Meninos do Mangue: crianças catadoras de caranguejos


Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 01.10.2005

 

 

 

 

 

Barra

Falta luz no mangue

Texto de denúncia social perde a força diante de impasses da direção

 Em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, Meninos do Mangue conta histórias do cotidiano das crianças catadoras de caranguejos nos manguezais, com o intuito de revelar seu universo. O texto é do premiado escritor Roger Mello e o espetáculo se estrutura alternando narrativa oral e texto dramático, com cenas contadas e representadas.

Uma aposta entre os personagens Preguiça e Sorte, frequentes em diversos contos populares, serve de pretexto para as oito histórias contadas. No entanto, essas narrativas orais cênicas não se desenvolvem satisfatoriamente. Há excesso de cortes e interrupções e por isso algumas delas mal se esboçam, perdendo-se na falta de clareza. Já enquanto narrativas dramáticas, as histórias também não apresentam boa construção.

Estas duas questões, aliadas às inúmeras interferências de uma forma narrativa sobre a outra e à existência de duplos de personagens, tornam o espetáculo confuso. Para suprir a falta de ação dramática, a direção, assinada por Marcelo Mello, se utiliza do recurso do excesso de movimentação, no intuito de prender a atenção do seu público.

No impasse da oposição ação dramática versus movimento exterior entende-se movimento como mera agitação, sem significado. E essa excessiva movimentação não atrai a participação da criança. Provoca excitação, o que não contribui para uma melhor compreensão da peça, já que não decorre de nenhuma situação dramática.

Ao final do espetáculo, é difícil algum espectador conseguir recontar alguma das histórias, frente a tantas dificuldades de entendimento criadas, principalmente diante dos caminhos trilhados pela direção. O cenário, também assinado por Roger Mello, é muito simples: um piso feito de material que lembra o lodo dos manguezais e tablados que sugerem pontes, sob as quais vivem os personagens.

A busca dessa simplicidade mais realista conduz também a iluminação de Aurélio de Simoni que, surpreendentemente, deixa por vezes, os atores no escuro. Tal imprecisão não lembra o sempre mestre Aurélio. A reconstrução do real feita pelo cenário e pela luz se completa nos figurinos de Ney Madeira, que trabalha texturas, recortes e superposições para criativamente, reinventar o universo dos manguezais.

Ney Madeira faz o s trabalho com a criatividade e o talento de sempre, mas a direção não consegue integrar harmoniosamente as várias linguagens cênicas que, por conseguinte, não criam um todo orgânico, o que também contribui para dificultar a compreensão.

Os atores se revezam-nos diversos personagens destacando-se a atriz Ana Paulo Botelho, que faz Preguiça, e Liliane Rovaris, que interpreta a Sorte. Os demais atores, em seus inúmeros pequenos papéis, embora não desenvolvam um trabalho mais significativo, cumprem sua função. O texto Meninos do Mangue retrata com força esta realidade social, mas os inúmeros problemas do espetáculo o tornam confuso. Como consequência, não desperta o interesse da plateia.