Matéria publicada no Jornal Teatrarte
Por Denise Crispun, com colaboração de Alice Koënow – Rio de Janeiro – jan/fev/mar 1991
Para pequeninos… e nem tanto
Motim ou motim? Aonde esconderam as crianças?
Assim que começo a escrever vejo um filme: cenas curtas ocupando um cenário conhecido, mas que só mostra sua cor quando ilumina as figuras presentes. Então surge um exército Brancaleone de atores e todos os outros, fundamentais para que essa história projete na tela o mais sensível dos sonhos: o Teatro, quando inspirado, tem o poder de transformar qualquer sonho numa arte possível.
Mas nesse caminho esbarro na realidade. E tenho diante de mim a geografia complexa, e muitas vezes tristes de um país de 3º mundo. E de todos os grandes problemas o mais perverso é quando nem o governo, nem as pessoas apostam um olhar no futuro. Futuro-criança. A única resposta que surgiu foi a criação de um Ministério. Assim, burocratiza-se a questão da infância sem que se discutam as causas do seu abandono. É o mesmo princípio de fazer decorar ao invés de ensinar a alfabetizar. Como se criança calada fosse sinônimo de criança educada. Provavelmente, no final do governo, teremos um monte de questões não resolvidas, mas apenas arquivadas.
Se fosse tentar um balanço de tudo o que aconteceu neste ano em relação ao teatro infantil não conseguiria escapar de alguns comentários chavões: poucos teatros com condições de nos receber decentemente, poucos recursos, total ausência de apoio na grande imprensa, descaso do governo, concentração dos melhores espetáculos nas áreas nobres – Público infantil de periferia? Alguém já ouviu falar nisso? Permanência de produtores medíocres que abusam de uma linguagem infantilóide, mas que recebem da imprensa o mesmo destaque que qualquer outro espetáculo de qualidade. As consequências são graves porque o público que assiste a este espetáculo passa a desacreditar na possibilidade de se produzirem trabalhos sérios e honestos… Isto poderia ser um resumo de ano passado e de outros tantos, mas fico feliz e ao mesmo tempo me sinto responsável de dizer que não é esse filme que vejo.
Se não tivemos um grande número de estreias de qualidade este ano foi porque sentimos as mesmas dificuldades de concretizar nossas produções como tantas outras áres culturais. Mesmo assim, não poderia deixar de citar espetáculos criativos e bem produzidos como Cecília, Esfiha, uma Gênia da Pesada, Cinderela, Peter Pan, História de Cândido, O Corcunda e remontagens significativas como Cavalinho Azul, Uma Pitada de Sorte e Fala Palhaço, que trouxe de volta aos palcos o grupo Hombu.
Sempre que escrevo um artigo, cujo tema é “E o Teatro Infantil, como vai?” (ou similar), após a introdução (O Sonho) e o panorama feral (O Real), sinto que deixo uma lacuna fundamental, mas que novamente me escapa… A grande questão não é apenas organizar as ideias, enumerar os erros e acertos e apontar as dificuldades. O maior ausente é o famoso debate e a discussão dos “Critérios de Qualidade”. Como definir o que é bom e o que não é para criança? A intuição e a vontade de criar são elementos válidas nessa escolha, mas não são suficientes. Se discutido por todos, com certeza teríamos material para uma enciclopédia… Por enquanto, o que temos são apenas alguns rascunhos.
Por isso acho importante terminar esse artigo falando sobre um trabalho que se desenvolve há três anos e que, se ainda não conseguiu reunir de uma forma sistemática todos os profissionais desta área, merece um mínimo de atenção e reconhecimento pelas ideias que defende e pelos projetos que criou: Eu agora falto do MOTIN.
O MOTIN é o resultado do empenho de profissionais que no final de 87 reuniram-se para protestar contra a retirada do espaço da crítica nos maiores jornais do Rio (Globo e JB). Desde então, realizou debates, atividades, atividades como o Dia Internacional do Teatro no Aterro do Flamengo, Boletins com divulgação de espetáculos, pesquisas, Campanha “Vá ao Teatro”. Além disso, através do esforço pessoal de alguns dos seus integrantes, participou de Festivais e Congressos no Peru, França, Finlândia e Suécia estabelecendo contatos com a ASSITEJ (Associação Internacional de Teatro para a Infância e Juventude) entidade que vincula 53 países e tem como preocupação básica a troca de informação e experiência entre os grupos e entidades que se dedicam ao teatro para a Infância e Juventude.
No ano de 90, difícil para todos os que trabalham com Arte, estivemos empenhados na realização de um vídeo-documentário sobre o teatro infantil no Brasil junto com a extinta FUNDACEN, com projetos da FUNARJ, como a ativação de espaços ociosos em Museus e tentamos obter recursos e apoio para o Jornal do MOTIN que pretendemos transformar num espaço de discussão e divulgação dom teatro infantil no Rio de Janeiro.
No momento, estamos lançando um boletim com avaliações de diferentes profissionais sobre as atividades do ano passado que passou e organizando uma ampla reunião para que, junto com todos os profissionais e grupos interessados, possamos nos associar à ASSITEJ.
É esse o trabalho que temos pela frente: nos reunirmos para discutir e elaborar ideias comuns que ultrapassem nossas atividades individuais e nos transformem em um gr5ande grupo, com propostas e práticas diferentes, mas com objetivos comuns. Cabe ao MOTIN ser o elemento de polarização entre os grupos, mas isso só será possível na medida em que estes mesmos grupos façam com que o MOTIN os represente, através da sua participação no movimento. Nossa certeza é de que assim poderemos contribuir efetivamente para o crescimento do respeito e da ética dessa arte fundamental num Brasil de abandono à infância.
O que nos une?
– O compromisso com a inteligência da criança
– A preocupação com a sensibilidade de nosso público
– A qualidade na execução de nossas produções
– O profissionalismo em nosso ofício
– A marginalidade que nos é imposta por: políticas culturais (se é que existem…) teatros particulares; imprensa
– A precariedade de critérios das concorrências públicas para os teatros
– Uma vontade enorme de virar esse jogo