Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 30.07.1994
Bate-papo com a plateia
Subvertendo o jeito comportado dos teatros, o público que chega para assistir a peça A Mulher que Matou os Peixes é convidado a ficar bem a vontade, a se espalhar pelo chão e por algumas cadeiras dispostas nas laterais da aconchegante antessala / plateia, que precede o palco / casa, onde tudo vai acontecer.
Utilizando fragmentos do texto de Clarice Lispector – autora original do texto, adaptado para o espetáculo por Lucia Coelho e Zezé Polessa, Cica Modesto compôs um ambiente bem simpático para a casa da personagem Clarice. As frases que preenchem paredes e sofá são complementadas por títulos dados até a pequenos objetos, como a cestinha de papéis: “O lixo é um luxo”.
Nesta casa de escritora, a atriz Zezé Polessa é a cativante assassina dos peixes, que confessa seu crime, mas antes historicia seu amor por bichos de várias espécies. Estes surgem em cena de forma surpreendente, pela transformação dos mais inusitados objetos – criados por Magda Modesto, uma artista da animação. Assim, a almofada preta de bolinhas brancas torna-se uma gata preste a parir seus filhotes, também almofadas, em movimentos perfeitos, Também de grande efeito cênico, o tapete felpudo se transforma num cachorro com respiração sincopada, e a macaquinha Elizete surge das mãos da atriz a partir de simples adereços.
No espetáculo, onde todos os elementos – entre eles a música de Caíque Botkay e a iluminação de Jorginho Carvalho – chegam junto com a incrível precisão, a direção de Lucia Coelho ousa um diálogo frequente com a plateia. Mas tudo dentro do limite exato, para que os interlocutores não exagerem em sua participação – resposta muito comum a esse tipo de estímulo. Entremeando a encenação com narrativas de intenso efeito, ora cômico, ora dramático, Lúcia Coelho dá ao público a oportunidade de respirar entre uma emoção e outra, para embarcar na próxima aventura.
A atriz Zezé Polessa, que divide generosamente o palco com o pianista Marcelo Alvarenga e com seu duplamente filho – na vida real e na peça – João Polessa Dantas, Zezé Polessa prende a atenção da plateia, no difícil exercício do monólogo. A história contada e representada se confunde pelo mérito da atriz em criar um clima de cumplicidade, sem apelos histriônicos.
A Mulher que Matou os Peixes é um convite, bem aceito pelo público, para um gostoso bate-papo na casa de uma escritora. Com chá e poesia, ela acaba revelando histórias de sua vida, que no final das contas se parece com a das pessoas que a assistem. A empatia é instantânea.
A Mulher que Matou os Peixes, encerra temporada com apresentações hoje e amanhã, às 17h, na sala 13 do Centro Cultural Banco do Brasil. Ingressos a R$ 1,50.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)