Crítica publicada no Site do CEPETIN
Por Mônica Alvarenga – Rio de Janeiro – 18.02.2008 

 

Barra

Uma fabula de boas intenções

A primeira coisa que salta aos olhos ao se entrar no SESC Tijuca para assistir a sessão de teatro infantil é o exíguo espaço de palco destinado à produção para alocar seu espetáculo. Não é de hoje que a administração dos teatros em geral e, as produções ditas adultas dos horários ditos nobres, não respeitam as produções ditas infantis.

A peça em questão teve que trazer a cena para o proscênio, com entradas e saídas sofríveis sendo vistas pelas laterais, visivelmente espremida à frente de uma rotunda instalada praticamente no meio do palco. Até quando as produções serão obrigadas a aceitar um desrespeito deste? Até que ponto essa subordinação não contribui para o atraso na busca de qualidade de um teatro formador e essencial à manutenção daqueles que, no futuro, ocuparão seus horários nobres? Mas vamos ao espetáculo.

A Menina dos Olhos d’Água em cartaz no SESC Tijuca tem dramaturgia de Gabriel Sant’ Anna e contribuição textual de Anderson Guimarães. Os autores intitulam seu texto de fábula contemporânea e tentam costurar diversas referências de histórias, mitos, contos e cantos do folclore brasileiro. Apesar dos temas abordados serem bastante significativos, a história de Clara, a menina sequestrada pelo “homem do saco”, acaba por se perder, ficando confusa em meio a tantas citações. Não se deve, sob pena de transbordar e rasgar, encher um saco até este não suportar seu próprio peso. Um excesso de narrativas, aliadas a algumas cenas mal costuradas textualmente, faz com que a tessitura dramatúrgica fique mal alinhavada e frágil. A pergunta é: o que quis o autor com a classificação de sua história como uma fábula contemporânea? É conhecida a contradição da noção de fábula: o da dramaturgia clássica numa interdependência dos elementos narrativos e a dita brechtiana em seu princípio de descontinuidade. A ambiguidade desta noção aparece justamente na falta de harmonização destas noções pela direção do espetáculo. Fica a impressão de um curso narrativo desencadeado.

Cláudio Sásil que assina a concepção e direção, não consegue driblar as deficiências textuais com as entradas e saídas injustificadas dos personagens. Mas, em meio a tímidos recursos e espaço, conta esta história de forma hábil, lançando mão de linguagens, tais como a manipulação de bonecos, teatro de sombras e máscaras. Seu acerto está justamente nessa busca de interligação de linguagens e seu pecado apenas quando invade o espaço de uma na outra, como no caso da menina-atriz beijando a mãe-boneco. Uma sensação de desperdício aparece ao usá-las tão rápida e alegoricamente. Uma cena como a dos bonecos atrás dos panos não dura mais do que alguns segundos.

A luz, talvez em parte por sofrer de material escasso, não contribui para os propósitos da encenação. Sua plasticidade surge apenas nas cenas dos efeitos de sombras. Cabe ressaltar na ficha técnica a criatividade dos figurinos, que mesmo com poucos recursos, usa elementos como a palha, tecidos diversos e o fuxico e consegue produzir uma unidade altamente inventiva.

É visível também o cuidado da encenação na direção de movimento do elenco que se mostra homogêneo e somente deixa a desejar quando um ou outro ator tenta buscar um riso gratuito. De forma geral, estes defendem seus personagens com um bom rendimento.

Destaque para Anderson Guimarães e Suellen Costa nos seus diversos papéis e pelo esmero vocal e corporal na concepção de seus personagens.

Em suma, um espetáculo bem cuidado, com boas intenções que merece ser visto.