Valmor Beltrame:
Ator, professor e diretor teatral – SC
O Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau vem se consolidando como evento que, além de reunir espetáculos teatrais de qualidade artística destinados ao público jovem, também tem possibilitado a discussão e debate sobre aspectos importantes em torno desta arte. A realização da mesa redonda, revela o entendimento dos organizadores do evento e como importante espaço de formação e aprendizado.
A cada ano a direção do Fenatib organiza uma mesa redonda escolhendo um tema relacionado com o teatro infantil. Na edição passada, o assunto foi dramaturgia. Este ano as atenções estão voltadas especialmente para o trabalho do ator, em particular a interpretação no teatro infantil.
A definição deste tema se deve fundamentalmente à percepção de que é comum atores quando atuam num espetáculo para crianças, independentemente da idade da personagem que interpretam, assumirem mudanças corporais que se aproximam de uma forma estereotipada de criança. Os joelhos dobram, as pontas dos pés são posicionadas para dentro, os ombros caem, os braços parecem pêndulos e a personagem se infantiliza. Por que isso acontece?
Ao problematizar este aspecto da encenação do espetáculo, surgem perguntas: o que é o teatro para crianças? Em que o teatro para crianças se diferencia das outras formas de representação cênica? Por que não existe dança infantil? Quem são as crianças às quais se dirige o teatro feito “para crianças” ? Ás que podem ir ao teatro? Ás que se deixam influenciar pela propaganda e consumo de bens culturais destinados a essa fatia do mercado? Quem é o ator que trabalha no teatro infantil por opção estética/artística ou por questões econômicas/comerciais? Precisa dominar saberes distintos de quem atua no teatro adulto? Que concepção de criança e infância os espetáculos apresentam?
Estas e outras dúvidas estarão permeando as discussões desta mesa redonda. Responder a todas estas questões não é tarefa fácil, porque este tema parece um novelo com muitas pontas, enredadas, cada uma delas levando a outra. Por isso, um rápido olhar sobre a história do teatro infantil pode ajudar a compreender melhor seus problemas e acertos.
Um Pouco de História
O teatro para crianças no Brasil é atividade relativamente recente. Historiadores apontam a encenação do espetáculo O Casaco Encantado de Lúcia Benedetti, em 1948 no Rio de Janeiro, como referência marcante na definição do início dessa prática artística. No entanto, é possível registrar não só no Rio como em outras cidades brasileiras a existência de encenações, seguramente sem a repercussão obtida pela peça O Casaco…, que confirmam a produção crescente para esse público.
Nos anos cinquenta é possível registrar três iniciativas importantes, impulsionado o teatro infantil: Maria Clara Machado funda O Tablado, no Rio de Janeiro, até hoje em pleno funcionamento; em São Paulo, Júlio Gouveia e Tatiana Belinky criam o TESP e em Porto Alegre, Olga Reverbel dirige o TIPIE.
Mas é nos anos sessenta, e principalmente nos setenta, que o país passa a produzir em ritmo intenso, espetáculos destinados ao público infantil. Deste período é possível destacar muitos trabalhos que se diferenciaram pelo cuidado e acabamento técnico e artístico.
História de Lenços e Ventos do Grupo de Teatro Vento Forte, escrito e dirigido por Ilo Krugli é uma das referências mais importantes desta época, por deixar de lado o tom didático, presente na maioria dos espetáculos do gênero, e se apresentar como espetáculo sem fronteiras etárias. Abandona o texto e a intensa movimentação em cena como recurso para substituir a ação dramática.
Possibilita múltiplas leituras da obra em contraposição à obra fechada comum às montagens. Deixa de lado situações maniqueístas, com personagens clichesadas, esteriotipadas e apresenta um espetáculo com conflito, mas predominando o poético, por vezes lírico. Mas sobretudo o prazeroso jogo do faz de conta presente em História de Lenços e Ventos fazem deste espetáculo um trabalho que, apresentado no horário destinado ao público infantil, é, antes de tudo, teatro.
Influências
Esse trabalho é referência ainda para os grupos de teatro para crianças, influenciando a produção de muitos elencos. No entanto, isso não significa que a qualidade dos espetáculos tenha melhorado de forma generalizada. Como diz a professora Maria Lúcia Pupo, em recente artigo publicado na revista da USP nº 44:
“Afora, portanto, esses casos particulares, o que se pode verificar é que a especificidade da dramaturgia e da encenação infantis não vêm lhe assegurando o nível de qualidade enquanto criação artística. Subjaz às representações mentais do adulto produtor do discurso teatral a imagem de um jovem espectador marcado por uma espécie de indigência de caráter intelectual. Uma encenação pobre, um texto recheado de lugares-comuns ou uma interpretação incipiente são veiculados sem maiores constrangimentos, na medida em que têm apenas crianças como alvo.” (2000:338)
Nos anos oitenta e noventa é possível constatar o aparecimento de uma nova tendência teatral, agora para adolescentes. A fragmentação do discurso verbal e cênico, o abandono de possíveis elementos didáticos, uma espécie de atualização da encenação, têm sido a preocupação dessas produções. Diante destas tantas denominações, “teatro infantil, teatro jovem, teatro adolescente” as inquietações sobre essa atividade artística não desaparecem. As perguntas ou dúvidas anteriormente explicadas continuam sem respostas.
