Denise Weinberg e Ernani Moraes, que fazem Catarina e Petrucchio, estão indicados para o Molière

Crítica publicada na Tribuna da Imprensa
Por Lionel Fisher – Rio de Janeiro – 1992

Barra

Imperdível montagem do grupo Tapa

A Megera Domada é uma das comédias mais conhecidas e representadas de Shakespeare. Batista é um próspero cidadão de Pádua que possui duas filhas. A mais jovem, Bianca, é a doçura personificada, enquanto que Catarina é tão irascível que dela ninguém ousa aproximar-se. Ansioso por livrar-se de um fardo tão pesado, Batista decide só permitir que Bianca se case após o enlace de Catarina. Grêmior e Hortêncio, pretendentes à mão de Bianca, tentam convencer Batista a revogar a peremptória decisão, mas ele se mantém irredutível. O acaso, porém, traz à cidade o intempestivo Petrucchio, que se encanta por Catarina, acredita que pode domá-la e acaba se casando com ela. A partir daí o autor desenvolve a trama no sentido de demonstrar que o matrimônio é uma feroz disputa pelo poder e que este sim pode ser legitimamente exercido pelo homem. Não fosse Shakespeare um gênio, seu inconcebível machismo seria intolerável.

Mas, como se trata do maior dramaturgo de toda a História, até mesmo um ponto de vista execrável como esse pode ser suportado, à medida que o autor criou uma obra impecável. Em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, a peça traz de volta ao Rio o grupo Tapa, um dos melhores do país e há alguns radicado em São Paulo.

O diretor Eduardo Tolentino reduziu os cinco atos originais a apenas dois, tendo também cortado as duas cenas introdutórias. E sua montagem se estrutura dentro de uma linha que privilegia o trabalho do ator – a iluminação é discreta, são poucos os objetivos de cena e a cenografia praticamente inexiste. Uma tal proposta comporta uma série de riscos, pois todos os personagens criados por Shakespeare são complexos e os textos invariavelmente difíceis de serem articulados com a indispensável naturalidade.

Assim, é bastante comum se assistir às montagens que visam, através de um requintado aparato visual, a minimizar eventuais deficiências por parte do elenco.

No presente caso, Tolentino não precisou recorrer a malabarismos formais, já que o elenco do Tapa é de primeiríssima qualidade. Ciente disso, o encenador criou uma dinâmica cênica a partir do intérprete, trabalhando otimamente as falas e enriquecendo-as, via de regra, com gestos expressivos e divertidos. Quanto às marcações, o diretor evidencia criatividade e total domínio de seu métier – são brilhantes, entre outras, as cenas protagonizadas pelos criados de Petrucchio (Grumio) e de Lucêncio (Blondello), interpretados, respectivamente, por Guilherme Sant´Anna e Gustavo Engrácia. São dois exemplos notáveis de como podem se tornar teatrais momentos que, ao menos em teoria, deveriam ser apenas narrados.

Mas é óbvio que A Megera Domada depende, fundamentalmente, da atuação dos protagonistas, Petrucchio e Catarina. Ernani Moraes e Denise Weinberg estão concorrendo ao Molière relativo à temporada paulista de 91. Se vão levar o prêmio, é claro que não podemos saber. Mas, diante do que apresentam na atual montagem, chega a ser difícil imaginar que outros possam ficar com a cobiçada estatueta. Moraes, além de possuir um tipo físico ideal para o papel, seduz pela forma como mescla truculência, esperteza, cinismo e ternura.

Denise Weinberg, apoplética de início, vai pouco a pouco violentando o caráter de sua personagem até transformá-la na materialização perfeita da submissão: uma gueixa, por sinal um ótimo achado da direção. Quanto aos demais atores do Tapa, cumpre ressaltar que todos exibem ótimos desempenhos e contribuem de forma decisiva para o êxito da montagem. Com relação à equipe técnica, destaque para os figurinos de Lola Tolentino: bem confeccionados, divertidos e críticos, eles transmitem também uma idéia interessante: a de que as disputas pelo poder não sofreram maiores mudanças através dos tempos. É pos isso, certamente, que a figurinista mistura roupas de época com trajes que remetem à contemporaneidade.