Critica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 16.09.2016
Uma peça divertida sobre um tema sério: como suas crianças brincam?
A solidão na infância e a limitação de se ganhar brinquedos prontos, em vez de ‘inventá-los’: eis os temas incríveis de Meu Amigo Inventor, da Cia. de Copas
Não é de hoje que admiro muito o trabalho de Fernando Escrich no teatro para crianças e jovens em São Paulo. É um dos nomes que nunca me decepcionam a cada novo trabalho. De peça em peça, ele foi galgando um lugar no olimpo do teatro infantil paulistano e, a meu ver, já é um dos maiorais. Aconteceu de novo: mais uma vez saí de um espetáculo dirigido por ele completamente encantado e arrebatado. Estou falando de Meu Amigo Inventor, em cartaz no Teatro Alfa, em São Paulo. Não percam. Para mim, já é um dos melhores do ano, sem sombra de dúvida.
Tudo é acerto. O ritmo é frenético e envolvente. A fluência da narrativa, o casamento de dramaturgia e música, o carisma dos atores. Só tenho elogios para tudo isso. A realização é da Companhia de Copas, cujo espetáculo anterior era Hugo, os Imaginários e a Cidade do Medo. O grupo é formado por Luciana Castellano e Victor Merseguel, justamente a talentosa dupla que integra o elenco deste Meu Amigo Inventor.
O texto – escrito em trio por Celso Correia Lopes, Luciana e Victor – é muito inteligente. Excelente. É de tirar o fôlego. Uma tirada após a outra. Você se encanta por uma fala, e a fala seguinte é mais legal ainda… O recurso da repetição é sempre muito bem-vindo no teatro infantil. Criança adora. Aqui, toda vez que o inventor, inspirado em Leonardo da Vinci, constata que não foi ele quem inventou determinada engenhoca do futuro (rádio, lâmpada etc), responde: “- Lástima!” O efeito é certeiro e bem divertido.
O tema principal da peça é uma discussão sobre o que as crianças de hoje fazem com seu tempo livre, o quanto os brinquedos prontos não permitem que cada criança invente as próprias brincadeiras. O tema decorrente disso é a solidão de brincar sozinho, a dificuldade de se relacionar com outras crianças. É linda a forma como isso é abordado. Sem pregações nem catequeses, apenas com exemplos, com ações, com bons diálogos.
Victor Merseguel confere verdade e sentimento ao inventor em crise, que sofre por ter de ficar inventando coisas por obrigação. Luciana Castellano dá um show de versatilidade ao interpretar todos os papéis femininos da peça: a garota solitária Caterina, a mãe do inventor, a empregada Polpetona e a visita Dona Gioconda (divertida referência ao quadro Mona Lisa). Uma dupla muito bem entrosada em cena. A direção não os deixa cair nos estereótipos.
Os figurinos assinados por Daniel Infantini são ótimos, com destaque para o incrível macacão da menina Caterina, lúdico até não mais poder. A cenografia de Victor Merseguel brinca com a madeira, em gavetas distorcidas, cômodas arrendondadas, móveis brincalhões. Nota dez. Você vai se apaixonar também pelos adereços, a cargo do ateliê palhAssada, e pela bicicleta e outros brinquedos de madeira criados especialmente para o espetáculo por Victor Merseguel.
E apure os ouvidos para não perder nada da trilha sonora, absolutamente genial, da lavra do veterano Dr. Morris. São canções desde já antológicas, muito bem escritas, com letras encantadoras, como a canção final, que fala justamente sobre brincar e sobre fazer amigos. Meu Amigo Inventor, como se vê, é uma atração para se prestigiar sem nenhum risco de erro na escolha. Toda a sua família vai se divertir muito. Palmas de pé para a Companhia de Copas.