Matéria publicada no Jornal do Brasil, Caderno B
Por Eliana Yunes – Rio de Janeiro – 23.05.1987
O Ano está Bom
Este ano, não se pode dizer que o teatro infantil ainda não tenha exibido o nível de qualidade que dele se reclama com insistência, o que não implica necessariamente superproduções.
O Pequenino Grão de Areia, do pernambucano João Falcão, que paradoxalmente está sem teatro para continuar temporada, e Rapunzel de Luiza Monteiro, recontando com música, gestos, panos e bonecos a história dos Grimm, são bons exemplos de que com poucos recursos também se pode fazer bons espetáculos. Isto para não falar de trabalhos que prosseguem carreira iniciada em 1986, como Pedro e o Lobo, versão de Denise e Beto Crispum, e Hep & Reg, de Arnaldo Miranda, entre outras. Além disso, uma série de peças montadas e remontadas agora, com problemas técnicos visíveis, no entanto apresentam uma perspectiva de maior respeito pelo espectador mirim, considerando sua visão de mundo e linguagem, num esforço de não subestimar sua capacidade de “entender” a realidade.
De modo geral, já se pode dizer que 20% dos espetáculos passaram a “regular” nos últimos 10 meses, o que, se não é muito, já é alvissareiro, diante da costumeira avalanche de tolices que assola a plateia infantil.
Divertidas umas, como a adaptação de O Menino Maluquinho, de Ziraldo por Demétrio Nicolau; plásticas outras, como a versão de Hugo della Santa para Uma História de Amor, de Jorge Amado; inventivas algumas, como História encontra ponto, de Maria Luiza Lacerda, e De repente… no recreio, de Karen Accioly e Miguel Reade, na linha de Escravos de Jó, do gaúcho Carlos Carvalho, aos poucos as montagens vão procurando abandonar o improviso e o fácil para refletir sobre a responsabilidade de cativar a infância para o prazer do teatro. Há mesmo trabalhos corretos como o Sonho de Libel, sem grandes sofisticações dramatúrgicas de produção, que podem atrair e encantar as crianças.
A maior dificuldade estará talvez na questão da dramaturgia, com raros bons novos autores, já que, além de Maria Clara Machado e das adaptações da tradição oral (contos de fada, brincadeiras e cantigas de roda) e da literatura consagrada, aparece pouca novidade. Para confirmar estão aí as superproduções: A Bela Adormecida, na versão de Fernando Berditchevsky, Irmão Grimm, Irmão Grimm de Luiz Duarte, e agora Pluft, o Musical, na montagem de Antonio Pedro e Geraldo Carneiro.
Estreia retumbante, com tudo funcionando a contento, casa lotada e uma enorme expectativa, uma vez que a mestra, autora da história, já realizou cinco montagens de seu texto. A diferença decisiva está na riqueza de recursos à disposição da presente montagem, em um teatro privilegiado quanto à técnica. A participação da Intrépida Trupe nas cenas de acrobacias e nos efeitos visuais acrescenta de fato um toque de encantamento ao espetáculo: na abertura, na alegoria do Navio Fantasma, do Avião e no Recrutamento para a batalha contra o impagável Karam/Perna de Pau, sua contribuição é decisiva.
Com um naipe de atores encabeçado por Lucélia Santos e equipe técnica da melhor qualidade, o musical, de fato, inclui a novidade de letras de música bem elaboradas (nem sempre decodificadas com clareza, apesar da potência da aparelhagem), fiéis ao espírito do texto, que, ao lado da beleza plástica da montagem, resulta em encher os olhos e ouvidos.
A qualidade continua sendo o texto dramatúrgico de Maria Clara, sempre atualíssimo para lidar com o imaginário infantil. Há sugestões cada vez mais insistentes para que as crianças sentem-se nos teatros dos pais longe dos pais; melhorando seu potencial de envolvimento com as peças. Voltando ao ponto, a entrevista com crianças que assistiram a uma das montagens no Tablado e estiveram na estreia do musical: elas distinguiram com acuidade o clima de cada uma: da primeira, disseram ter sido “silenciosa e emocionante”, desta “mais colorida e excitante.” No confronto, os ganhadores são elas, que já podem escolher entre “muito bom” e “muito bom”!