviver, como Pedro Malasartes, Macunaíma, de Mário de Andrade; Zé Grande, de Haroldo Bruno.

Na peça, a aventura de João Grilo e o seu amigo Chicó começa com eles tramando uma forma de fazer com que o Padre abençoe e enterre, como cristão, o cachorro da mulher do padeiro. Mas chega ao lugarejo um cangaceiro que dá cabo de todos, a exceção de Chicó. Mortos, os habitantes são recebidos no outro mundo pelo diabo, apelam a Jesus e à Compadecida para que salvem suas vidas.

A Companhia Teatral Mãos à Arte coloca ao alcance da criança um dos mais significativos textos da dramaturgia nacional. No entanto, a montagem se mostra tímida em relação a sua própria proposta, que é aproximar elementos do teatro popular do imaginário infantil a partir da força poética e da simplicidade dos diálogos criados pelo autor.

É em torno dos personagens-tipo que se desenvolvem as situações dramáticas. Mas esses personagens acabam tornando a narrativa linear, uma vez que a composição dos atores se limita à forma, não captando a essência – João Grilo, por exemplo, é, na verdade, um símbolo do homem nordestino. Já o ator Carlos Ferolli  faz um Chicó bem construído, “ingênuo e amigo leal”. O diretor Marcos Cabral mantém os atores em semicírculo, sem uma proposta de desenho cênico, o que se torna ainda mais prejudicado pelo exíguo espaço do teatro.

Por ser o primeiro trabalho do Ciclo Ariano Suassuna para crianças, estas questões podem ser contornadas ao longo do trabalho. O Auto da Compadecida traça um painel da realidade nordestina e da natureza do próprio homem, por isso, implica um mergulho maior do universo de Suassuna, permeado pelo popular e por valores éticos e morais.

A linguagem circense, orientada por Daniela Fonseca, e a música ao vivo, sob a direção de Marcos Cabral, não se aventuram além do ilustrativo, sob uma luz apenas funcional, comandada por Marcos Filho. O cenário, de Amanda Fernandes e Raquel Buarque, é simples, criativo e eficiente, mas o mesmo não se pode dizer dos figurinos de Giovani Targa, que, além de não revelarem o personagem, trazem códigos contraditórios.

A encenação busca “facilitar” o texto para o seu público, ou “amenizar situações”. Isto leva a direção a soluções cênicas frágeis, como a morte de cada um dos personagens. A transposição da história para outra dimensão, quando os personagens encontram a Compadecida, é muito sutil, não favorecendo a revelação da mudança de atitude e comportamento do Homem diante do Divino.

Em sua obra, Suassuna se utiliza do microcosmo regional nordestino como instrumento para a universalização e não como um fim em si mesmo. É este painel crítico, social, ético e moral da humanidade que se perde nesta montagem e que o público infantil poderia perfeitamente absorver pela forma magistral com que Ariano Suassuna aborda este universo.