Crítica publicada pelo Jornal do Brasil
Por Macksen Luiz – Rio de Janeiro – 05.05.1986

 

Dubiedades machadianas

Há em relação a Machado de Assis uma associação inseparável: a técnica da escrita e o mistério que cerca alguns de seus personagens. No conto O Alienista essas características estão mais interligadas do que nunca (na mesma intensidade talvez só  em Don Casmurro)e qualquer tentativa de “interpretar” o que não está explicitamente dito é um risco nem sempre calculado. Os adaptadores desse conto para o palco – Renato Icarahy e Cláudio Bojunga – assumiram o risco com o método e muita habilidade. Substituíram o mistério pela dubiedade (quem é exatamente Simão Bacamarte?), a fantasia literária pela farsa teatral (o aumento da população da Casa Verde ganha contornos de uma peça de absurdo). A narrativa do médico do médico da cidade de Itaguaí que cria um asilo para loucos e emprega métodos muito peculiares para recrutar seus pacientes faz da ação dramática “uma espécie de mundo”. Itaguaí e sua pequena humanidade são universos que sugerem questões sobre a sanidade e a loucura, a ciência e a religião, o vício e a virtude.

Sem dúvida que todas as liberdades dos adaptadores serviram para dar teatralidade a uma narrativa que está inteira e acabada não forma de conto e que, portanto, só ganharia vida em outro gênero caso fosse vigorosamente transporta. O excesso de duração do espetáculo aliado a uma complexidade inerente ao próprio conto, às vezes prejudica o ritmo da montagem. O diretor Icarahy, no entanto, teve sempre presente a faixa de público a qual O Alienista se propõe ati9ngir o estudante secundário. O espetáculo cheio de atrativos para essa plateia, cultua os efeitos cênicos que a experiência do grupo Tapa indica como infalíveis. O tom farsesco, a extrema movimentação e o recurso de exacerbar o teatral (no início através de um certo barroquismo glauberiano, no final numa delirante comédia de costumes) acendem o espetáculo, ainda que haja zonas desaquecidas que comprometem o nível de atenção da plateia, especialmente de irrequietos espectadores juvenis.

A Alienista é uma boa prova da consequência de um trabalho constante, sério e permanente. Há um cuidado de produção muito acima do verificado nas primeiras montagens do Tapa no projeto Festival de Teatro Brasileiro e o exercício de palco do elenco mostra sinais da fixação de um estilo e de um jeito de interpretar que está ajustado às características do grupo.