Gianni Rodari, educador italiano, perguntado sobre a necessidade de se fazer arte para crianças, responde que, sim, é preciso, porque aí reside a possibilidade de transmitir às crianças, nossas paixões. “Eu entendo por paixão, a capacidade de resistência; a intransigência em negar a hipocrisia sob qualquer forma em que se apresente; a vontade de agir e ser o que se é; a consciência do dever que temos, enquanto homens, de mudar o mundo para melhor, sem nos contentar com as medíocres mudanças aparentes; a coragem de dizer não, sobretudo quando seria mais cômodo dizer sim; a coragem de não fazer como os outros, mesmo que seja preciso pagar por isso; a arte para crianças deve sobretudo demonstrar nossas paixões.” Acredito que o sonho de Rodari pode ser o sonho de muitos de nós e pode pautar o trabalho de todos os que ligam com teatro, não apenas para crianças, mas com todo o público.
Participantes
Para aprofundar as discussões sobre o tema desta mesa temos Denise da Luz, atriz da Cia.Téspis de Itajaí/SC, que acumula a experiência de dirigir um elenco de atores adolescentes na sua cidade. Denise trabalha como atriz em espetáculos para crianças e adultos e vem construindo uma carreira sólida no cenário catarinense. Seu espetáculo “Era uma Vez… Eram Duas, eram Três!”, integra a programação deste Festival.
Ricardo Gomes, diretor do Grupo Diadokai, do Rio de Janeiro, é mestre em teatro pela UniRio e estudioso das artes orientais, investigando como as práticas do oriente podem ser referência par a o ator ocidental. “PEDRO E O LOBO” é o espetáculo dirigido por Ricardo integrando a programação deste evento.
Jorge Vermelho, diretor da Cia Azul Celeste, de Pindamonhongaba/SP, acumula uma das mais ricas e diversificadas experiências na atividade teatral, sendo ator, figurinista, iluminador, músico-compositor, entre tantas outras competências que a montagem do espetáculo exige.
Como é possível perceber, são profissionais atuando em realidades distintas, interior de Santa Catarina, um grande centro como Rio de Janeiro e interior de São Paulo. Essa diversidade de realidades, com experiências tão singulares, tornará este encontro rico e produtivo.
Denise da Luz:
Entre o teatro para crianças e o teatro para adultos, na minha opinião não há diferenças estéticas ou estruturais. O que existe é a diferença de linguagem, que deve privilegiar o modo que a criança lê o mundo, o que ocorre normalmente com qualquer montagem. Dependendo do público alvo ao qual uma peça está direcionada ou do gênero em questão, se optará por uma determinada linguagem.
Sendo assim, o preparo do ator de espetáculos par crianças deverá ser idêntico ao do ator que trabalha para adultos. Afinal de contas, os princípios básicos da preparação do ator são sempre os mesmos, o que muda é a aplicação destes, em função do trabalho específico no qual ele está envolvido.
Tenho percebido, entretanto, que ainda há uma tendência em se utilizar do teatro infantil para dar lições de moral e ensinar algo à criança, o que eu classificaria como resquícios do teatro didático. Ainda que isso já venha se modificando bastante ao longo dos anos, podemos observar uma série de trabalhos que ainda possuem essa característica. E isso evidentemente aparece também no trabalho do ator, que apresenta este tipo de trabalho do ator, que apresenta este tipo de trabalho com tom professoral, utilizando palavras muito bem articuladas e reforçando tudo com gestos óbvios, no sentido de que ela “compreenda melhor” o que ele “pretende ensinar”. Sem falar nos estereótipos.
Têm-se a impressão de que no teatro para crianças os personagens não necessitam ter profundidade. As figuras das próprias “personagens-crianças” são estereotipadas e cheias de clichês. E surgem ainda outras questões do tipo: teatro para criança tem que ser alegre, animado, com muita música, muita cor. Me parece que não há problema em nenhuma dessas escolhas, desde que estejam contextualizadas e que não apareçam apenas como recurso fácil.
Sabemos inclusive do preconceito muitas vezes ainda existente com o ator que faz teatro infantil, como se participasse de um teatro inferior ou mais fácil. Acredito que esse fato esteja ligado a uma questão maior, ou seja: a própria criança é vista de maneira superficial dentro da nossa sociedade, então tudo que se destina a ela é menor, é menos.
A Téspis Cia. de Teatro ( da qual sou integrante), desde sua fundação trabalha com espetáculos para este público e tem, por exemplo, uma grande preocupação com o trabalho do ator, realizando estudos no sentido de ter um desenvolvimento cada vez mais amplo. No início não sabíamos muito bem o que queríamos com o teatro infantil, mas já sabíamos o que não queríamos.
Em Sintonia
Possivelmente, em algum momento, tenhamos incorrido em alguns destes equívocos que criticamos, já que nunca estamos totalmente isentos deles Por isso, nos parece importante estarmos atentos e sempre trabalhando para não reforçar os deslizes.
