Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 18.03.1995
Casamento de talentos
A Menina e o Vento, texto de Maria Clara Machado, encenado pela primeira vez no Tablado, em 1963, não está entre os preferidos dos alternativas que se escoram no mérito da autora para empurrar aos incautos suas montagens caça-níqueis. Extremamente poético e dotado de fino humor, o texto crítica com muita propriedade não só as relações familiares, mas, sobretudo o sistema educacional ufanista, onde amar o país se torna um lenta um lema insuportável. Maria, atormentada por suas três tias com aulas de piano e conceitos de moral e cívica, acaba fugindo na cacunda do vento e descobrindo maravilhas sobre o Brasil em que mora. A história das diferentes regiões geográficas, vistas ao sabor do vento, ganha um encanto todo especial – e então amar o país é um prazer.
Mas a mensagem da autora não para por aí. Enquanto Maria visita o Brasil pelos ares, em terra a polícia, a imprensa e a família expõem suas ridículas autoridades com a engraçada eloquência de quem se leva muito a sério.
Cininha de Paula e Lupe Gigliotti, em corajoso investimento, concebem um musical de alta qualidade, onde os figurinos de Cláudio Carpenter, a música de Tim Rescala e as coreografias de Eduardo Martini e Flávia Rinaldi se completam com uma precisão poucas vezes vista. Entremeando em tempo exato a poesia do texto com as cenas de comédia, Cininha e Lupe mantêm a plateia, durante todo o espetáculo, em uma agradável expectativa.
No trio das tias Adelaide, Adalgisa e Aurélia, Regiana Antonini se diverte como a primeira, num personagem autoritário onde não faltam os tiques insuportáveis e as pausas altivas dos donos da verdade. Cláudia Rodrigues dá a volta por cima, num personagem que seria a cópia fiel do interpretado por Regiana, e empresta toda a sua graça a Adalgisa. Heloísa Perissê, também em fase de desafio – sempre ótima em tipos histriônicos-, dá a Aurélia uma delicadeza sem pieguices. Nizo Neto, muito convincente num policial-galã, Plácido, está em perfeita sintonia com seus treinadíssimos ajudantes Ronaldo Vianna e Marcos Noronha. Karla Suita, nos papéis de mãe e avó, dá leveza aos personagens. Bruno Marques é um repórter antenado, com seu humor radiofônico. A brincadeira com repórteres televisivos é feita com bom gosto.
Em sua estreia no palco, Maria Maya é pura emoção. Suas cenas com Diego Larrea, seu irmão na peça, são absolutamente naturais e carinhosas. Ao contracenar com o vento, vivido por Marcelo Caridad, o embate de talentos se evidencia, em harmonia total. Num papel episódico, Caridad prova que a generosidade do ator só contribui para o brilho do espetáculo.
A Menina e o Vento é um musical de surpresas. Um casamento feliz de talentos, no auge de suas criatividades. Nesse caso, a ida ao teatro é um prazer.
A Menina e o Vento está em cartaz no Teatro Villa-Lobos, aos sábados e domingos, às 17h. Ingressos a R$ 8.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)