Moinhos e Carrosséis

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 18.11.2016 Barra

As brincadeiras de rua e um tempo em que as crianças eram desconectadas. Fotos: Heloísa Bortz

Experiência busca valorizar a história do teatro

Barra

Peça alerta crianças para um futuro sem memória

Excesso de tecnologia pode pôr em risco os valores do passado, diz enredo de Moinhos e Carrosséis

Válidas são todas as experiências que buscam valorizar, divulgar e homenagear a história do teatro, com seus grupos pioneiros, que abriram caminhos para a atual geração e enfrentaram os mais variados obstáculos, contribuindo para o avanço da qualidade artística e do pensamento teatral.

Esse é o principal valor da remontagem de Moinhos e Carrosséis, texto de 1988, um dos principais da carreira do Grupo Pasárgada, fundado em 1971 por ex-alunos da Escola de Arte Dramática da Fundação das Artes de São Caetano do Sul, entre eles o autor da peça, José Geraldo Rocha.

Com seus 45 anos de trajetória, o Pasárgada é, sem dúvida, um dos grandes responsáveis pelo atual nível de respeito e talento atingido no Brasil pelo teatro feito para crianças e jovens. Com seus espetáculos sempre preocupados em resgatar a cultura popular, as brincadeiras de rua e os contos e cantos de tradição oral, o grupo sedimentou propostas estéticas e de produção – e contribuiu, assim, para arregimentar mais e mais adeptos para essa tal “arte maior feita para menores”.

Por isso, nada melhor do que refazer um de seus espetáculos mais ousados e intrigantes, em que José Geraldo Rocha mergulhou no mundo da ficção científica para falar do sonho de liberdade – tema atemporal e sempre ultra necessário em nossos palcos. Inspirado por autores clássicos do gênero, como Julio Verne, Carl Sagan e, sobretudo, Ray Bradbury (autor do conto Um Som de Trovão, que inspirou a peça Moinhos e Carrosséis), o premiado e veterano dramaturgo criou um enredo que se passa dentro de um museu em um futuro distante.

Os dois protagonistas atraídos por uma melodia, fogem do rígido esquema de segurança e penetram em uma galeria desconhecida dentro do museu. Nessa galeria, vão tomar contato com o passado, isto é, com figuras que despertam neles sentimentos que remetem à importância da sobrevivência da espécie humana. Prestigiar Moinhos e Carrosséis, remontado graças ao apoio fundamental do Prêmio Zé Renato, da Secretaria de Cultura do município de São Paulo, significa, portanto, abraçar o passado de nosso teatro, reverenciando-o e reconhecendo seu valor, suas bases, suas raízes.

Percebe-se um grande esforço da diretora convidada, a também muito premiada Débora Dubois, por dar ritmo à remontagem de um texto moroso e sólido, escrito em uma época em que as crianças viviam sem computadores, sem internet, sem redes sociais, sem tablets nem smartphones. Uma época em que o público mirim tinha menos estímulos tecnológicos, e compreendia melhor as frases longas, recheadas de predicados e complementos. Débora teve pela frente o desafio de rapaginar uma época, mas sabiamente optou pela delicadeza de preservar as características que fizeram a história do grupo: a força do fazer artesanal, a música ao vivo, a cenografia poética e alegórica.

Nesse sentido, vale destacar aqui a preciosa participação de dois veteranos do Pasárgada, que estiveram, juntamente com o autor, na montagem original de Moinhos e Carrosséis. São eles a cenógrafa, figurinista e criadora de bonecos Valnice Vieira Bolla e o compositor e diretor musical Gustavo Kurlat. Repare no encantador carrossel que está em cena, com seus penduricalhos vistosos e coloridos, quase como objetos de memorabília. Pirulitos, tabuleiro de doces, cavalinhos de madeira, moinhos quixotescos – detalhes primorosos de uma cenografia instigante e saudosista ao mesmo tempo.

“O importante, nesta remontagem do texto de José Geraldo, é refletirmos sobre as possibilidades ameaçadoras de um futuro tecnológico em que não nos importaríamos mais com os valores do passado”, resume a diretora. “Pode ser perigoso perdermos nossos ‘olhos nos olhos’, nosso aperto de mãos, nosso abraço, nosso direito precioso à liberdade de ser e de estar.”
Serviço

Local 1: Teatro Cacilda Becker
Rua Tito, 295 – Lapa, São Paulo
Telefone: (11) 3864-4513
Sábados e domingos, às 16h
Ingressos: R$ 10,00
Temporada: até 20 de novembro

Local 2: Teatro João Caetano
Rua Borges Lagoa, 650 – Vila Clementino, São Paulo
Telefone: (11) 5573-3774
Sábados e domingos, às 16h
Ingressos: R$ 10,00
Temporada: De 3 de dezembro a 11 de dezembro