Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 31.10.1992
Uma gata cheia de surpresas
Há muitos e muitos anos, existia uma publicação anual do tipo “bateu, valeu”. O Almanaque do Biotônico Fontoura, além de indicar qual o melhor mês para se plantar batatas, anunciava remédios cujos nomes não deixavam dúvidas quanto à sua utilidade: o figatol, estomatil, antiruguina e outras maravilhas curativas.
Monique Evans em A Gata de Botas, cartaz no Teatro Vanucci, é exatamente o que diz o título. O texto de Humberto Abrantes usa o teatro para contar a famosa história de Charles Perrault sobre o pobre moço que recebe de herança um esperto gato capaz de transformá-lo com sua habilidade no Marquês de Carabás. Mas como no teatro, quando um gato não aparece e o espetáculo tem que continuar, quem entra em cena é a Gata.
Para construir seu enredo, Abrantes pediu emprestado ao musical americano algumas sequências famosas. Assim, num cenário concebido com muito bom gosto por Celso Barbosa, a cena se abre com o prólogo de Pippin, onde os atores prometem “toda mágica e muito mais”. A substituição de gato por gata é feita por uma fada cover de Sandra Dee, numa irresistível versão de Summer Love tirada do filme Grease. Com muitas outras citações, o musical corre em ritmo ágil, brincando com a memória afetiva dos adultos, mas sem interferir no divertimento das crianças.
A direção de Paulo Afonso de Lima, também autor das bem-humoradas versões musicais, onde Tonight, de West Side Story, virou Tomate, cuidou bem dos atores e da encenação e conseguiu manter a unidade do espetáculo. Ao contrário do que se poderia pensar, Monique Evans está muito bem no papel da Gata, beirando o exagero apenas quando lhe pedem para interpretar Monique. Geralmente, o deslize acontece quando diretor e autor são apaixonados por um tipo que já tem sua marca registrada, mas quando a star consegue driblar a vigilância da dupla, quem está no palco é a atriz. Completando o elenco, Adriana Galdenã e Humberto Abrantes constroem seus personagens com irrepreensível humor, o mesmo acontecendo com Márcia Val e Rodrigo Vasconcelos.
Apesar do apelo do título, o espetáculo pode surpreender o espectador que vai ao teatro assistir a mais um show de variedades, e isso é muito bom.
Cotação: 2 estrelas (Bom)