Crítica publicada no Diário Popular
Por Edgar Olímpio de Souza – São Paulo – 1992
A Megera Domada ganha montagem sutil e criativa
Texto de Shakespeare é encenado pelo Tapa
A temporada shakespeareana começou. Na Aliança Francesa está em cartaz desde dezembro A Megera Domada, encenada pelo grupo Tapa. Daqui a alguns meses dois Macbeth estrearão na cidade; um assinado por Ulysses Cruz e estrelado por Antônio Fagundes, o outro montado pelo Macunaíma de Antunes Filho. Como se sabe, o espetáculo de Cruz será uma superprodução com lutas de kung-fu e alguns efeitos especiais, o de Filho procurará resgatar a palavra no teatro e valorizará o ator. A montagem do diretor Eduardo Tolentino preferiu a simplicidade e a criatividade: custou apenas Cr$ 12 milhões.
O Tapa montou um espetáculo inventivo e com achados cênicos, sutilezas que parte do público poderá até não captar mas que revelam um trabalho depurado do grupo, há cinco anos instalado no Teatro Aliança Francesa. Em A Megera Domada, Tolentino resgatou o machismo e o levou às últimas consequências e explorou a relação de dominação entre patrões e empregados. Escrita em 1593, a peça fala de um pai rico, Batista (Aiman Hammoud), que condiciona o casamento da filha mais jovem, a meiga Bianca (Clara Carvalho), ao da mais velha, a megera Catarina (Denise Weinberg). Dois pretendentes de Bianca, Lucêncio (Leopoldo Pacheco) e Hortênsio esforçam-se para criar situações de aproximação e também para arrumar um marido para Catarina, no caso Petrúquio (Ernani Morais). Surgem outros pretendentes. Tramas, intrigas e algumas confusões depois, Lucêncio e Bianca e Petrúquio e Catarina acertam-se e as duas sofrem uma transformação: Bianca se torna megera e Catarina dócil.
Tolentino poderia ter promovido uma leitura convencional da peça, mas optou por vasculhar intenções ocultas do texto de Shakespeare. Catarina e Petrúquio, na concepção do diretor, tornaram-se arquétipos de um machismo que volta revigorado nos dias de hoje. Ele é um machista que impõe sua superioridade à força e obriga sua companheira a passar fome. Ela é uma mulher aparentemente liberada e independente que acaba revelando-se submissa e gueixa. Os dois mantém uma relação que remete a uma luta de boxe – duelam entre tapas, safanões e empurrões, como num ringue. O diretor realçou também a relação de dominação entre patrões e empregados. Todos os patrões são dominadores, todos os criados submissos. Os personagens podem ser compreendidos ainda através de cor de seus figurinos. Catarina e Petrúquio vestem trajes escuros, Bianca e Lucêncio roupas claras e os criados com peças na cor da terra.
A Megera Domada, do Tapa, não perderia se enxugasse mais o tempo de duração da montagem, mesmo levando-se em consideração a dificuldade em montar qualquer texto de Shakespeare em menos de duas horas. Mas é um espetáculo com ritmo, fluência narrativa, personagens bem definidos – Shakespeare escreveu personagens com papeis semelhantes, bem acabados. Duas cenas são impagáveis: o casamento de Petrúquio e Catarina, ela de preto, ele em trajes exóticos, que culmina numa tourada. E a que abre o segundo ato, uma performance do criado Grummio (Guilherme Sant´Anna), irreverente e cheia de fôlego. O elenco, como é hábito em todo trabalho do Tapa, é homogêneo e com interpretação afinada. Ernani Moraes é um Petrúquio cínico e debochado. Denise Weinberg uma Catarina típica de mulher de malandro. Clara Carvalho uma Bianca que parece uma Gata Borralheira e Leopoldo Pacheco faz um Lucêncio com energia e vibração. A Megera Domada prova mais uma vez os talentos do diretor Eduardo Tolentino e do grupo Tapa. É obrigatório.