Considero o ator de teatro infantil um privilegio, pois está diante de um público absolutamente sincero. Mas há que se tomar cuidado com isso também, pois está diante de um público absolutamente sincero. Mas há que se tomar cuidado com isso também , pois, como citou Nini (Valmor Beltrame) em um artigo: “As crianças são os mais indefesos, porque com facilidade se aquietam ao apelo de silêncio feito pelo adulto pai ou professor, que o acompanha ao teatro”. (Jornal Ô Catarina ” Cutucando a onça… Esse nosso teatro infantil”). E, muitas vezes, a criança já vai ao teatro com uma formação mal direcionada, estimulada por alguns programas de televisão ou pelo teatro infantil caricatural.
O ator deve estudar muito o material em que está trabalhando. Deve esforçar-se por conhecer o universo da criança, procurando estar em sintonia com seu raciocínio e seu imaginário, que, por sinal, é muito rico. É preciso ter cuidado par não permitir que o “nosso adulto” deturpe ou distorça esta realidade. O papel do diretor, que articula os elementos cênicos, deve levar em conta todos estes aspectos.
Ricardo Gomes:
A frase de Stanislavski “O teatro para crianças tem que ser igual ao adulto. Só que melhor”, escrita no cartaz e no programa do Festival, define sinteticamente o que eu penso sobre o teatro infantil. Por isso há responsabilidade imensa quando uma montagem se dirige a uma mente em formação. Obviamente quem lida com crianças sabe, cada uma delas é diferente, tem personalidade, tem conceitos e valores. Mas quando vai ao teatro geralmente está muito aberta, disponível, e isso é uma responsabilidade muito grande em relação ao que se vai oferecer a ela.
Você está formando ou você está deformando? Não que o teatro infantil deva ter um cunho didático, não é por aí, mas isso coloca a questão o por quê de se estar fazendo teatro. Por que se está fazendo arte? Qual é a relação a ser estabelecida com o público?
O teatro, para mim, é encontro, só que nesse encontro, quem está em cima do palco é, digamos assim, o anfitrião. O ator é a pessoa que se preparou para esse encontro, enquanto o espectador vem aberto para receber e trocar com o personagem. Penso que na questão estética não existe diferença entre o teatro infantil e o teatro adulto. Aliás, muitas obras em diversos setores, cinema, teatro e literatura, podem ser consumidas por um adulto ou uma criança, o que muda são os níveis de leitura. E não quer dizer que o nível de percepção da leitura da criança seja menos rico do que o do adulto, muito pelo contrário.
Na peça que apresentamos no Festival, “Pedro e o Lobo”, há um exemplo disso. Num certo momento, Priscila, a atriz, troca a gravata branca por uma vermelha, no momento em que a personagem Sônia, a pata, morre e é comida pelo lobo. Sempre que tenho oportunidade pergunto se as pessoas notaram e rarissimamente os adultos percebem; já as crianças quase sempre atentam para o detalhe.
Quer dizer, as crianças têm um olhar perspicaz a elementos que aos adultos passam despercebidas. Esse detalhe do laço é significativo. Evidencia que a criança está mais aberta à linguagem visual e corporal, à linguagem não verbal, à linguagem subliminar. Sinto que no teatro infantil há amplo espaço para explorar a linguagem física, corporal, e a criança responde de forma muito rica.
Estereótipos
Chamo atenção para percebermos a forma interessante como as crianças reagem ao espetáculo – não são passivas e o adulto é passivo. Ele pode até estar achando o espetáculo uma porcaria, mas fica ali, quietinho, talvez vá embora… mas se cuida, nem sempre sai da sala porque pode pegar mal. Ele tem um comportamento estereotipado, as vezes dorme (se está escuro…ninguém vê). A criança não quando não gosta, diz, “eu não gosto dessa porcaria, eu quero ir embora”. Isso é fantástico. Para a criança não existe “a boa educação”, obviamente existem reações e reações. Mas penso que a relação se estabelece de uma forma que exige seduzir e conquistar o público ou a criança.
Sentir que se conseguiu isso é uma coisa fantástica, é vitória do trabalho de todo mundo que faz teatro para criança. Todo mundo já deve ter passado por isso, você vê a platéia que no começo está fazendo a maior bagunça, fazendo brincadeiras que não tem nada a ver com a peça, e aos poucos elas vão entrando, entrando, daqui a poucos estão prestando atenção no espetáculo, estão até participando, falando, mas de uma forma pertinente que tem a ver com o que está acontecendo em cena… é maravilhoso. E no teatro adulto isso é mais sutil ou difícil de se perceber de forma clara.
Sobre a montagem de “Pedro e o Lobo”, queria dizer que nunca tinha feito nada para criança, nem como ator. Durante o processo de encenação na primeira fase eu não me preocupei com a questão do público ao qual eu estava me dirigindo. Mas de um certo ponto em diante comecei a pensar nisso e ficar preocupado, me dirigindo. Mas de um certo ponto em diante comecei a pensar nisso e ficar preocupado, me perguntando: será que crianças vão entender essa coisa, a mesma atriz fazendo vários personagens, essa linguagem mímica, enfim todas essas referências? Será que elas vão acompanhar? E para meu espanto, elas acompanham e muito bem. Inclusive as crianças menores “viajam” mais do que as crianças maiores. As crianças de dez anos por aí, curtem, mas é mais estatisticamente. Às vezes explicitam: “Achei um pouco chato, não gostei muito.” . Percebo que estão esperando outra coisa, adulta entre aspas, para a visão delas. E as crianças pequenas saem imitando a Priscila, repetindo movimentos da mão ou da saia, demonstrando ter identificação com aquele tipo de linguagem. Porque eles têm a imaginação aberta a isso.
