Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 12.05.1979

Barra

Não se prende o vento

Mais uma vez dá certo a união de Maria Clara Machado com atores oriundos do Tablado. Alguns de seus ex-alunos estão apresentando, no Teatro Clara Nunes, A Menina e o Vento, com a direção estreante de Marília Pêra. O resultado é bastante positivo.

A Menina e o Vento é uma das peças que melhor definem a proposta de vida da autora: feche os livros, abra os olhos. Ela não pretende, com isso, combater a leitura como algo nocivo; o que ela quer é mostrar que o conhecimento é muito mais forte quando vem através de vivências, quando o aluno passa a ser o agente de seu próprio aprendizado. Na peça isso fica bastante claro: um personagem que já estava com raiva de ter que amar o Brasil (raiva causada pelos métodos educacionais retrógrados de sua Tia Adelaide) acaba amando-o por livre e espontânea vontade ao tomar conhecimento vivo deste país numa viagem fantástica do lado do vento. (Aliás, o convite feito pelo Vento a Menina (Monte na minha cacunda!!) mexe tanto com a nossa fantasia de voar quando o convite feito por outro herói das crianças (e de muito adultos), O Super-homem chamando Lois Lane para dar uma voadinha).

O texto propõe ainda que se dê uma saudável mexida na ordem chata das coisas: fala poeticamente das separações inevitáveis, da saudade trazida pela distância, da necessidade que tem o ser humano de exercer sua autonomia. A peça reage a chavões educacionais (Quem vive na rua não tem tutano, lugar de moça é no piano) e mostra que não há repressão possível quando existe uma consciência da liberdade e uma correspondente utilização de energia para o exercício de ser livre. A repetição da frase – Não se prende o vento – é um fecho perfeito: não se prende o vento, como não se prende a imaginação, como não se prendem as ideias.

A estreia de Marília Pêra como diretora pode ser um bom reforço para o nível do teatro infantil carioca. A encenação tem seu ponto forte no trato visual: a união de cenário, figurinos (ambos de Chico Ozanam) e iluminação (Roberto dos Santos) cria um envolvente clima de fantasia, alimentado (e bem) pela versátil parte musical (de Francis Hime). Pena que a coreografia de Mirian Muller quase nada acrescente. O espetáculo começa muito forte, muito para cima, e cria uma expectativa que, infelizmente, não se realiza por completo. Quando se espera que a encenação continue com novos achados visuais, ela passa a correr de modo quase repetitivo, principalmente depois que  a polícia começa a investigar. A chegada da carta é outro bom momento, em que a direção consegue criar novamente um forte envolvimento coma a plateia.

Conhecendo-se a maneira de interpretar de Marília Pêra, já se esperava um tipo de linguagem bem livre, com força nos tons de ironia e numa interpretação mais avacalhada. O texto permite isso, principalmente com as tias e com os policias, mas o resultado final fica um pouco no meio-termo. Talvez até se esses personagens fossem mais enlouquecidos deixasse de existir a monotonia já assinalada.

O elenco, entre altos e baixos, acaba tendo um resultado bem eficaz. Talvez as tias e os policiais (que dão o toque de humor) pudessem render ainda mais (e se comunicar ainda mais) se fossem melhor explorados.

Em síntese um bom texto encenado de modo muito bonito. As falhas não comprometem de forma alguma o resultado final. A observação do comportamento das crianças, na plateia, demonstra que o espetáculo comunica, sem necessitar da participação trazida pelos gritos, pelas perguntas imbecis de transformar as crianças em delatoras, como se vê tanto por aí.