Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 1998
Aventuras com Andersen
No repertório dos contos da primeira infância, o autor dinamarquês Hans Christian Andersen tem quase a total maioria das histórias. No teatro, porém, as adaptações se restringem aos contos já conhecidos, como O Patinho Feio e a Sereiazinha, entre outras. Com grande quantidade de suas obras já traduzidas, é de se estranhar que os encenadores não invistam neste universo tão. Correndo na contramão do óbvio, o diretor Theotonio de Paiva trouxe para o palco um inédito de Andersen.
Nicolau Grande e Nicolau Pequeno, em cena aos sábados e domingos no Teatro Cândido Mendes, é uma peça de equívocos onde brilha na trama o irresistível jogo do esperto contra o sabido. Mais do que isso, a peça traz em seu enredo o jogo catártico onde o mais fraco vence o mais forte pela astúcia. Uma estratégia que alcança sucesso junto ao público desde que os gregos inventaram o teatro. Dividida em pequenos esquetes, a peça conta a história dos dois Nicolaus: o patrão que se julga muito sabido e o empregado que é mesmo muito esperto. Numa trama de enganos muito bem arquitetada. Nicolau Pequeno fica rico à custa da ganância do seu patrão, que ao final, embarca dessa para a melhor, num inusitado happy end. A plateia, sem nenhum surto moral, concorda e se diverte.
O palco, vencendo desafios de compor cenas que exigiriam elenco numerosos interagindo em múltiplos ambiente, o diretor Theotonio de Paiva resolve tudo com o ator. Assim, pode-se ver no palco um único ator representando sem maiores problemas o grupo dos Sapateiros Azuis e, um outro, o grupo dos Sapateiros Vermelhos. Outro bom momento fica com a cena em que o ator representa em poucos movimentos um mensageiro que percorre longa distância para entregar um recado.
Além de usar bem os truques teatrais. Theotonio cercou seu espetáculo de outros elementos muito atraentes. O cenário de José Geraldo Furtado, todo feito com caixas embrulhadas para presente, forma no fundo do palco a carroça dos atores de uma companhia mambembe que vai se desmanchando na cena conforme a ação. Os figurinos de Vânia Farias também se transformam em cena, como nas brincadeiras infantis, onde um lenço pode virar mar. A iluminação de Renato Machado é toda adereçada e se desloca no palco pela mão do ator. A música ao vivo fecha a cena.
Com tudo isso, a peça quebra um dos tabus mais antigos do teatro, aquele que diz que se o espectador não é pego nos 10 primeiros minutos da encenação as coisas vão se complicar daí por diante. Assim acontece. Com música em excesso no começo, atenção do espectador se dispersa. Mas, por um desses milagres cênicos, passada a cantoria inicial, o espetáculo embarca numa divertida aventura que deixa a plateia presa até o final.
Colaborando para que esse jogo de palco e plateia se realize tão bem, Kátia Iunes, Renato Peres, Marco Aurélio Hamelin e Verônica Bastos se revezam em 15 personagens da história, além de manipularem os bonecos feitos por Mauro César, que completam a ação com delicadas interferências. Nicolau Grande e Nicolau Pequeno é um espetáculo que consegue mediar no palco a historio contada e o exercício do ator em boa sintonia.
Cotação: 2 estrelas (Bom)