Crítica publicada no Site Pecinha é a Vovozinha
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 16.05.2019
Uma celebração à dramaturgia de curta duração
Quatro cenas bem ágeis falam com propriedade e talento sobre os efeitos dos divórcios na vida dos filhos
Aplaudo de pé a iniciativa do espaço do grupo teatral Cemitério de Automóveis, em São Paulo, de finalmente abrigar também, em seu palco, a apresentação de peças para crianças e jovens nas tardes de sábado, numa programação já batizada de Sabadinho em Cena. A primeira empreitada é Nem Isso Nem Aquilo, dirigido em dupla por Lucas Mayor e Marcos Gomes (este também é um dos autores e, ainda, está no elenco). Depois da primeira temporada, a peça segue para outros palcos, como o do Teatro João Caetano, por exemplo.
A montagem reúne quatro cenas curtas e independentes, mas todas sobre os impactos da separação dos pais na vida dos filhos. O subtítulo é “Quando os Pais se Separam”. Eis um tema que, desde as três últimas décadas, tem acompanhado com frequência o processo lento e gradual da quebra de temas tabus no teatro infantil. Vamos falar de realidade com as crianças, por que não? Essa premissa importante derrubou a obrigatoriedade de se fazer teatro infantil apenas de forma fabular e fantasiosa, didática e moralizante, feliz e exultante. Temas árduos do cotidiano entraram na pauta. E ficaram. Felizmente.
Trata-se de um espetáculo cenograficamente despojado, com poucos recursos visuais. Tira sua força e dinamismo da dramaturgia. Cada uma das quatro cenas foi escrita por um dramaturgo diferente. A direção valorizou o texto, a palavra, a força do que é contado e narrado. O público mirim tem a chance de entender que teatro se faz também com o palco vazio, sem a necessidade de cores alegres, adereços ‘fofos’ e trilhas sonoras eufóricas. E, do mesmo jeito, um mundo se descortina, histórias são bem contadas, personagens ganham vida e ricas nuances.
O elenco está irrepreensível, homogêneo, potente. São eles: Anette Naiman, Antoniela Canto, Gabriela Fortanell, Marcos Amaral, Marcos Gomes, Rebecca Leão e Walter Figueiredo. Não há falas ‘tatibitates’, vozes estereotipadas de criança, trejeitos facilitadores. Os diretores foram rigorosos e certeiros. A iluminação (Gabriel Oliveira) surge como aliada, na valorização de falas, na instauração de climas – auxílio sempre esperado dos desenhos de luz, e que aqui se cumpre bem.
No primeiro texto, de Claudia Barral, grande sacada foi fazer a menina cujos pais se separaram conversar o tempo todo com um amigo imaginário (quem nunca?), que depois a gente percebe ser seu anjo da guarda. Nessa cena, que ganhou o título de Como Falar com um Anjo?, a autora soube como criar uma situação que cria empatia imediata com os jovens da plateia.
Na segunda cena, igualmente bem escrita, a autora Bruna Pligher imaginou um garoto que se cansa de ter de ficar se revezando entre as casas do pai e da mãe, e decide sair de casa. Como? O ‘sair de casa’, para ele, é passar a morar sozinho no porão da casa da mãe e se recusar a sair de lá para o fim de semana que seria na casa do pai. A mesma pergunta eu faço: quem nunca?
Que adolescente nunca se fechou em si? Outra situação muito bem explorada.
Lucas Mayor, autor da terceira cena, Pé na Estrada, colocou a sua adolescente dentro do consultório de um psicólogo. Ou seja, ela poderia ser também a menina ou o menino das outras três cenas. Isso dá uma unidade boa ao espetáculo, pois é bem comum todos os adolescentes irem parar na terapia logo após a separação dos pais. Os diálogos da menina com o profissional são afiados, espontâneos, objetivos, verdadeiros.
Por fim, Ninguém Sabe, de Marcos Gomes, foca no casal que vai se separar. Seu exercício de síntese e verossimilhança é perfeito. O texto acompanha rapidamente o casal desde a infância, quando um praticava bullying com o outro, até virarem namorados, crescerem, casarem, serem pais e, depois, se divorciarem. Tudo é ágil, dinâmico, uma cena muito tocante e bem pensada.
Nem Isso Nem Aquilo merece a acolhida do público, pela sensibilidade em falar de um único tema de formas criativamente variadas e complementares. Um exemplo importante de como é possível ser profundo e atraente, em apenas 50 minutos. Uma celebração da dramaturgia de pequenos formatos. Parabéns a todos os envolvidos. E quem venham muitas mais atrações no Sabadinho em Cena do Cemitério de Automóveis.
Serviço
Local: Teatro João Caetano
Endereço: Rua Borges Lagoa, 650 – Vila Clementino, São Paulo
Telefone: (11) 5573-3774
Quando: Sábados, às 16h
Duração: 50 min.
Classificação: Livre
Recomendação da produção: Indicado a partir de 8 anos
Ingressos: R$ 16 (inteira) e R$ 8 (meia)
Temporada: De 7 de setembro a 21 de setembro de 2019