Sozinha no palco, Aglaia vive vários personagens com excelente movimento corporal


Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 11.07.1998

 

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Uma encenação delicada

As mocinhas recatadas dos anos 60, depois de algumas perguntas indiscretas a seus pais, viram desaparecer da estante o volume de As Mil e uma Noites. O fato que parece tão estranho agora, só podia estar relacionado com um dos maiores tabus da época: sexo. O livro, em que se destacam contos tão populares como Aladim e a Lâmpada Maravilhosa e Simbad, o Marujo, tinha como fio condutor uma outra história: a do sultão Shariar, que traído pela mulher, resolve se casar a cada noite com uma linda mulher que pela manhã mandava matar. E era essa de prazer e morte que interessava às mocinhas há pouco saídas da infância. As Mil e Uma Noites, como todo clássico, é cheio de interpretações. A mais interessante delas é a que registra as histórias de Sherazade como contos de cura. A mágica estratégia consistia em contar ao paciente uma história de dor muito maior do que a sua. Na comparação, o ouvinte lavava a alma.

As Mil e uma Noites, em temporada no Teatro do Museu da República, é uma outra versão da obra, que suprime do original as histórias de Sherazade, ficando em cena, apenas, a trama que antecede os contos. A estratégia que, sem dúvida, tira do palco o melhor da história, é proposital.

Encenada pelo Teatro Mímico, grupo que pesquisa o teatro-dança indiano há dez anos, o espetáculo é centrado no solo da atriz Aglaia Azevedo. Sozinha em cena, Aglaia conta com excelente movimentação corporal para viver personagens tão diversos como o sultão Shariar, Sherazade e seu pai, o vizir usando apenas pequenos gestos diferenciais. Como poderoso elemento de apoio, conta ainda com delicados bonecos que manipula em cena da mesma maneira com que as crianças brincam com seus brinquedos. A identificação é percebida.

O diretor Almir Ribeiro centrou os movimentos de palco numa encenação quase intimista, sem, no entanto, se prender à arte dos contadores de história. No teatro do gesto, as atenções se voltam para a plasticidade, onde às vezes a palavra se perde em favor da beleza cênica.

No teatro, ambientado como uma tenda árabe, com profusão de lenços bem colocados, os cenários dão leveza necessária ao espetáculo. Os bonecos, manipulados mais como brinquedos, também são bonitos adereços para a cena da atriz. A trilha musical e a iluminação em tons de azul de Alan Minas têm boa função como cor local.

Em seu primeiro espetáculo dedicado ao público infantil, o Teatro Mímico naturalmente agrada mais aos adultos, que se envolvem tanto com o texto como o bonito movimento que se apresenta no palco. As crianças talvez preferissem um pouco mais de história contada, mais aventura, romance e tudo mais que se pode tirar de As Mil e Uma Noites. De qualquer modo, foi aberto um canal com a jovem plateia e as possibilidades de diálogo são infinitas.

Cotação: 2 estrelas (Bom)