Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 30.09.1995
O ridículo da autoridade
Maria Minhoca é um texto de Maria Clara Machado, escrito em 1968, no auge dos cortes da tesoura da Censura Federal. O texto não incitava o povo a tomar o poder, mas brincava com o ridículo da autoridade, no personagem do Capitão Quartel – um pretendente de caráter duvidoso à mão de Minhoquinha.
Construindo com entradas e saídas bem marcadas, o texto já vem quase pronto para a direção. Talvez por isso, sua montagem é uma das favoritas de nove entre 10 jovens diretores, tenham eles frequentado ou não as aulas do Tablado.
A história, com toques de vaudeville, acontece numa cidadezinha qualquer, dessas que ainda têm a praça como principal ponto de encontro João Bulldog, pai de Maria Minhoca, quer que a filha se case com o bom partido Capitão Quartel, um militar metido a galã, que na verdade está lhe preparando um golpe do baú. Maria Minhoca, mocinha sem muita voz ativa, é apaixonada por Chiquinho Colibri. Colibri, porém, não é lá um rapaz de muita iniciativa e, se não fosse seu espertíssimo amigo Pedro Fon-fon (sem dúvida nenhuma, o melhor personagem do texto) – que entra em ação com suas artimanhas e o profundo conhecimento do (mau) caráter humano -, nada decolaria nesta comédia de situações.
Marcelo Serrado e Marcus Moraes conduzem o espetáculo com leveza, inserindo algumas novidades em cena. A presença de dois personagens-curingas pontua o espetáculo com interferências musicais e com o humor sinistro de suas figuras – uma marca que trouxeram da montagem de Os Meninos da Rua Paula, na qual Marcelo atuou como ator e produtor e que acabou dando nome a sua companhia teatral.
Além das bem colocadas lembranças, Serrado e Moraes deram apoio total a composição dos personagens, proposta pelos atores. Assim, Guilherme Piva, o Pedro Fon-fon, e César Augusto, o Capitão Quartel, se destacam dos demais, para o bem do espetáculo. A ideia de nivelar por cima é, no mínimo, justa, já que o contrário poderia resultar num irreparável desastre. Nessa estratégia, quem sai ganhando é o público.
A montagem de Maria Minhoca tem alguns mitos difíceis de serem derrubados. E, ainda não foi desta vez que a extrema fragilidade da personagem-título ganhou algum vigor na interpretação de Christine Fernandes. A atriz poderia ter tirado melhor partido de sua bonita figura em cena, nem que fosse para brincar com a ideia de que mocinhas recatadas sempre acabam conseguindo o que querem. Na mesma linha, Cláudio Lins – como Chiquinho Colibri – continuou sendo apenas uma ponte, para que se revele todo o humor e agilidade de Pedro Fon-fon. E Fon-fon, dessa vez, literalmente rouba a cena, com a interpretação irretocável de Guilherme Piva. O ator, que vem se revelando melhor a cada encenação de que participa, conquista de vez a plateia, que espera ansiosa sua próxima entrada. Apostando em gestos contidos, César Augusto dá brilho ao seu naturalmente canastrão Capitão Quartel. Jaime Leibovich suaviza a caricatura de Mr. Buldog e, no geral, o espetáculo corre leve, com uma boa hora de entretenimento.
Cotação: 2 estrelas (Bom)