Matéria publicada no Jornal do Brasil, Caderno Ideias
Por Eliana Yunes – Rio de Janeiro – 07.03.1987
Natural Companhia
Faz tempo um livro tão bom sobre poesia infantil não chegava às livrarias. Com rigor, concisão e objetividade, Maria da Glória Bordini, professora universitária e crítica de literatura infantil no Rio Grande do Sul, entrega pela Ática Poesia Infantil. O pequeno volume de 72 páginas aborda com precisão alguns tópicos fundamentais da relação criança e poesia: o aspecto lúdico da linguagem, as motivações sensitivas do poema e o caráter inventivo da poesia.
Já Drummond chamara atenção para o natural gosto pela poesia que a primeira infância denota e a perda paulatina deste interesse à medida que a escola entra no circuito da linguagem infantil. Glória Bordini o recorda e confirma a avaliação do poeta e de Ligia Averbuck sobre o papel desalentador que a escola exerce nesta área.
Mas a crítica não fica aí. Disseca com clareza e sem malabarismos verbais a estrutura poética que fascina os pequenos, aproximando-a de suas fontes populares, folclóricas e resgatando-a da aparente simplicidade em que os mais afoitos se aventuram quando se trata de escrever versos “para” crianças. Sem incursionar por qualquer teoria específica, aborda a organicidade do texto poético em que os vários níveis do discurso aparecem articulados, justificando sua concisão e densidade, pelas imagens tanto sonoras quanto semânticas e valorizando o ritmo da linguagem.
Glória Bordini acentua a relação do ritmo com o corpo – “mal raia a madrugada” – e posteriormente assinala sua conexão com o conhecimento que vem do contato com o universo das reapresentações mais simples, como nas parlendas e adivinhas, até chegar à raiz do pensar filosófico.
“Um levantamento da poesia dirigida à criança e publicada no Brasil de 1968 a 1978 não inclui mais que trinta títulos acessíveis no mercado, dos quais somente oito são comentados favoravelmente pelos analistas”, afirma. De lá para
cá, embora novos nomes tenham vindo se alistar ao lado de Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, Odylo Costa Filho e Sidônio Muralha, a qualidade da produção ainda deixa a desejar. Boas incursões fizeram Elias José, Roseana Murray, Maria Dinorah, Sérgio Caparelli, Paulo Paes recentemente.
Comparando os universos da poética infantil voltada para crianças, a autora conclui por uma incipiente emancipação de um passado utilitarista e repressor, mas já “a caminho dessa sanidade desaquietadora (da poesia adulta) e risonha
que abre espaço para o novo e para os novos”.
Faltou apenas lembrar que de nossos grandes poetas é possível tomar uma considerável coletânea de poemas perfeitamente degustáveis pelas crianças como no excelente trabalho de Elias José, lendo Manuel Bandeira, publicado em 1986 pela José Olympio.