Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 02.04.1994
O teatro conta a própria história
A Cia. De Teatro Medieval, responsável, entre outras, pelas montagens de O Segredo Bem Guardado e O Elixir do Amor, traz a cena talvez o seu mais elaborado projeto. Mestre por um Triz é o resultado de cinco anos de pesquisa, que envolveu – entre outras etapas – a descoberta do texto do autor, Hans Sachs (1494-1576), em alemão gótico, a sua versão em inglês arcaico e finalmente a sua tradução para a língua portuguesa, que ao contrário de ser o ponto final, era apenas o começo.
Adaptada por Márcia Frederico a partir da versão de Heloísa Frederico para a ópera Os Mestres Cantores de Nuremberg, de Richard Wagner, que homenageava o autor Hans Sachs, reunida a mais duas farsas de Sachs (O Estudante que veio do Paraíso e Os Filhos de Eva), Mestre por um Triz é puro teatro, contando sua própria história. O texto recupera as farsas medievais encenadas por comerciantes e artesãos, que realizavam anualmente, em suas confrarias, um torneio de teatro. Sachs, que na vida real era sapateiro, além de escritor e mestre cantor, foi incluído como personagem no enredo que liga os textos de sua autoria.
Numa praça de Nuremberg, é anunciado ao povo que o grande vencedor do torneio anual de teatro, entre os mestres artesãos, levará como prêmio a belíssima Eva. Walther, um aprendiz do mestre Sachs apaixonado pela moça, vê no torneio a sua grande chance. Entretanto, Beckmesser, um canastrão da melhor qualidade, está no páreo e já considera seu prêmio. Do dia para a noite, Walther escreve sua peça – Os Filhos de Eva – e recebe a aprovação do mestre, Beckmesser, pensando, pensando que o texto foi escrito por Sachs, rouba os originais, e a Walther só resta o improviso – O estudante que veio do paraíso.
A concepção e a direção de Ricardo Venâncio para o espetáculo se revelam no palco em delicados detalhes de recriação de época. Do começo, com o elenco cantando em off fragmentos da ópera de Wagner, ao requinte dos cenários e figurinos, também assinados por Venâncio, a encenação flui de maneira harmônica, onde cada elemento acrescentado é uma surpresa de bom gosto.
Na distribuição dos papéis, também a generosidade do diretor se faz presente. Acostumado a protagonizar suas peças, desta vez Venâncio é o coringa que tira partido corporal, ficando com César Augusto o irresistível galã Beckmesser. Com gestos marcados, o ator interpreta esse quase vilão com comicidade em tons exatos. José Mauro Brant empresta sua vitalidade e invejável musicalidade ao aprendiz Walther, enquanto Eduardo Andrade é Hans Sachs e a engraçadíssima camponesa de uma das farsas. Bel Garcia, a única presença feminina no elenco, acompanha bem seus companheiros. Tarefa nada fácil, levando-se em conta a força do quarteto.
Mestre por um Triz, espetáculo concebido no mais puro estilo europeu, e que poderia estar sendo apresentado nos festivais regulares da Provence, é um presente para o público carioca, que, nesta árida temporada 94, pouca viu acontecer nos palcos do teatro infantil.
Mestre por um Triz está em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, aos sábados e domingos, às 17h. Ingressos a CR$ 2.500.
Cotação: 4 estrelas (Excelente)