Crítica publicada no Site Pecinha é a Vovozinha
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 25.06.2018

Fotos: Vítor Vieira

Um bom entretenimento, mas com dramaturgia previsível

Missão Super Secreta é mais uma peça sobre duas crianças brincando sozinhas em casa, mas, apesar de sua estrutura previsível, consegue ser agradável de se ver.

Diga-se assim, logo de saída, que se trata de uma produção corajosa: aceitou encarar o vasto palco e a plateia imensa do Teatro Raul Cortez, em São Paulo – nada menos do que 513 lugares! Missão Super Secreta, com apenas dois atores em cena e uma cenografia simples e leve, feita de caixas de papelão empilhadas, assume esse desafio de modestamente enfrentar a grandiosidade da sala. Nunca o teatro estará lotado? Provavelmente não, ainda mais em época de festas juninas vespertinas e jogos da Copa do Mundo de futebol. Mas e daí? Se 80% das poltronas estão vazias, paciência. Isso não seria motivo para a Prósperas Produções (RJ) abrir mão da temporada em tão prestigiosa sala paulistana. O que importa é a qualidade do público que comparece e o jogo que se estabelece entre palco e plateia. (E, claro, há os dias de projeto-escola, em que a plateia de alunos fica mais numerosa.) Só nos resta, portanto, admirar a produção por essa ousadia de encaixar seu espetáculo de porte pequeno em um teatrão assim tão… teatrão.

Isso posto, diga-se também logo de cara que não há grandes achados em Missão Super Secreta, dirigido por Bel Kutner. Não que seja ruim de ver. Está longe disso. Ao contrário, é agradável, um bom entretenimento. Mas é um espetáculo apenas ‘ok’. A começar pelo enredo: mais uma peça com duas crianças brincando dentro do quarto, dentre as inúmeras que já vi na vida com esse mesmo ponto de partida. Um casal de primos, ambos com 8 anos de idade, está dentro de casa, de pijama, e inventa brincadeiras, uma atrás da outra, intercaladas por música. Essa estrutura é velha conhecida da dramaturgia para crianças.

 

Lá pela metade do tempo de duração, você já entendeu que a peça é só isso e pronto. Eles vão ficar aí brincando até quando? Nada mais vai acontecer? Pois é. Quase fica faltando o elemento surpresa, a reviravolta, algum conflito mais consistente. ‘Quase’, pois, felizmente, aparece algo diferente a partir do instante em que a menina anuncia que vai embora para outra cidade. Esse final – apesar de também ser fácil e batido – salva um pouco a estrutura linear monótona de perfilar no palco uma brincadeira atrás da outra.

Não acho que recuperar brincadeiras de antigamente, cantorias saudosistas e provocações infantis de primo com prima sejam recursos/temas dramatúrgicos condenáveis a serem evitados. Não é nada disso. O teatro existe mesmo para estimular fantasias na imaginação das crianças da plateia, exatamente como essa peça faz. Ainda mais num tempo em que crianças só querem saber de eletrônicos e carecem de rede wi-fi o tempo todo… Brincar em cena. Jogar com palavras. Explorar a fisicalidade. Lembrar de conviver com quem está sempre do seu lado. Atiçar as memórias dos adultos. Tudo isso é lindo e válido. O que estou dizendo é que, a certa altura, o desenvolvimento do enredo fica previsível – e eis o risco: entediar o público.

O texto – mesmo estruturalmente gasto e previsível – é bem escrito – e isso é muito importante. Não é palavroso, não fica querendo passar lições de moral explícitas. Consegue ser brincalhão e nos entreter. É de autoria de Thereza Falcão (roteirista de novelas e séries da TV Globo) e já havia sido montado em São Paulo em 1991, com outro título: Brincando na Chuva, com direção de Marco Ricca (Ana Luísa Lacombe ganhou o APCA de melhor atriz do ano pelo papel da menina).

Os atores da atual montagem são bons – Thais Müller e Miguel Rômulo. Não caem na armadilha de ‘fazer’ criança de forma estereotipada. Miguel talvez seja um pouco melhor, com um pouco mais de carisma e jogo de cintura. Ele, por exemplo, usa mais as expressões do rosto do que a atriz, resultando em momentos mais ricos, brincalhões e diversificados, nada caricatos. Há uma trilha razoável (Fabio e Fael Mondego), meio melosa em algumas partes, e com boas citações de músicas populares conhecidas. Figurinos são dois pijamas bem legais e criativos (Marieta Spada). Assim, Missão Super Secreta, limitada pela velha proposta estrutural do texto, acumula um saldo positivo que faz dela um entretenimento válido. Prestigie.

Serviço

Local: Teatro Raul Cortez
Endereço: Rua Dr. Plínio Barreto, 286 – Bela Vista, São Paulo
Telefone: (11) 3254-1631
Capacidade: 513 lugares
Quando: Sábados e domingos, às 16h
Classificação: Livre
Duração: 60 minutos
Ingressos: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia)
Temporada: De 26 de maio a 15 de julho de 2018