Sandra Vargas conta, representa e manipula
no Sobrevento

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 25.06.2000

 

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Mundo mágico sem deslizes 

Juntos desde 1986, Grupo Sobrevento de teatro de bonecos, de Sandra Vargas, Luiz André Cherubim e Miguel Velinho, tem uma característica muito especial em seu trabalho. Ao contrário de outros grupos do Brasil e do mundo, que investem numa técnica específica e se mantém fiel ao estilo, o Sobrevento se caracteriza principalmente pela diversificação de técnicas de manipulação. Seus trabalhos mais famosos, Mozart Momments (técnica japonesa do bunraku), Theatro de Brinquedo (display em papel), Ubu (bonecos gigantes de vestir) e Cadê Meu Herói (luva chinesa confeccionada a partir do mamulengo). Nesse caldeirão de acertos, o novo espetáculo não poderia ser diferente.

O Anjo e a Princesa, em cartaz no Teatro UniverCidade, além da técnica mista de manipulação (luva e objetos), traz mais uma novidade para o Sobrevento, Sandra Vargas, até então investindo mais na carreira de titiriteira, desta vez assumiu o palco sozinha e lá está muito à vontade. Do conto Irredenção, do chileno Baldomero Lillo, criou texto especial para cena solo, Inspirada nos contadores de história, ela conta, representa e manipula, sem espaço para o mínimo deslize na ação.

No palco do Sobrevento, a história de um anjo da guarda que, em sua primeira missão, se depara com uma princesa vaidosa que manda cortar um bosque de pessegueiros para enfeitar sua festa. Nesse reverso dos contos mágicos, autora foca os defeitos dos mortais e a sabedoria dos eternos em não interferir na natureza humana.

Luiz André Cherubim dirige um espetáculo marcado nos mínimos detalhes, como se a história seguisse um compasso musical, com pausa e ação em perfeita sincronia. E como o Sobrevento, é teatro de bonecos, não está só em cena o virtuosismo da contadora, mas a presença marcante da manipuladora, muito íntima de seus títeres. Emoldurando a trama, os cenários inspirados em Alex Calder, o artista plástico americano que inventou o móbile, são aditivos à parte na encenação.

Os bonecos escolhidos para essa história, que lida com elementos mágicos, são também o reverso do que se espera de um conto de princesas. Com cores quentes e sem a carinha bonita dos puppet, os fantoches bem humorados têm a fisionomia dos brinquedos artesanais e alguns, como uma nova versão para os mesmos personagens, são mesmo brinquedos articulados com movimentos de engrenagem. A simplicidade na estética e a aparente facilidade com que são manipulados só aproxima a plateia do palco.

Cuidado em detalhes preciosos, O Anjo e a Princesa têm cenários de Mário Cavalheiro, Luiz André e Mônica Paperou, que também assina o figurino com Sandra Vargas. Os bonecos foram confeccionados por Miguel Vellinho. O espetáculo, que no último fim de semana com decisão de campeonato no Maracanã, teve plateia lotada, é uma das boas surpresas da temporada.