Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 02.07.1994
Alegria sem truques
Formada em sua quase totalidade por estudiosos amadores, a Companhia Nosconosco, responsável pela montagem de O Arlequim, emplaca três anos de intensa atuação. Comandado pelos diretores Célia Bispo e Roberto Dória, o grupo de atores passa por uma verdadeira maratona de experiências cênicas e pesquisas teatrais até chegar ao palco. Para O Arlequim, a companhia mergulhou fundo em outros textos e Goldoni, comparando personagens comuns e situações propositadamente repetidas. Estudaram a exaustão acommedia dell’arte, de modo que até a troca de cores de um figurino é fundamentada. Entretanto, em vez de se tornarem chatíssimos especialistas no Teatro de Veneza, o que mostram em cena é a alegria da descoberta e o prazer de representar.
Bispo e Dória trouxeram para o teatro uma praça veneziana, onde a companhia de atores apresenta o texto de Goldoni. Uma imensa carroça cenográfica se transforma em palco para contar a história do criado de dois patrões. Pontuada com música ao vivo, a ação se desenrola aos olhos do espectador sem truques de coxia e principalmente sem exageros de exposição – o representar e não estar representando – dos atores. Amparado pelo jogo de sombras criado pela luz de velas, estrategicamente dispostas nas laterais do palco, os atores se recolhem ou trocam seus figurinos de maneira absolutamente natural.
O elenco de jovens intérpretes, que também atuaram nas montagens anteriores da companhia – Sonho de uma Noite de Verão e o Inspetor Geral -, está mais desinibido em cena. Algumas pequenas falhas, porém, acontecem. Paula Bessa ganharia se reduzisse o tom estridente que compôs para seu personagem, Clarisse. Assim como Bruno Bessa precisa rever as nuances pouco definidas de Pantaleão. Uma boa surpresa, no entanto, é a performance, cheia de detalhes preciosos, criada por Fernanda Badauê para Esmeraldina. Além do destaque da presença do diretor Roberto Dória. Como arlequim.
A direção musical de Bia Bedran enfeita a encenação com cantigas de roda bem colocadas. Os figurinos de Célia Bispo e os cenários e a iluminação de Roberto Dória surpreendem pela qualidade e adequação.
Mesmo para os que não acompanharam o crescimento da Companhia Nosconosco, O Arlequim é um espetáculo que mexe com a emoção do espectador. No final, quando o palco se desmonta e a carroça se move, a vontade de seguir os atores é quase irresistível.
O Arlequim está em cartaz no Teatro Gláucio Gill. Sábado e domingo, às 17h. Ingressos R$ 4.
Classificação 3 estrelas (Ótimo)