Procuro ler muitas coisas sobre as crianças, o comportamento delas, e na prática verifico justamente o contrário do que dizem. Por exemplo: uma coisa que ouço muito é” a criança é concreta.” Você não pode chegar e dizer esta é uma cadeira se a cadeira não estiver ali, porque segundo alguns, a criança tem que ver a cadeira. Isso não se confirma na minha prática, porque ela tem a imaginação aberta. Se eu lhe mostrar uma caneta e disser isso aqui é uma cadeira e se eu tiver possibilidade de convencê-la, se eu for realmente convincente e tiver técnica teatral para transformar caneta numa cadeira, a criança não vai nem por um momento questionar isso.
Para Sempre
Outra questão é a complexidade da linguagem. Críticas sobre “Pedro e o Lobo” falavam que a peça não era adapta às crianças pequenas. Obviamente que era uma criança de dois ou três anos é ainda um pouco complicado para qualquer espetáculo, mas na minha prática as crianças pequenas, de quatro anos para cima, são as que mais gostam da peça. Então uma coisa para se pensar é se o que estamos dizendo sobre a criança tem embasamento.
Quando à experiência de ser pai, que é totalmente nova para mim, eu estava pensando em dois aspectos relacionados com o que estamos falando aqui: diante do filho você sente uma responsabilidade imensa em relação a tudo que você oferece a ele, vai fazer com que cresça, forme seu cérebro, seus músculos, etc. Podemos ter isso com relação ao teatro, esse alimento que estamos dando para as crianças, é a primeira experiência, vai marcar para sempre.
E o outro lado da experiência de ser pai, é essa oportunidade de ver esse ser se formando e crescendo, eu acho que para o trabalho do ator isso é extremamente enriquecedor. A criança pode ser modelo para o ator, a sua capacidade de reagir aos estímulos, mesmo quando é nenenzinho, de ouvir os sons, como se vira, como está aberta a receber respostas, esses estímulos… é tudo o que nos atores buscamos. E essa sensação de que você também pode aprender com ela além de ensinar, isso não é demagogia. Como dizia Platão, que fala muitas vezes através do mito, “nós não aprendemos nada”, porque a gente já sabe que se esqueceu.
Na vida, lógico que a gente aprende, elabora, enriquece, torna mais complexo, mais rico, mas também perdemos isso. E fazemos teatro, arte, no sentido de manter acesa essa criança, buscar no contato mais sensível, ver uma coisa e buscar no catálogo mental como classificar, se vejo um objeto que balança, que tem certa cor, que tem um certo tamanho, eu posso dizer: isso é uma árvore.
Jorge Vermelho:
Para mim, o que um Festival como esse de Blumenau é justamente gerar uma quantidade de reflexões e instigar para que possamos voltar para nossos grupos, discutindo quais caminhos se tomar com o trabalho. Ou que comecemos a nos perguntar: que caminhos estamos percorrendo para chegar às pessoas?
Nós que trabalhamos com teatro queremos nos comunicar, seja com um público infantil, seja com o público adulto. O que a gente vislumbra hoje é isso, é conseguir a comunicação. Mas entendimento sobre essa comunicação. Mas entendimento sobre essa comunicação é que é complicado.
Minha vivência de teatro para criança no interior do Estado de São Paulo é grande, me permite realizar diversos trabalhos para crianças e também encontrar com grupos de teatro no interior. O que percebo é que a maioria das pessoas está elegendo o imagético, valorizando o imagético dentro do teatro para crianças e se apoiando nesse imagético para que ele se concretize e se realize plenamente, o que é muito difícil.
Em contrapartida, estamos num Festival onde está se discutindo a função do ator no teatro para crianças. Isso é o que dá ganho ao nosso trabalho – quando se começa voltar a preocupação do teatro para criança, principalmente na interpretação. Mais se começa a discutir como isso vai se destinar e como isso vais comunicar através do ator, não só da imagem. Assim, a imagem tem uma função fundamental para reforçar o que o ator pode estar comunicando.
Aprofundar
Penso que a reflexão sobre o trabalho do ator tem que ser cada vez maior e fico contente que estejamos retomando essa preocupação. E o grupo de teatro é um lugar importante no processo de preparação do ator. Lamento que existam grupos nos quais isso se resume a um mês de ensaio porque o espetáculo é para criança. Eu não acredito num trabalho consciente e satisfatória, sem aprofundamento. Porque as personagens se mostram como cascas, e, num pequeno período, vão estar totalmente ao chão, com certeza. Isto porque não foram alicerçadas em nada, não foram argumentadas em nada. A montagem teve uma construção superficial.
