Bem-humorada, a encenação surpreende e pode agradar plateias de várias idades
Foto de Guga Melgar

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 04.06.1994

 

 

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Fábula em tom de farsa

Com A Nova Roupa do Imperador, a produtora Eveli Fischer dá continuidade ao projeto Andersen, o Contador de Histórias, que ela idealizou, em 1992, tendo como personagem central o escritor dinamarquês. A obra escolhida para iniciar o projeto foi O Trágico Soldadinho de Chumbo. Recriado por Rogério Blat, o texto inseria no enredo, além do próprio Andersen, as crianças Ana e Jonas, e investia maciçamente na figura do contador, interferindo a ação levemente na narração. O resultado era surpreendente.

A Nova Roupa do Imperador, que repete integralmente a ficha técnica de O Trágico Soldadinho é também um texto de Rogério Blat, mas desta vez o contador quase não está presente. Recontando a fábula com o humor que estava implícito no original, o grupo criou uma versão que agradaria ao próprio Andersen, ele mesmo um bom recriador das histórias folclóricas de seus país. Para os que aguardavam a volta do contador-personagem, restou apenas a lacuna.

Em contraponto ao triste fim do soldadinho e da bailarina, que queimam na lareira para se transformar num único coração de chumbo, A Nova Roupa do Imperador é uma comédia – uma farsa – onde a vaidade de um rei é levada às últimas consequências. Um monarca que só se preocupa com suas roupas encomenda a dois tecelões o mais lindo dos trajes. Os espertalhões dizem ao rei que estão usando um tecido mágico que só pode ser visto por pessoas muito inteligentes. O rei não vê nada, mas finge que vê, para não passar por burro. O traje especial exige ouro, prata e pedras preciosas, que vão direto para os bolsos dos alfaiates e nem chegam perto do tear. Com a roupa pronta, o rei desfila orgulhoso pelas ruas, e seus súditos, mesmo sem enxergar o figurino, o cobrem de elogios.

Assim terminava a primeira versão do conto, mas o próprio Andersen acrescentou ao final a famosa denúncia, feita por duas crianças: “O rei está nu”. Esta versão, a do desmascaramento da farsa real, é a utilizada no espetáculo.

A direção de Gilberto Gawronski trabalha as nuances das personagens de maneira delicada, usando o tom farsesco em momentos preciosos. O elenco responde bem a proposta, deixando fluir as intenções corretamente e sem exagero, porém, o frente cortina se estende além do necessário, evidenciando um acabamos de apresentar que poderia ser revisto.

Em cena, Fernanda Rodrigues e Fabrício Bittar, como os alfaiates, seguem uma linha naturalista de interpretação que em alguns momentos pode ser confundida com displicência. Um nítido contraponto para a comicidade grifada com que Ricardo Blat elabora seu imperador. Entremeando o enfado dos vaidosos com a arrogância que supõe o poder, o ator consegue um interessante equilíbrio.

De extremo bom gosto, os cenários de Ronald Teixeira – em tecidos com pinturas e aplicações bordadas – armam no palco da Casa da Gávea um teatro para a sua companhia. Do bando com inspirações indianas as imponentes colunas feitas de pano, o artista assina sua obra em cada detalhe. A solução encontrada para o desfile do novo traje é cenicamente perfeita.

Completando a encenação, as musicas de Charles Khan e Guilherme Hermolin seguem uma intuitiva linha de humor, sem cair no óbvio. Assim como a iluminação de Paulo César Medeiros, que ilustra pontos imprescindíveis para o entendimento da trama ao mesmo tempo em que colore o espetáculo com seu habitual jogo de luz e sombra. A Nova Roupa do Imperador que o bom teatro pode ser visto por um público de qualquer idade. Como um exemplo dos mistérios que envolvem a representação, ou mesmo como mero entretenimento, a montagem amplia a faixa etária da plateia. Espera-se que, como nos contos de fada, e tanto quanto possível, crianças e adultos sejam felizes para sempre.

A Nova Roupa do Imperador está em cartaz na Casa da Gávea, aos sábados e domingos, às 17H30. Ingressos a CR$ 6.000.

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)