Multiplicidade de personagens interpretados por cada ator, além do canto, da dança e das acrobacias, não intimida o elenco


Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 04.09.2004

 

 

Barra

Brasilidade sem tom didático

Fatos históricos e contos de fadas permeiam a divertida As Marias do Brasil 

As Marias do Brasil
, em cartaz no Teatro Villa-Lobos, é uma história divertida criada a partir de fatos históricos. Com domínio da estrutura dramatúrgica, os autores Rodrigo Castilho e Maria Toledo partem do conto de fadas A Bela Adormecida, e utilizando-se de referências euro-afro-indígenas, criam uma fábula onde a brasilidade está presente por meio de imagens, música e elementos cênicos.

As Marias do Brasil conta as aventuras um menino português, que no dia do batizado, recebe a visita de três fadas boas e de uma fada má, que vaticina que ele morrerá quando for coroado rei. Para salvá-lo, as três fadas madrinhas mandam o menino para o Brasil e, a seguir sua família. Mais tarde, as três fadas conseguem quebrar a maldição e então seus pais retornam para Portugal, mas o príncipe diz que fica no Brasil.

Segundo a própria autora, a peça é “uma grande brincadeira” que não pretende contar ou recontar a História do Brasil. E tal urdidura é muito bem feita, sensibilizando o público com a diversidade do imaginário brasileiro colocado em cena. O texto também desenvolve de forma adequada um forte antagonismo entre as fadas, o que é fundamental, já que este é, na verdade, o grande conflito da história: de um lado, as fadas boas buscam a salvação do príncipe; do outro, Maria Fedida tenta fazer valer sua maldição.

Como num conto de fadas, o bem vence o mal e esta vitória é conduzida até o final com competência, permitindo que o público se identifique com os personagens, torça por eles e saia gratificado.

Texto e espetáculo estabelecem uma série de relações entre fatos históricos brasileiros e situações fabulares. Assim, a partir de metáforas, buscam discutir questões brasileiras como dominação e liberdade, sem ser pedagógico. E é este talvez o maior achado da montagem.

O Brasil surge principalmente na excepcional música de Chico César, mas também por meio da presença de atores e músicos do grupo Barbatuques e a partir do excelente trabalho vocal de Adilson Rodrigues, sob a direção de Fernando Barba. O cenário, de Kleber Montanheiro, é um enorme praticável que se transforma em palácio ou navio pela movimentação de suas duas metades, causando o efeito de grandiosidade, que a história pede.

Os figurinos e adereços, também de Kleber Montanheiro, são criativos, e o conceito que dá unidade ao conjunto e a diversidade, representada pelas várias etnias que compõem o povo brasileiro.

O cenário é movimentado todo o tempo no palco numa difícil manobra que poderia ser mais trabalhada, tendo em vista o aprimorando sua execução. Contribuiria também para a qualidade do espetáculo uma diminuição dos inúmeros elementos cênicos, que são adequados, mas que em determinados momentos tornam-se excessivos.

Ainda que Montanheiro dê uma boa direção ao espetáculo, as entradas e saídas destes  elementos tornam muitas vezes confuso o desenho cênico.

O Barbatuques consegue soluções excepcionais, como realizar as falas de alguns personagens apenas através dos conhecidos sons corporais do grupo. A música de Chico César tocada ao vivo contagia a plateia. Ponto alto do espetáculo, tambores, percussão, bateria, violão e voz compõem o universo musical.

Composto de atores, músicos, dançarinos, acrobatas, o elenco trabalha com competência,  num espetáculo considerado difícil, pela multiplicidade de personagens interpretados por cada ator,  além do canto, dança, acrobacias e até mesmo uma bem colocada street dance.

Peça tem música de Chico César e presença do grupo Barbatuques

No elenco destacam-se as atrizes, Juliana Bógus que faz Maria Fedida, com forte presença cênica; Nábia Vilela, que faz uma engraçada Maria Mole, usando seu humor com adequação e vigor; e Veridiana Toledo que vive a Maria-vai-com-as outras, marcando presença no palco. O elenco entra pela plateia, com uma música de “chegança”  e sai levando o público até a porta do teatro, com um ritmo bem brasileiro, forte e bem marcado, tal qual o espetáculo.