Infelizmente, percebo que só há busca pelo aprofundamento quando o espetáculo é destinado ao adulto. Ou seja, se reproduz a visão de diminuição da criança como algo menor. É complicado e preocupante que o teatro infantil possa, em aspectos, tomar esse rumo.
Então, acredito que o trabalho de preparação do ator no teatro para criança deva seguir um processo senão igual ao de teatro para adulto, até mais aprofundado, porque a criança vai estar trabalhando com um universo com ludicidade e, às vezes, temos preconceito em achar que a criança precisa de tudo muito esclarecido, o que acaba levando ao superficial. É claro que queremos o feedback desse público. Mas aí recebemos verdadeiras lições de interpretação e entendimento, coisas que não havíamos pensado.
Por isso, sinto necessidade de aprofundamento ao trabalhar teatro para criança. Quero sempre buscar, saber e conversar cada vez mais a respeito do ator nessa estética, porque acredito que este público tem direito a um teatro para ela, tem direito a um estética que fale do seu universo, dialogando com seu universo. Se o espetáculo funciona também para o adulto, melhor. Quando os pais levam a criança ao teatro e o espetáculo é bom, está cumprindo duas funções.
Diálogo
Temos que buscar os caminhos para isso, não só na estética e na linguagem, mas como o ator vai entender a dinâmica do trabalho com a criança. Qual o tempo que está sendo trabalhado, a questão de se ter respostas prontas e acabadas? Estar comunicando não é uma comunicação de via única, bate e retorna também em informação. E assim precisa ser digerida, analisada e devolvida enquanto informação. Acredito que esse trabalho deva ser pleno. A partir do momento em que nós atores e também diretores nos preocuparmos com isso, em estar realizando uma construção plena e profunda, não pode em hipótese alguma estar menosprezando a capacidade de entendimento da criança. Como disse Ricardo: “Se eu tiver a fé cênica que isso é uma cadeira e dialogar com a criança sinceramente, com certeza vou saber e conseguir me comunicar”.
Porém, para isso eu preciso de preparação. Porque não há como mentir.Tratando-se de um público mais indefeso, também considero que seja mais sincero. O processo de preparação deve ser igual ou superior ao teatro para adulto, justamente por estarmos trabalhando com a sinceridade que pertence ao universo infantil. E isso não há como extrair, porque o lúdico vai estar sempre presente numa encenação é como a criança vais estar recebendo isso, o trabalho.
A criança tem sim o poder de, num segundo, transformar a caneta num herói ou avião. Mas também abandona isso e já parte para uma outra visão. Há quem pense que o detalhe não é importante para a criança. É sim. Daí que eu acredito que o ator tem que estar se preparando, no sentido de entender o universo da criança, para poder melhor se comunicar com ela.
Não conheço como é o interior de Santa Catarina e do Rio, mas no interior de São Paulo, a gente mata um leão por dia lutando contra um certo tipo de visão sobre o teatro infantil visto como pecinha, teatrinho. Estamos fazendo TEATRO!
Estamos lutando contra isso, porque uma atividade artística desse tipo e o nosso trabalho enquanto diretor, enquanto ator e enquanto artista, propõe justamente um instrumento de comunicação. O que se entende equivocadamente como instrumento de comunicação no teatro infantil no interior de São Paulo – e estamos presenciando muito isso – é o teatro do convite fácil, é o teatro das frases feitas.
Reflexão
Nossa experiência está sendo justamente discutir uma nova forma, não queremos inventar moda, mas queremos sim refletir sobre como dialogar com essa criança, mas tendo sempre em vista o acabamento, o refinamento artístico.
Na busca do entendimento do universo infantil para se comunicar, esquecemos de nós mesmos e penso que seja bom fazer um retrocesso e entender a criança que existe dentro de cada um, e as atitudes tomadas na vida. Mais: se perguntar como está essa criança hoje, qual é o entendimento que ela tem de vida?
É importante oferecer oportunidades diversas pra criança, para ela exercitar e fazer opções. Quando tudo o que lhe oferecem é Xuxa, como é que ela pode fazer outra opção? Uma das nossas junções é esta. Se ela é obrigada a comer só sal, como vai distinguir e optar pelo açúcar? O processo educativo também consiste nisso, exercitar o discernimento, dando parâmetros para a reflexão. Nossa prioridade também é essa, exibir o outro lado da moeda.
Contribuições do público presente:
Osvaldo Gabrieli:
Diretor do Grupo XPTO – SP
Uma questão importante para mim que é o trabalho que se dá à palavra, à imagem e ao trabalho corporal do ator. Deve se diferenciado diante do adulto e diante de crianças. É diferente quando a mãe conta, numa situação muito especial, uma história para um filho, se compararmos com um grupo de atores em cena contando uma história onde existem diversos personagens e uma série de complexidades da própria dramaturgia.
