O musical traz o ator Deco Mansilha, como o Rei Azul, um destaque no elenco pouco exigente.

Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 19.02.2005 

Uma história bem contada

Nem tudo está azul no país Azul tem na carpintaria teatral seu ponto forte

A peça Nem Tudo está Azul no País Azul, em cartaz no Teatro Ipanema, é uma grata surpresa, principalmente neste inicio de temporada, quando são poucos os bons espetáculos em cena na cidade. O musical traz uma produção simples, porém, eficiente. Sua grande qualidade é o texto – uma história muito bem contada, que segue todos os passos de uma boa carpintaria teatral. Prepara bem as etapas, cria suspense e envolve o público, ao falar do preconceito, mas de maneira lúdica, bem-humorada.

Dessa forma, a premissa da autora Gabriela Rabelo chega ao público de modo claro. É um texto eminentemente metafórico e que não tenta explicar o não-dito – isso faz com que os pequemos espectadores compreendam a história narrada sem didatismos.

O musical transporta a ação para o reino Azul, onde o rei determina que as cores primárias – azul, amarelo e vermelho – só podem se casar entre si, evidentemente, para manter sua pureza e evitar “misturas”. Mas, mesmo assim, há casamentos entre elas, surgindo cores secundárias – como o verde, o roxo, o laranja – que vivem presos, por não serem “puros”, e trabalham como operários.

Mas o rei adoece e por uma peripécia da história, o único personagem que pode doar sangue ao Rei Azul, e que o salvará da morte, é o personagem Verde. E assim acontece. O rei é salvo e todos percebem que são igualmente importantes. No fim, surge o branco, a união de todas as cores.

O espetáculo inicia com o personagem Preto tentando explicar que ele é a ausência de cores – o que muitas crianças não conseguem entender. O que não compromete, como já foi dito, a narrativa que segue clara, com algumas poucas provocações feitas diretamente ao público, porém desnecessárias – pois os espectadores já estão participando ativamente da ação. Essas provocações chegam, algumas vezes, mesmo a quebrar a sequência narrativa.

No elenco formado por um grupo jovem, que ainda não domina as técnicas de voz e corpo e tem interpretação que deixa a desejar – destaca-se o ator Deco Mansilha. No papel do Rei Azul, ele mostra um humor natural e domina bem o tempo de comédia. Luiza Agostini, que faz o personagem Preto, é quem narra a história; tem uma fraca presença – narrar ou contar uma história/requer técnica apurada.

Os atores cantam, com preparação vocal de Natália Fische e dançam coreografia assinada por Fabiana Amaral e Adriana Salomão.

Os figurinos de Henrique Kaladan e Íris Grillo são bem-humorados, coloridos, como se espera para personagens de uma comédia musical, passada no país das cores. Não apresentam, porém, rasgos de inventividade.

O texto é recheado de citações de muitas histórias que ouvimos e contamos. Há evidentemente referência a Flicts, de Ziraldo, assim como a Romeu e Julieta – cores diferentes se apaixonam e este amor proibido é revelado num baile de máscaras. Mas isso não tira o mérito do texto, pois histórias são assim mesmo. Elas se sucedem, se interpenetram, se complementam formando uma rede de histórias, feita de inúmeras outras vividas e inventadas e que preservam e transmitem nossa cultura. É interessante reconhecer estas influências no texto, o que fica, com certeza como um jogo atraente para os pais.

A luz, de Ericeira Junior, é concebida como luz de show, portanto inadequada para um espetáculo teatral no qual se conta uma história, mesmo que se trate de um musical.

A direção de Henrique Kaladan é precisa, embora limitada pela pouca experiência do elenco; e desenvolve a ação com cenas bem construídas.

Ou seja, o texto e a dramaturgia do espetáculo são, sem dúvida, seus pontos altos; além da alegria, garra e bom humor do jovem elenco.