Carlos Löffler, em Maria Minhoca no Teatro Villa-Lobos

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por  Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 03.09.1984

Um Jogo com os Disfarces Teatrais

Maria Minhoca, atualmente em temporada no Teatro Villa-Lobos. É uma boa oportunidade para quem, depois de assistir a O Dragão Verde, deseja ampliar seus conhecimentos sobre o universo ficcional de Maria Clara Machado. Não é preciso fazer muito esforço, por exemplo, para reconhecer em Chiquinho Colibri, o apaixonado de Maria Minhoca, certos laços semelhantes aos do jardineiro Pedrinho que, mesmo frágil, vence o dragão com apenas um estilingue. Não é difícil perceber também certa proximidade entre o poderoso Capitão Quartel, o preferido pelo pai João Bulldog para casar-se com Minhoca, e os alunos do curso de vestibular de heróis do Professor Golias em O Dragão Verde.

Reconhecidas as semelhanças, assiste-se mais uma vez à hábil construção de heróis frágeis, mas, espertos, como Colibri e seu amigo Fon-Fon, por Maria Clara Machado. E que, no caso de Maria Minhoca, vencem o concorrente mais forte graças não a um estilingue, mas a uma série de disfarces teatrais. Ora é Colibri que se veste de guarda noturno para rivalizar com o traje suntuoso do outro, ora é Fon-Fon quem se finge de leão, de menino de recados ou de Lola Lolita Lopez de Milonga, uma espanhola que acaba seduzindo tanto o Capitão Quartel quanto João Bulldog. A arma da conquista, assim como da ação teatral, em Maria Minhoca é justamente esta sucessão de disfarces cômicos. E o sucesso de Chiquinho Colibri se acha diretamente determinado pela sua capacidade, e de Fon-Fon, de teatralizar outros personagens. Já o Capitão Quartel, capaz apenas de representar o seu próprio papel, é derrotado com facilidade. Não é “ator” como Colibri e Fon-Fon. Por isso os aplausos, o amor de Maria Minhoca, que assiste a tudo de sua janela-camarote, ficam com o atrapalhado Chiquinho, ator de mais de um papel, e não com Quartel, ator de um papel só.

Deste modo, a história aparentemente simples de uma jovem cujo pai é uma fera, e cujos pretendentes desfilam atrapalhadamente frente à sua janela, recobre outra história: uma indagação velada sobre a interpretação teatral, a caricatura dos intérpretes de si mesmos, como Quartel, o elogio cômico às metamorfoses de Fon-Fon e Colibri. E, assim, Maria Minhoca se revela um exercício privilegiado, para seus atores e encenadores, que devem mesclar a simplicidade do enredo com os jogos interpretativos que as diversas metamorfoses dos personagens propõem. Nesse sentido, Bernardo Jablonski, na sua primeira direção profissional, parece ter-se saído bem. O texto de Clara está lá inteiro. À exceção de dois pequenos cacos dos atores Roberto Bomtempo, o Fon-Fon, e Carlos Loffler, o Colibri. O de Bomtempo, uma referência verbal a Roberta Close, um pouco deslocada na peça. O de Carlos Loffler, uma citação gestual à coreografia do Thriller de Michael Jackson, ao contrário, tem excelente rendimento cênico. E não só pela fácil comunicação com o público, mas porque se inclui, ironicamente, na série de disfarces a que se submetem ele e Fon-Fon. A que se submete, aliás, o próprio Carlos Loffler que, desde o mendigo-palhaço de Tá Faltando Um e o menino superprotegido de Jardins de Infância até o apaixonado Colibri, mostra invejável percepção do universo teatral, da medida exta entre composição cômica e a caricatura. Não é à toa que faz o Colibri tão bem e que os “aplausos” de Maria Minhoca se dirijam para ele.

Não é fácil encontrar atores que busquem a medida de seus personagens, ao invés de simplesmente projetar o seu próprio retrato sobre eles, como faz o cômico Capitão Quartel no seu sempre idêntico jeito de sedutor. É sobre isso que parece falar Maria Clara Machado nas entrelinhas de Maria Minhoca. E foi assim que Bernardo Jablonski procurou dirigir seu elenco, com um bom desempenho de conjunto. Falta talvez a Roberto Bomtempo soltar um pouco mais o seu Fon-Fon e a Bel Garcia enfatizar um pouco a “maliciosa” cumplicidade de Maria Minhoca para com as tentativas de aproximação de Colibri. Falta também um maior jogo teatral com a luz, sempre igual. Basta lembrar os aplausos ao final, quando ficam acesos apenas os contornos de uma igrejinha, desenhada ao fundo por Fernando Berditchevsky para perceber como uma iluminação melhor trabalhada poderia trazer belos resultados cênicos. Problemas à parte, o primeiro trabalho profissional de direção de Bernardo tem um ótimo resultado: um espetáculo limpo, respeito pelo texto escolhido, boa direção de atores e uma excelente resposta do público, que o Teatro Villa-Lobos lotado numa sessão das 4 h bem demonstra.