O teatro infantil precisa ter um grande poder de síntese no texto, ser extremamente pontuado, os pontos principais, o que você quer dizer em cada momento, ter uma clareza interna na própria dramaturgia. Deve estar apoiado em imagens visuais, não necessariamente cenário e figurino, mas em relação a como o ator se comporta em cena, visualmente e corporalmente. É preciso ter o trabalho de desenhar o que o ator está querendo passar para o público. Eu tenho uma experiência em teatro em que pouquíssimos espetáculos são falados, mas os atores inventam línguas ou trabalham com música pontuando as ações. A música pontua o trabalho do ator e eu sinto que a criança se comunica muito mais pelo corpo e pelo desenho. Passar idéias pelo visual é possível, mais do que conseguir que ela formule um pensamento complexo, racional.
Acredito que, se a criança pudesse optar entre contar uma história ou desenhar a história, ela iria preferir desenhar história. Ela tem a enorme capacidade de perceber detalhes e de sacar coisas absolutamente originais. Mais isso também pode acontecer com adultos e não só com crianças. Acho que importante neste momento é não cair na coisa verborrágica, não cair na palavra. Quando mais síntese existir nos elementos que se colocam em cena, existe mais possibilidade de se comunicar e transmitir.
Nova Escola
Tenho muita dificuldade, como adulto, de digerir espetáculos nos quais existem quatrocentos elementos a serem assimilados ao mesmo tempo. Não consigo escolher entre a história, a interpretação ou a visual. Eu me perco e não sei até que ponto a criança não tem essa dificuldade de discernir o todo. Penso que, quanto mais simplicidade existir, tanto no movimento quanto no trabalho corporal, melhor. Mas essa síntese tem que ser extremamente inteligente, não é simplificar, é chegar ao essencial da imagem, da forma em cena, ao essencial do figurino e do movimento do ator e da palavra. O trabalho do diretor tem que estar no centro de todo esse leque de opções.
Existe uma grande falta de escolas de teatro infantil, e acho que o grupo de alguma forma, supre essa questão. Talvez o diretor seja um pouco orientador pedagógico dessa situação. Eu gostaria de poder trabalhar como Ilo Krugli, porque ele, junto com algumas pessoas, criou uma “escola de teatro infantil”
Ele sempre trabalhou uma questão que, para mim, foi uma grande descoberta – partir de você. Ou seja, partir da criança que você é, partir do seu depoimento como artista, como vida, de tuas memórias, de teu sonho, de tua utopia, do teu universo de criança e trazendo essa criança. Tenho medo quando se fala a palavra treinamento, mas acho importante que o ator tenha um trabalho corporal que descubra muitos caminhos. O ator deve ter realmente uma ampla cultura geral, de leitura, de textos, de amplo conhecimento. Mas basicamente o ator tem que ter esse canal com o seu íntimo, com o seu interior, com o seu sonho.
Max Reinert:
Diretor de teatro (Téspis Cia.de Teatro) – SC
Muito do que se tem dito se aplica ao teatro para público adulto. A partir do momento em que o ator aciona, pode-se ter um texto com quinhentas páginas, que elas vão chegar até mim. O problema não é ter ou não ter texto, isso é uma escolha do grupo. Existem grupos que trabalham com muito texto, grupos que não usam texto, e não é isso que define a compreensão do teatro para a criança ou para o adulto. O que nós estamos estudando no nosso grupo é de que maneira o ator aciona, ou seja, trabalha com a ação e se comunica com a platéia. O texto também é ação. Não adianta o texto ter palavras belíssimas. Não dá para ficar só na palavra.
Tive a oportunidade de ver espetáculos em português que eram ruins. Ao mesmo tempo, assisti um espetáculo do diretor Peter Brook, todo em inglês, com a ação e faziam com que a gente compreendesse todo o espetáculo sem entender uma palavra do idioma original. O problema seria o texto? Percebo que, às vezes, as crianças não entendem o texto, mas entendem o espetáculo. Entendem no nível das ações, a partir do momento em que essas ações são claras, precisas, sintéticas. Aí o espetáculo comunica, seja para criança ou para adulto. Mas, também é preciso tomar cuidado, porque às vezes as pessoas dizem que estão agindo e na verdade estão mentindo, fingindo. E teatro não é mentira, é ficção.
Djalma Rodrigues Lima Neto:
Ator (Companhia Andante de Repertório) – RJ
Quero voltar a centralizar a questão no trabalho do ator, porque me parece que, pelas palavras dos diretores presentes na mesa e de algumas pessoas da platéia, não há dúvidas de que o trabalho do ator é o mesmo, tanto no teatro adulto quanto no infantil. Igual no sentido de seriedade e técnica. Então, me parece que a questão é um criador? E até que ponto ator consegue criar acreditando naquela proposta, naqueles pressupostos? Ou ele é um mero repetidor das ações de um diretor inconseqüente? Muitas vezes ele vai trabalhar no espetáculo infantil só por questões financeiras! O diretor tem seus parâmetros para isso, está pagando um cachê e o ator vai fazer. E aí nos deparamos com um espetáculo que a gente pensa: puxa vida, como é ruim, anti-artístico, anti-pedagógico,anti-formador de platéia, como é anti-tudo.
Até que ponto o ator que a gente vê fazendo este espetáculo tem responsabilidade sobre o espetáculo tem responsabilidade sobre o espetáculo? Será que ele acha que o teatro adulto e infantil não tem diferença ele faz com a mesma força, com a mesma técnica? Mas ele é conduzido, dirigido por outras pessoas, como essas pessoas pensam? Fica a sugestão para que haja uma próxima mesa, discutindo o trabalho diretor no teatro a priori são essas que iniciam o processo no teatro.
