Paloma Riani e Michel Bertovitch: Shakespeare em estreia em companhia

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 20.06.1998

 

Barra

Um espetáculo para jovens 

Escrita por Shakespeare em 1599, Muito Barulho por Nada, peça em cartaz no Teatro Gláucio Gill, é uma das comédias mais interessantes do autor. A trama de diálogos ágeis e de sofisticado humor se torna no palco, um grande exercício para atores, no que se refere ao bom uso da palavra.

Muito convenientemente, o diretor Michel Bertovitch escolheu o texto para a estreia da Companhia Prática de Teatro, há quatro anos em processo de trabalho. Se o resultado ainda não é o melhor, a estratégia de aprender na prática, já embutida no nome da Cia, parece ser um corajoso caminho a ser seguido. Do contrário, grandes espetáculos, pesquisas inovadoras de linguagem e outros inventos só se tornam encenações irrepreensíveis quando ficam só no projeto. A Cia ousou e está em cena sob o olhar atento da jovem plateia a quem foi destinado o espetáculo.

Muito Barulho por Nada é um texto de situações bem encadeadas. A ação se passa na cidade siciliana de Messina, quando o príncipe Dom Pedro de Aragão chega à cidade com seus companheiros. Numa trama cheia de romance, aventura, conflito e bom desfecho, Hero e Cláudio se apaixonam e, antes do final feliz, o final plot se dá pela interferência de uma providencial intriga. Numa falsa trama paralela, personagens antagônicos como Beatriz e Benedito têm os diálogos mais brilhantes do texto. Subvertendo a ordem dos opostos que se atraem, os dois personagens defendem sua liberdade na mesma medida em que nutrem um profundo desprezo pelo amor. Como em qualquer situação extrema, esses personagens são presas ideais para as ciladas da paixão. Enfim, na vida como na arte, o intelecto se rende à simplicidade.

Mesmo utilizando bem o texto, a direção de Bertovicht para seu numeroso elenco é cheia de entradas e saídas, marcadas além do necessário. As cenas do coro, ao contrário de movimentar a ação são vistas como pausas, quase desfiles de oportunidades, para que toda a Cia esteja em cena. É interessante essa participação, mas, sem função, fica gratuita O ideal seria “enxugar” essas intervenções. Outras cenas longas e de comédia caricata, como a da prisão dos caluniadores também poderia ser encurtada.

Mas nem tudo se perde no palco. Paloma Riani, uma atriz bissexta, que vem canalizando seu talento para o trabalho de direção, está excelente no papel de Beatriz. Sua composição se destaca no espetáculo, onde tira o melhor do texto. Acompanhando de perto o trabalho da atriz estão em cena, também em personagens de destaques, Michel Bertovicht, Inês Cardoso, Flávio Antônio e Felipe Martins.

Muito Barulho por Nada tem ainda música ao vivo, tocada pelo próprio elenco. Um esforço de produção plenamente recompensado em cena. O espetáculo feito por e para a jovem plateia cumpre sua função de levar essa fatia do público ao teatro. Mais uma investida na política de formação de plateia que há muito se discute na teoria, mas que poucas vezes é posta em prática pelos encenadores. O importante é tentar e a Companhia Prática de Teatro tem todas as condições de levar o seu trabalho adiante.

Cotação: 2 estrelas (Bom)