O expressivo elenco de Os Visigodos em ação

Matéria publicada na Tribuna da Imprensa
Por Lilian Saback (texto) & Luciana Tancredo (fotos) – 20.03.1989

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A Namorada da Arte

As recordações do tempo de escola renderam a Karen Acioly um prêmio Mambembe de autoria, com a peça De Repente no Recreio, em 1987, e agora as lembranças e brincadeiras de sua infância resultaram nas indicações para dois prêmios. Trata-se da peça Os Visigodos, escrita e dirigida pela atriz, que concorrerá ao prêmio Coca-Cola de melhor autoria e direção, e ao Mambembe de melhor autoria de teatro infantil.

Os Visigodos conta a história de duas aldeias de gnomos, visigodos e ostrogodos, que são inimigos a troco de nada, e em tudo os dois povos são diferentes. A aliança entre as duas aldeias acontece quando nasce em cada uma delas um gnomozinho, que ao contrário dos mais velhos, são amigos inseparáveis. Para curtir esta amizade eles fogem, e acabam por forçar a união das aldeias, na tentativa de encontrá-los na floresta. Neste trabalho Karen atua como diretora e coprodutora, o que a coloca como a responsável absoluta pelo sucesso do espetáculo.

Na opinião da autora, fazer teatro para criança é talvez mais difícil do que para adultos, até mesmo pelo comportamento indócil e não controlável das crianças. Mas esta dificuldade não bloqueia a imaginação de Karen, que considera perfeitamente adaptável um texto seu para adultos. “Uma boa ideia serve perfeitamente para os dois, por exemplo, De Repente… no Recreio poderia ter sido feita para adultos. É tudo uma questão de linguagem”, complementa a atriz.

Falar em teatro infantil é falar de uma grande paixão da atriz: crianças. Ela começou a fazer teatro desde cedo no Colégio Bennett, e foi justamente lá que teve a sua primeira experiência com crianças. Naquela época, Karen fazia parte do grupo Navegando, que mais tarde deu origem ao Nau, onde se fazia um trabalho para crianças através da arte. A partir daí, a moça não parou mais. Entrou de cabeça em todos os setores, cinema, teatro e televisão.

No teatro, Karen começou como atriz simplesmente. Durante algum tempo substituiu a triz Regina Casé na peça Aquela Coisa Toda, do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, e atuou com o grupo manhas e Manias nas peças 14 Noites de Performance, Manhas e Manias e Em Alto Mar. Estes são apenas alguns trabalhos que somados às suas participações em filmes como Leila Diniz, de Luiz Carlos Lacerda, Damas da Noite, de Sandra Werneck, e as novelas de Tv como Um Sonho a Mais e Ti-ti-ti, da Rede Globo, fazem com que Karen, aos 28 anos, carregue uma vasta bagagem profissional.

Toda esta experiência artística permite que a atriz faça uma avaliação do que vem sendo feito em teatro. Na sua opinião o teatro infantil vem crescendo muito, e com isso estão aparecendo grandes autores e novas linguagens.

“Antigamente Maria Clara Machado era a única autora boa, mas hoje existe uma variedade imensa de peças para as crianças. Haja vista as próprias indicações do prêmio Coca-Cola. Os pais podem até escolher se querem levar seus filhos a um espetáculo que questione algum assunto, ou a um que apenas divirta”. A autora acredita que até mesmo o trabalho desenvolvido pelas apresentadoras de Tv Xuxa e Angélica pode contribuir para a formação de uma criança, desde que seu consumo seja por tempo limitado.

Quando Karen Acioly analisa os espetáculos de teatro, ela para e pensa na classe artística em si. Para a atriz/autora/diretora esta classe está precisando mais de arte, de generosidade e até mesmo de cultura. “Eu não estou numa postura de lamentações, mas acredito que para se fazer um trabalho sobre determinado assunto deve-se entender deste assunto”. Ela diz que como em todas as categorias, existem bons e maus profissionais. Mas de certa forma fica perplexa com a situação atual onde qualquer um abre a boca e diz que é artista. “Artista é até uma questão de criação, e é na verdade muito diferente do que fazer teatro. As pessoas às vezes fazem teatro não para o público, mas sim para os colegas. Eu sinto que não existe muito a preocupação de aprimoramento da linguagem, e sim mais uma coisa tipo Ah, os meus amigos vão ver que eu estou fazendo aquilo. No fundo, os meus amigos não vão ver nada que eu não queira passar para o público”.

Dentro deste mesmo contexto ela avalia a questão de ser bom, ruim ou simplesmente maravilhoso, receber um prêmio. Karen conta que quando foi indicada para o Mambembe de melhor autora de teatro infantil no ano passado, ficou muito feliz. Mas por outro lado ela não esconde a preocupação quanto ao prêmio significar a responsabilidade de dar continuidade ao seu trabalho. De uma forma geral, ela se preocupa com a conotação que os prêmios recebem, sendo apenas comentados por todos, e servindo pouco como investimento no trabalho do profissional, “Ganhar um prêmio é uma coisa tão fulgaz…Seria bom receber um prêmio, se as pessoas te chamassem para trabalhar, mas o que rola é junto à classe. Se você escreve deveria ser chamada por alguma editora, mas isso não acontece”.

Já a indicação para o prêmio Coca-Cola está animando a atriz, que se ganhar pretende gastar todo o lucro, 150 OTNs, congelados em fraldas para o seu filho Ciro, de dois meses e meio. Ele é na verdade a sua grande conquista, e sendo assim não deixa um segundo sequer de fazer elogios. Karen e o marido, jornalista Renato Nogueira Neto, passam o dia todo ao lado do filho. Mas ela afirma que quando for preciso, vai deixá-lo com a babá Lelé, a mesma que cuidou de Renato. Segundo Karen, a criança não foi programada, mas também não chegou para atrapalhar, e sim para realizá-la como mulher. “Se antes eu achava que era feliz, agora posso dizer que sou feliz pra-caramba”.

Em meio a todas as tarefas de mãe, Karen ainda encontra tempo para dar continuidade ao seu trabalho. Agora ela está escrevendo sua quarta peça, Can-Can, que conta a história de quatro bailarinas com problemas existenciais distintos. Apesar de confessar que o seu lance é escrever, ela afirma que está louca para voltar a atuar. “O meu trabalho é como a Lua. Às vezes a Lua crescente é linda, mas outras vezes você acha a Lua cheia maravilhosa. É como um namoro: em certo momento você está apaixonada por um cara; em outro você termina com ele. Passa mais um tempo e você volta com aquele mesmo cara. Eu namoro a arte”.