Renato Perré:
Ator e diretor do Grupo Filhos da Lua – PR
Gostaria de retomar a questão: “para que criança a gente faz esse teatro?” O que mais me chama atenção nessa arte de teatro para criança é que a gente pode estar fazendo um teatro de alta qualidade, por isso nos interessa fazer teatro para criança. Não exatamente porque é para criança, e se preocupar tanto com esse público de tal faixa etária, mas porque a gente tem a possibilidade de fazer um teatro profundamente sensível, profundamente mágico no sentido de atingir o espectador no seu inconsciente. Isso me move em direção ao teatro para criança eram de pessoas que já assisti como teatro para criança, através de uma oficina, através de um trabalho de arte-educação extraíam dali, junto com a criança, todo o aprendizado, toda a identificação com essa linguagem.
Então é complicado fazer teatro para criança pensando que é o grande público consumidor. E a maioria das abordagens tem sido nessa direção: é um baita mercado, vamos montar teatro para criança. Mas o cara não despertou, ou tem saudade imensa da criança dele, talvez seja por isso que ele busque a criança. Prefiro essa abordagem de voltar-se para criança no sentido do ser humano sensível, da criança que existe dentro de mim, dentro de nós adultos, dentro de nós atores. Se nós conseguirmos essa abordagem, mergulhar nesse universo, acho que a produção de teatro começa a ganhar um salto de qualidade, porque a gente vai estar falando perto deles, dentro dessa tribo, conhecendo o idioma dessa tribo, porque é uma tribo , você tem que entrar ali, fazer parte dela. E para entrar ali tem que se despir, não pode chegar como um colonizador.
Marisa Naspolini:
Atriz, diretora, professora e produtora teatral – SC
Penso que existe uma confusão muito grande entre o universo que efetivamente é da criança e o que o adulto decodificou como sendo da criança e o que o adulto decodificou como sendo da criança. E esse adulto decodificou como sendo da criança. E esse adulto achou a mina de ouro, a nova forma de utilizar esse mercado, criando a grife, o programa de auditórios, os cantores mirins, etc. Cria-se um padrão de comunicação. E a gente tem inclusive no próprio Festival alguns exemplos disso, do espetáculo que estabelece uma comunicação, fala com a platéia, provoca discussão, mas ele não está entrando no universo da criança, está reproduzindo o universo do adulto como sendo o universo da criança a discutir o que é ou não legal, o que não, e é muito sutil essa diferenciação. Porque teoricamente tudo comunica, mas tem a ver com o que a gente efetivamente está comunicando. É preciso se questionar sobre isso. Porque se o centro da questão é o espetáculo que comunica, o Programa do Faustão é o máximo! Assim, a audiência não pode ser parâmetro para se julgar a qualidade do trabalho.
A criança recebe essa mesma informação por vários outros canais, ela assiste os Faustões ou as Xuxas da vida e reconhece essa mesma forma de informação no teatro, facilmente digerível, ainda que não pertença ao seu universo mais profundo, mais poético. Por isso, penso que a nossa responsabilidade no teatro infantil é maior do que no adulto, porque no adulto a gente está lidando com seres formados. Com a criança não. Um espetáculo pode afetar profundamente o seu referencial artístico, a criança pode vir a gostar ou a detestar teatro, ou a ter para sempre uma referência do que é teatro a partir de um espetáculo, e isso é muito perigoso quando a gente reproduz regras que estão aí.
Maria Helena Kuhner:
Professora, pesquisadora e escritora – RJ
Comunicação não tem nada a ver com produzir na platéia uma gritaria de macacos de auditório. A comunicação muitas vezes está sendo trabalhada no sentido da linguagem, quer dizer, na preparação do ator, do diretor, do conseguir uma técnica que possa fazer chegar ao outro. E acho que tem algo que vai mais fundo: a criança não é um ser inferior, não é um adulto em miniatura, não é um copo vazio que se vai encher de conteúdos com uma mensagem já pronta.
A criança tem um pensamento concreto, então tudo para ela é imagem, visual, passa pelo sensível. É atenta ao detalhe, percebe muito, passa pelo sensorial, mas tem algo mais, tem “o universo infantil”, quer dizer, um universo que é uma coisa muito mais ampla. Então eu me pergunto: afinal, quem é a criança?
Com um pouco de formação de psicóloga que sou de formação, lembrei que há um fato psicológico da criança que me parece de suma importância para a gente pensar: tudo que a criança vê e sente, é por ela vivido como uma experiência, e ela vai juntando essas experiências para o desenvolvimento do seu potencial. Ora, isso nos leva a um questionamento que é importante também: até que ponto, quando o ator se prepara, ele se prepara a partir de si ator, a partir de sua necessidade de transformar o seu corpo, a sua voz, a sua possibilidade de chegar ao outro, de se transformar num instrumento cada vez mais válido, cada vez mais eficaz para a comunicação que ele deseja?
