Leonardo Brício (centro) interpreta  o rei vaidoso, um dos destaques do elenco numeroso da montagem

Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 04.07.2004

 

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O Alfaiate do Rei: Teatro Tablado encena adaptação de conto de Andersen com graça e poesia

Um inédito saboroso de Maria Clara Machado

Já se ouviu falar de muitas histórias de reis, normalmente ocupados em travar grandes batalhas ou em conquistar amores impossíveis. Mas existe uma outra faceta dos monarcas, talvez menos explorada, que também rende muito pano para manga: a da vaidade. E ela pode ser um prato cheio nas mãos de oportunistas, como mostra o divertido espetáculo O Alfaite do Rei, adaptação de Maria Clara Machado para o clássico “A roupa nova do rei”, do dinamarquês Hans Christian Andersen.

Direção de Cacá Mourthé valoriza o texto

A peça, em cartaz no Teatro Tablado, conta a história de um rei vaidoso, mas tão vaidoso, que não consegue pensar em nada além do seu figurino: é uma roupa para tratar de assuntos políticos, outra para aparições públicas, outra para festas… Sabendo da exacerbada preocupação do monarca com a aparência, dois vigaristas, disfarçados de tecelões, propõem a ele a confecção de uma roupa deslumbrante, mas que só poderá ser vista pelos inteligentes e competentes. Que a tal roupa é uma invenção dos oportunistas fica logo claro para o público, mas é justamente na dificuldade dos personagens em admitirem- a trapaça – afinal, ninguém quer ser taxado de burro! – que reside a graça do espetáculo.

A direção de Cacá Mourthé valoriza o texto da autora, criando algumas passagens muito engraçadas, como a do troca-troca de roupas do rei. Nesse momento, cada traje aparece pendurado num elástico, o que leva o monarca a sair de um e entrar no outro com a maior facilidade. Poucas vezes se viu uma troca de roupas tão rápida em cena. E a diretora também faz poesia no espetáculo, como na hora em que a noite cai sobre a cidade, e as casinhas iluminadas, manejadas pelos atores, sobressaem num palco totalmente escuro.

Num elenco numeroso – são 18 atores em cena – destacam-se algumas atuações:
Leonardo Brício, bem integrado ao personagem do vaidoso rei; Daniela Ocampo, divertidíssima na pele de uma rainha que não passa de sombra de seu marido pavão; e Débora Lamm, urna vigarista muito espirituosa, que forma urna boa dupla com Mario Adnet, no papel do tecelão. Além deles, chamam também a atenção da plateia, pela cuidadosa composição de seus personagens, Fernando Caruso, como Ministro, e Pedro Kosovski, corno Bobo da Corte.

Figurinos se destacam na boa ficha técnica

A parte técnica do espetáculo está em boas mãos. Todos os seus componentes estão bem resolvidos e integrados, passando pela iluminação de Nelson Leão, a cenografia de
Lidia Kosovski, as coreografias de Renato Vieira, a preparação vocal de Malu Cooper e a direção musical de Márcio Trigo. Não se pode deixar de fazer um elogio especial ao figurino de Lidia e João de Freitas, que inclui várias peças, todas muito caprichadas e apropriadas para os personagens da história. Só é uma pena que, numa peça em que tudo funciona tão bem as músicas não sejam tocadas e cantadas ao vivo.

Vale a pena levar as crianças para ver O alfaiate do rei, um espetáculo que apresenta um texto inédito e saboroso de Maria Clara Machado, encenado com competência pelo grupo de artistas que ocupa o Teatro Tablado.