Os grupos de interior mantêm, e os melhores grupos das cidades grandes também mantém o trabalho em continuidade e isso é possível quando há uma preocupação com a avaliação. Ouve-se falar muito na preparação, na produção, nas condições de produções, etc, e muito mais raramente na avaliação. E quando a gente levanta essas questões, a avaliação nos remete a duas questões essenciais: uma é trabalhar para a criança muito mais do que trabalhar para o adulto. Como dizia o Pirandello, trabalhar para a criança é mais difícil que trabalhar para o adulto, porque faz o adulto ter que retornar à criança. O ser em comum entre o adulto do palco e o adulto da platéia, se são ambos seres humanos, mas sendo de um mesmo mundo pode ser mais simples. O trabalhar para a criança exige retomar em nós essa criança e objetivamente ver essa criança que está ali e o que ela tem em comum conosco. Então isso exige essa avaliação, partir da criança e não partir do que se acha que deva ser dado à criança. E a outra coisa é uma questão chave. Se tudo o que a criança vive vai viver como uma experiência, é preciso se perguntar se essa experiência vai ser enriquecedora ou não para ela.
Isso nos coloca novamente diante da questão chave para essa avaliação: que uso podem fazer as crianças com aquilo que está sendo oferecido por nós? Que uso podem elas fazer com aquilo para organizar, interpretar e fazer com aquilo para organizar, interpretar e enriquecer a sua própria experiência? Eu acho que é uma pergunta muito exigente, é uma pergunta que os melhores espetáculos respondem e respondem bem. Outros respondem parcialmente e alguns não respondem em absoluto. Ou até ao contrário, diante dessas perguntas, alguns realmente verão o seu trabalho não só como improdutivo ou negativo, mas até como prejudicial, predatório, nocivo para criança.
Na época em que eu estava trabalhando na televisão, eu era gerente de uma área que produzia programas na faixa de três a dezoito anos. Eu tinha que pensar nove programas diferentes e houve um momento que senti necessidade de refletir mais sobre isso. Escrevi um ensaio chamado “Existe uma nova criança? ” tentando repensar essas mudanças, porque é um desafio para gente que está trabalhando para crianças, trabalhar a partir da criança, ou com a criança e sentir essas transformações todas do mundo.
Luciano Fusinatto:
Diretor do Unicórnio Grupo Alternativo de Teatro e Música – SC
Tenho comigo uma dúvida e gostaria de compartilhar. Quando a gente diz que o teatro que fazemos pode prejudicar a criança, estamos indicando um caminho. Que pode levar para um lugar. Mas eu tenho impressão de que a gente fala isso sempre a partir de uma visão muito individual, tanto do ponto de vista de quem fala, quanto do ponto de vista sobre a criança. É sobre isso que eu não ouvi comentários ainda, sobre o espírito crítico da criança, e espírito crítico de quem faz as coisas para criança.
As coisas que se faz dentro ou fora do palco sempre tem um cunho social, independentemente da intenção que se tenha. É notório que muitas crianças gostam da Xuxa, eu por exemplo acho a Xuxa uma porcaria, prejudicial para todo mundo, mas essa leitura que eu faço da Xuxa é pautada no pensamento social. Temos discutido pouco essa questão da formação crítico. Discutir questões técnicas é fundamental discutir o social e a formação do espírito crítico.
Maria Teresinha Heimann:
Arte-educadora, Coordenadora do Fenatib
Acredito sim que temos que pensar na infância como uma forma capaz de contribuir para o melhor desenvolvimento da criança na sociedade. Gosto muito do livro “A Criança e sua Arte”, de Victor Lowenfeld, porque oferece um roteiro das diferentes fases do desenvolvimento infantil. Estuda os distintos cominhos e etapas vividas na infância e como esses caminhos vão se estruturando.
Gostava de brincar com meus alunos da pós-graduação, demonstrando como no dia-a-dia vamos respondendo a determinados estímulos que de certa forma nos são impostos e como vai havendo um “enquadramento” do nosso comportamento em relação a eles. E eu chamava a atenção deles sobre o formato dos objetos; como exemplo pedia para que atentassem para o formato das casas, da televisão, da sala, da cama, da mesa, da escola todos quadrados, e isso faz com que sejamos também quadrados e “enquadrados” desse modo, porque aceitamos isso pacificamente.
Assim, como podemos ser livres para criar se estamos sempre cercados pelo quadrado e limitados nele? É incrível, mas experimente se posicionar em um espaço circular e sinta o desconforto. Porque não estamos acostumados com essa liberdade de nós mesmos encontrarmos o limite no espaço circular. Quando mais a criança adquirir vivência de si mesma e daquilo que a cerca, tanto mais se desenvolverá seja o seu senso criativo, sua independência, sua maturidade emocional e intelectual quando adulta.
Acredito ser interessante para o próximo ano, termos alguém para falar sobre arte-educação. Isso vai elucidar alguns conceitos que, de algum modo, nos passam despercebidos. Encerrando esta Mesa, gostaria, em nome da Fundação Cultural de Blumenau, de agradecer a participação de todos, em especial dos nossos convidados, pela sua contribuição com o fazer teatral para crianças.
Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 4º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (2000).